segunda-feira, 18 de abril de 2011

O engajamento chinês no regime de não-proliferação

 Bruno de Paula Castanho e Silva

Um dos regimes mais importantes para a sociedade internacional desde meados da Guerra Fria é, sem dúvida, o da não-proliferação de armas de destruição em massa (WMD na sigla em inglês) e o de gradual desarmamento das potências nucleares. O risco de que um conflito possa levar à extinção da vida humana na Terra levou os Estados a buscarem mecanismos para reduzir ao mínimo possível a possibilidade de uma guerra nuclear.
O regime alcançado, sem dúvida, tem razoável efetividade em dissuadir países mais fracos de buscarem a obtenção destes armamentos. No entanto, quando se trata das grandes potências nucleares, a questão torna-se muito mais complexa. Armas nucleares são um elemento central nas estratégias de segurança nacional de Estados Unidos, Rússia e China, e quaisquer tentativas de levar estes países a reduzirem seus arsenais ou comprometerem-se com a não-proliferação requer longas negociações e concertos.

Tendo em vista a disparidade entre o arsenal nuclear chinês e seus correspondentes americano e russo, o que leva à diferença de tratamento da questão em cada um destes países, este ensaio busca analisar as possibilidades de Pequim diante do tema, para melhor compreender se este regime efetivamente pode vir a ser considerado um aliado na busca por um mundo com menos armas nucleares. Para isto, serão utilizados alguns conceitos de teoria dos jogos, explicados com mais detalhes abaixo.
A finalidade esperada é observar se, a persistirem as condições atuais, o regime chinês tende a reforçar a aplicação de medidas de não-proliferação adotadas nas últimas décadas, ou se tal política é apenas uma concessão estratégica à demandas e constrangimentos impostos pelos Estados Unidos.
Alguns conceitos desenvolvidos no âmbito das teorias dos jogos e sintetizados por Robert Jervis (JERVIS, 1978, p. 172 e ss.) provar-se-ão úteis para a análise em questão. O primeiro é o dos custos de ser explorado (CD), no caso em que um Estado coopera (explorado) e o outro decide abandonar o acerto (explorador). No lado oposto estão os ganhos de exploração (DC), que podem ser definidos pelas vantagens materiais obtidas quando se decide abandonar o regime enquanto os outros mantêm os compromissos. Os outros dois cenários seriam os de total cooperação (CC), no qual todos cumprem seus compromissos, e total defecção (DD), onde o sistema em questão vai à bancarrota completamente.
No regime da não-proliferação, é evidente que o objetivo só pode ser alcançado se todos cooperarem, e que o prejuízo no caso de ser explorado leva com que os atores desertem ao primeiro sinal de defecção. Os incentivos para a defecção são altos, vez que tanto os custos de ser explorado quanto os ganhos de exploração são elevados. Estes últimos são de tal monta altos que, para os três Estados mencionados, pode-se dizer ser preferível a total dissolução do sistema e a ocorrência de uma corrida armamentista à perda de poder inevitavelmente atrelada a CD. Desta feita, os cenários ideais possíveis e suas probabilidades são os seguintes:
a) CC – Os três cooperam, Rússia e Estados Unidos reduzem seus arsenais a um número abaixo de mil ogivas para cada, abrem mão de modernizações nos sistemas de mísseis e outros programas relacionados, enquanto Pequim se engaja efetivamente no combate à proliferação e interrompe o aumento de investimentos em suas capacidades. Nesta hipótese, mesmo com uma redução no aumento de investimentos, a China seria a mais beneficiada dos três, visto que as perdas dos outros seriam muito maiores, e o poder militar deve ser medido relativamente, e não absolutamente.
b) CD – A China coopera enquanto Estados Unidos e/ou Rússia abandona(m) o regime, o que Pequim acusa, de certo modo, ser a estratégia de Washington. Neste cenário, obviamente a China é a grande perdedora, visto que o hiato entre os arsenais apenas faria aumentar, até um ponto em que dificimente poderia vir a ser revertido. Por esta razão, a qualquer sinal de que Rússia e Estados Unidos poderiam não estar cooperando integralmente, Pequim desertaria, já que em sua situação não há uma folga que a permita um período de perdas.
c) DC - China deserta e EUA/Rússia mantém a cooperação, reduzindo seus arsenais para os níveis  requisitados enquanto Pequim prossegue com o aumento nos investimentos. Esta obviamente é a situação ideal para a China, que trabalharia para alcançar o mesmo poder militar das superpotências na área enquanto estas voluntariamente abririam mão de sua vantagem.
d) DD – Se todos desertarem, o que em última instância poderia levar a uma nova corrida armamentista. Este caso também não deve ser visto de modo negativo pela China. A se sustentar o crescimento econômico das últimas décadas, o país é o mais capaz de investir em seu arsenal nuclear e dispositivos de entrega, algo que o dá uma vantagem em relação à Rússia. Além disso, as preocupações estratégicas chinesas ainda são regionais, o que permite maiores investimentos proporcionais na Segunda Força de Artilharia, responsável pela defesa nuclear. O mesmo não acontece com os Estados Unidos, para quem a situação estratégica ideal seria a de poder operar com sucesso em duas regiões do planeta simultaneamente, o que evidentemente exige muito mais investimentos em todas as áreas das Forças Armadas.
Portanto, o melhor resultado para a China viria com CD. Os casos de cooperação total e bancarrota seriam, para os efeitos desta análise, equivalentemente positivos, já que tenderiam a levar a um aumento do poder chinês em relação às superpotências nucleares, de maneira que a avaliação de qual seria efetivamente melhor dependeria de fatores mais específicos e momentâneos. No que concerne a este ensaio, ambos podem levar a situações de ganhos comparativos. O pior resultado, como já mencionado, é o de DC.
A conclusão a que chegamos, destarte, é que para Pequim o melhor resultado possivelmente alcançável com cooperação é também o pior resultado que pode vir da defecção. Ora, um simples exercício de lógica é capaz de dizer qual opção mais provavelmente escolhida pelo Partido Comunista Chinês, líder da segunda economia do mundo e tentando chegar ao mesmo posto no que se refere a poder político e (portanto) militar.
   
Referências:
JERVIS, Robert. Cooperation under the security dilemma. World Politics, Vol. 30, No. 2, Jan. 1978, pp. 167-214.

Bruno Castanho é mestrando em Relações Internacionais na Universidade de Tallinn – Estônia

2 comentários:

  1. Oi Bruno, parabéns pelo artigo!

    Só tenho duas diferenças de opinião que queria passar por você, para ver no que você discorda ou concorda.

    1)É relevante discutirmos a proliferação nuclear num contexto de aumento ou diminuição do arsenal? Minha percepção é que continuamos em uma situação de MAD onde qualquer das partes tem poder de destruição altíssimo. É muito mais uma questão de quem dá o primeiro golpe do que do tamanho do martelo.

    2)Partindo dessa linha de que estamos em situação de MAD, penso que a análise da proliferação nuclear são mais de natureza política e diplomática do que de militarista e de poder. Talvez fosse interessante inserir estas suas análises num contexto de cooperação contínua, de jogos iterativos. Neste caso, cada questão diplomática que surge é um novo jogo, porém com os participantes possuindo informações maiores sobre o modo de agir dos outros jogadores. Neste caso, cada cooperação aumenta a possibilidade de uma nova cooperação e o contrário também se aplica. Tomando-se este contexto, penso que a opção de desistência da China torna-se cada vez mais desvantajosa, pois uma desistência aumenta a percepção dos outros países sobre a possibilidade de a China desistir em outros jogos.

    Simploriamente falando, a atitude da China nesta questão pode afetar as discussões sobre valorização ou desvalorização do Yuan, dependendo da percepção que os outros países tem da intenção real de o país cooperar.

    Claro que o mesmo vale para os outros dois países.

    Abraços e dê sinal de vida quando passar pelo Brasil.

    Otávio

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  2. Opa Xaitza, realmente você colocou alguns pontos interessantes.

    Sobre o primeiro, eu concordo que as potências tem um poder de destruição altíssimo, e falar em redução pode parecer só uma opção teórica. O problema é a exigência de desarmamento (para EUA/Rússia) é o principal ponto da política externa chinesa no que diz respeito a armas nucleares. Se nós olharmos os documentos oficiais sobre a defesa nacional (os chamados White papers, que o governo libera a cada dois anos), no capítulo sobre WMD o primeiro parágrafo já traz a exigência do desarmamento das grandes potências.
    Além disso, a principal justificativa pros investimentos chineses na área hoje é que, em caso de um ataque americano contra suas instalações, mesmo que seja apenas com armas convencionais, a China não teria condições de reagir. Como eles mantém desde 1964 um princípio de nunca dar o primeiro golpe com armas nucleares, a garantia de que conseguiriam revidar se torna essencial, daí os crescentes gastos atuais.

    Sobre a não-proliferação passar a influenciar em outras áreas, isso realmente é fato e é o que Pequim faz desde 1984, quando assinou o TNP. Quando surge pressão para que parem de vender aleatoriamente itens sensíveis ou para outra medida de controle, fazem N exigências em diversas áreas, enrolam um bom tempo, e aí sim adotam os procedimentos que foram pedidos.

    Agora, eu já não concordo muito com você sobre a possibilidade de não cooperação nessa área ter efeito sobre as expectativas de cooperação em outras. Discussões de assuntos militares internos mexem com a percepção de soberania, e é de se esperar que um regime quase totalitário como o chinês não aceite qualquer interferência externa. Já outros assuntos, como a economia, recebem influência de diversas outras variáveis. Não acho que a gente possa esperar maior ou menor cooperação em relação ao câmbio de acordo com uma maior ou menor cooperação em não-proliferação.

    Valeu pelos comentários, e pode deixar que eu apareço quando passar por aí.

    abraços

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