Apesar da tendência de queda no número de casos e de mortes pela pandemia do novo coronavírus, o Brasil vai fechando o mês de outubro beirando os 160 mil óbitos pela doença. Passado o ápice da curva epidêmica – oxalá – as notícias sobre o Brasil na mídia internacional se diversificaram para além da crise sanitária, mas não deixaram de ser, em muitos casos, negativas.
O The Guardian foi enfático ao manchetar a melada contratação do ex-atacante da seleção brasileira Robinho pelo Santos Futebol Clube, time onde o jogador começou a carreira e pelo qual teve três passagens. Condenado por estupro na Itália em 2017, Robinho poder voltar a jogar normalmente num clube que faz campanhas publicitárias em favor dos direitos das mulheres é uma “falta de vergonha”, avaliou o jornal. Guardian lembra da também controversa estadia do brasileiro em Manchester, onde atuou pelo City em 2010, e em Milão, quando jogando pelo Milan em 2013 teria estuprado uma garota de origem albanesa. Trazendo as transcrições das conversas interceptadas pela justiça italiana de Robinho com amigos, a mídia inglesa trouxe palavras como “nojento” para se referir ao comportamento do atleta.
Associando-se ao “perseguido pela mídia” Jair Bolsonaro, Robinho quis “reparar o dano a sua imagem”, o que não teve bons resultados: o contrato foi suspenso antes mesmo de ele pisar na Vila Belmiro. Se isto pode ser tomado como uma vitória do ativismo feminista que “reacendeu a discussão” sobre estupro no Brasil, frisa o The Guardian, ressalva-se que a decisão foi muito mais influenciada “pelo apelo comercial dos patrocinadores” do que pela obviedade de não se contratar um estuprador condenado.
A escatologia brasileira persistiu em aparecer na imprensa britânica. O Senador Chico Rodrigues (DEM-RR) foi tratado pelo The Guardian como “aliado de Bolsonaro” após o vexame do parlamentar. Investigado por supostos desvios de verba pública destinada à saúde em meio à pandemia, a Polícia Federal encontrou dinheiro “entre as nádegas” do ex-governador de Roraima numa operação de busca e apreensão na casa do político bolsonarista. A reportagem londrina é bem-humorada e faz vários trocadilhos com a possível origem do dinheiro “sujo” e perpassa por casos de corrupção do governo, apesar das “bravatas” do presidente que insiste que seu governo é ilibado.
A mídia francesa repercutiu o caso do comissário de bordo da empresa aérea Air France que foi esfaqueado no Rio de Janeiro no bairro de Ipanema. O francês que estava de férias no Brasil foi internado e passou por diversas cirurgias, informou o Consulado Geral da França no Rio juntamente da Secretaria de Saúde da prefeitura em 25 de outubro. A hipótese com a qual trabalha a polícia é de que o criminoso e a vítima se conheceram através de um aplicativo de namoro, mas a motivação da agressão ainda é desconhecida, finalizou o Le Figaro. O francês se encontra em quadro estável de saúde.
Ainda no âmbito da violência, o espanhol El País fez uma extensa reportagem sobre o aumento na compra de armas de fogo no Brasil. Mesclado de depoimentos de armamentistas e de dados sobre segurança pública, a matéria grifa que os assassinatos aumentaram durante a pandemia, mesmo com as restrições que a Suprema Corte impôs a operações policiais em favelas. A promessa de campanha de Bolsonaro de facilitar o acesso às armas de fogo tem se mostrado cada vez mais realizada, mas o “problema crônico” da “delinquência” não se resolveu pela “clara expansão” da indústria bélica brasileira, afirma a matéria.
Na Península Ibérica, Bolsonaro voltou a ser tema na imprensa. O Diário de Notícias, de Portugal, noticiou a prolongada polarização na discussão política brasileira, desta vez levada ao extremo no caso da vacinação contra a covid-19. Desenhando o cenário eleitoral em 2022, o Diário sublinhou a disputa entre o governador de SP, João Dória, com a face mais negacionista do governo federal. Devido ao convênio paulista com a Sinovac, o jornal alerta a apreensão por parte de Bolsonaro de uma provável capitalização política de Dória com o sucesso da imunização em seu estado. A reportagem perpassa pelos desencontros entre o Ministério da Saúde do “desautorizado” ministro Pazuello e o Palácio do Planalto, que deve ser enquadrado pela maioria do STF pelo fim da politização de uma vazia polêmica acerca da obrigatoriedade da possível vacina.
O nova-iorquino The Wall Street Journal foi na mesma linha do Diário de Notícias. O jornal expressa a preocupação de setores das áreas de saúde nas “duras dificuldades” que o país terá para imunizar seus cidadãos mais vulneráveis, ainda mais diante de uma “amarga batalha política” entre o presidente e o “poderoso” governador de São Paulo, avaliou o WSJ.
Na capital estadunidense, o The Washington Post falou sobre a crescente onda de ceticismo no Brasil acerca da pandemia e classificou a crise sanitária como uma “guerra de dois fronts”, se referindo ao vírus e a desinformação. Entrevistando especialistas brasileiros, o jornal alerta para as “dúvidas e falsidades médicas” que vem se proliferando no país. Os testes clínicos da vacina chinesa sendo feitos no Brasil podem ser, no entanto, “uma abertura para se alinhar com as evidências científicas”. O esforço dos voluntários da vacina e das forças médicas tem o desafio de conter os 33% dos brasileiros que afirmam ter pouca ou nenhuma confiança nos cientistas. Bolsonaro, para o Post, “enfraqueceu” o apoio a vacina.
A já familiar associação política dos presidentes brasileiro e estadunidense foi mais uma vez tema do principal jornal norte-americano. O The New York Times explicou “como Trump e Bolsonaro quebraram as defesas da América Latina contra a covid-19”, continente que agora responde globalmente por um terço nos números mórbidos da pandemia. Numa série de comparações de atitudes tresloucadas dos mandatários, a matéria lembra que os dois recusaram ajuda de médicos cubanos, desacreditaram dos principais órgãos de saúde, “empurraram” a hidroxicloroquina como salvação milagrosa e privilegiaram uma suposta preocupação econômica sobre o sanitarismo. Não é a primeira vez que a mídia americana trata Bolsonaro como um aspirante a “Trump dos trópicos” na série de reportagens “atrás da curva”, em que o jornal examina os “passos em falso, mal-entendidos e sinais de alertas perdidos” que levaram o contágio do coronavírus aos estágios catastróficos nos quais se encontra o Brasil. A leitura é bastante densa na medida em que traça a cronologia dos acontecimentos políticos do país em meio à crise de saúde e a ilustra com fotografias apocalípticas, embora muito bonitas do ponto de vista do fotojornalismo.
As eleições municipais brasileiras foram tema de análise do jornal argentino Clarín, que observa candidatos de direita moderada como favoritos nas principais cidades. Políticos ligados ao presidente Bolsonaro tendem a se enfraquecer, aponta o portenho, em São Paulo com Celso Russomano e no Rio de Janeiro com o atual prefeito Marcelo Crivella. Nota-se que se trata de dois estados onde atuam politicamente o presidente e seus filhos deputado, senador e vereador. Da mesma forma, frisa Clarín, candidatos petistas vinculados ao ex-presidente Lula tampouco decolaram nas campanhas: “rumo a outro desastre eleitoral” como em 2016. A tendência é a eleição de prefeitos desconectados tanto do bolsonarismo quanto do petismo, mas mantendo a guinada direitista das últimas eleições. Exemplos são Alexandre Kalil em Belo Horizonte e Bruno Reis em Salvador, ambos direitistas ponderados brigados com a família presidencial. A exceção está justamente na capital brasileira mais próxima a Buenos Aires, onde a comunista Manuela D’Ávila desponta como favorita.
“Se com Trump o Brasil já se vê marginalizado, sem ele a situação deve se complicar bastante”. Foi assim que o La Nacion especulou a situação brasileira na política internacional com uma possível eleição do democrata Joe Biden nos Estados Unidos. A mudança na Casa Branca pode afetar a cooperação militar entre os dois países, além de impactar Brasília – bem mais do que Washington – econômica e politicamente. Sem Trump, a Bolsonaro restaria apenas a afinidade com Israel, Hungria e Polônia, distante da União Europeia e dos EUA por questões ambientais e da China por brigas ideológicas. Nacion menciona que uma eventual vitória de Biden não seria um descalabro nas relações bilaterais com o Brasil, mas sim uma importante perda na plataforma política do bolsonarismo. A matéria perpassa pela subserviência do presidente brasileiro aos interesses norte-americanos no continente sul-americano e menciona um certo “pé-frio” de Bolsonaro nas eleições da Argentina – quando apoiou abertamente o derrotado Mauricio Macri –, da Bolívia e na Venezuela.
Há tempos a brasileira Igreja Universal do Reino de Deus vem enfrentando problemas na Angola. Depois dos africanos expulsarem bispos, pastores e missionários brasileiros dos cultos, a Procuradoria Geral da República Angolana fechou três templos na província de Cuando Cubango em obediência a um processo-crime contra a instituição religiosa. Enfrentando acusações de racismo, associação criminosa, fraude fiscal e expatriação ilícita de capital, as igrejas foram lacradas e quem frequentá-las a partir do encerramento pode ser preso por desobediência. Pastores angolanos comemoraram a decisão que pune as “práticas incorretas da liderança brasileira da igreja”.
A Deutsche Welle fez uma compilação das aparições brasileiras nos mais diversos canais de mídia alemã no mês. A “guerra cultural” do presidente Bolsonaro foi explicada no Deutschlandfunk, que falou da “incapacidade” da atriz Regina Duarte na Secretaria de Cultura e na Cinemateca Nacional. Na economia, a Focus tratou do real brasileiro como a “moeda mais fraca do mundo”. Dos países industrializados ou mesmo emergentes, nenhum teve tamanha perda de valor cambial quanto o Brasil de Paulo Guedes. O Die Tageszeitung foi, talvez, o mais enérgico deles quando diz que a culpa das grandes devastações na Floresta Amazônica é também do presidente brasileiro, que “sistematicamente enfraquece as organizações de proteção ambiental, afrouxa diretrizes e difama sem cerimônia povos indígenas”. Mais leve, o Berliner Zeitung comemorou os 80 anos de Pelé, o “jogador símbolo do Brasil”. O jornal berlinense destaca a homenagem do zagueiro alemão Franz Beckenbauer que chamou o aniversariante camisa 10 de “maior jogador de futebol de todos os tempos”.
Nem mesmo o aniversário do maior atleta do século XX fez com que o Brasil passasse ileso nos cadernos esportivos e policiais mundo a fora, tamanha a repercussão negativa do caso Robinho. E apesar de um aparente arrefecimento nas tristes estatísticas de infecção e de mortes pela covid-19, outubro de 2020 se despede como o mês da marca em que 160 mil brasileiros morreram por uma mesma causa.
Referências:
BRÉSIL: um touriste français poignardé à Rio. Le Figaro, 25 out. 2020. Disponível em << https://www.lefigaro.fr/flash-actu/bresil-un-touriste-francais-poignarde-a-rio-20201025>>
DAVIS, Eduardo. Se vota em tres semanas. Clarín, 26 out. 2020. Disponível em << https://www.clarin.com/mundo/elecciones-municipales-hacen-cuesta-arriba-jair-bolsonaro-rio-janeiro-san-pablo_0_47agfjThm.html>>
FIGUEIREDO, Janaína. Si Biden llega al poder, Bolsonaro mantendría el rumbo aislacionista. La Nacion, Rio de Janeiro, 25 out. 2020. Disponível em <https://www.lanacion.com.ar/el-mundo/si-biden-llega-al-poder-bolsonaro-mantendria-nid2489453>
GORTÁZAR, Naiara G. Bolsonaro impulsa uma fiebre de compra de armas de fuego en Brasil. El País. 27 out. 2020. Disponível em << https://elpais.com/internacional/2020-10-26/bolsonaro-impulsa-una-fiebre-de-compra-de-armas-de-fuego-en-brasil.html>>
MCCOY, Terrence. Brazilians volunteer for vaccine trials growing skepticism. The Washington Post. 11 out. 2020. Disponível em << https://www.washingtonpost.com/world/the_americas/brazil-vaccine-trial-volunteers/2020/10/11/e5d1384a-0713-11eb-859b-f9c27abe638d_story.html>>
O Brasil na imprensa alemã. DW. 28 out. 2020. Disponível em <https://www.dw.com/pt-br/o-brasil-na-imprensa-alemã-28-10/a-55422376>
PGR encerra templos da Igreja Universal. Jornal de Angola, 24 out. 2020. Disponível em << https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/detalhes.php?id=461784>>
PEARSON, Samantha & MAGALHÃES, Luciana. Covid-19 vaccina race sparks political flight in Brazil. The Wall Street Journal, 22 out. 2020. Disponível em << https://www.wsj.com/articles/covid-19-vaccine-race-sparks-political-fight-in-brazil-11603364415>>
PHILLIPS, Tom. “Lack of shame”: Robinho scandal highlights Brazil’s rape crisis. The Guardian. 22 out. 2020. Disponível em <https://www.theguardian.com/world/2020/oct/22/brazil-rape-robinho-santos>
________. Police find cash hidden between Bolsonaro ally’s buttocks. The Guardian. 15 out. 2020. Disponível em << https://www.theguardian.com/world/2020/oct/15/brazil-police-cash-jair-bolsonaro-ally-buttocks-chico-rodrigues>>
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