Por Amanda Caroline Gonçalves Anzolin e Gabriela Madi Medeiros Barcellos*
A Escócia é um país insular localizado na Europa, com aproximadamente
5,3 milhões de habitantes, destes sendo 4,4 milhões de nativos escoceses.
Segundo o último censo, 62% da população se identifica como escocês, em
contrapartida a apenas 8% como britânico, e esse dado demográfico é importante
de ser destacado para análise que se segue nesse texto.
Segundo a tradição escocesa, a fundação do Reino aconteceu no ano de 843, após o líder da tribo celta barrar a invasão do Império Romano no norte da ilha, na altura onde hoje se encontra a Muralha de Adriano, importante símbolo da resistência dos escoceses. As disputas com a Inglaterra remontam ao século XIII, quando Eduardo I tentou coroar na Escócia alguém que defendesse seus interesses. A resistência então foi liderada por William Wallace, famoso guerreiro retratado no filme Coração Valente.
No início do século XIV, uma nova tentativa de golpe na Escócia com
apoio de outro monarca inglês, Eduardo III, resultando em uma nova guerra de
independência que terminou com a Casa Stuart chegando ao poder nos anos 1370.
O cenário então se manteria
relativamente estável até a morte de Maria I da Inglaterra em 1553, que não
deixou herdeiros, e abriu as portas para a disputa do trono inglês entre
católicos – que apoiavam que a rainha escocesa Maria Stuart, prima de Maria I,
assumisse o trono – e protestantes – que apoiavam Elizabeth, meia irmã de Maria
I, filha de Henrique VIII com sua segunda esposa, Ana Bolena, assumisse.
Elizabeth então foi coroada e os conflitos que se seguiram culminaram na morte
de Maria Stuart por traição.
Como Elizabeth também morreu sem deixar herdeiros, o trono inglês
passou então para o único possível na linha de sucessão, Jaime Stuart, filho de
Maria Stuart, que foi então coroado, em 1603, Jaime VI da Escócia e Jaime I da
Inglaterra, mas ambos os reinos permaneceram separados até 1707, quando por
questões fronteiriças e comerciais, foi estabelecido o Tratado da União, que
abolia ambas as coroas e criava então o Reino da Grã-Bretanha.
A unificação não foi bem aceita. Desde antes do tratado ser
estabelecido, se iniciaram levantes contra o poderio inglês na época. A
Revolução Gloriosa de 1688 tirou do poder o católico Jaime II (Stuart), em
benefício de Guilherme de Orange, protestante. Começaram então os Levantes
Jacobitas, que buscavam restaurar Jaime II, e se findaram apenas em 1746 após a
Batalha de Culloden, onde os jacobitas foram massacrados pelos ingleses e a
tentativa de levar ao trono o filho de Jaime, Carlos Stuart, também falhou.
Desde então, a Escócia e a Inglaterra permanecem unidas como Reino da
Grã-Bretanha, e apenas em 1998 o parlamento escocês foi reaberto.
Apesar de constitucionalmente o
Reino Unido ser um Estado unitário desde 1998 com o Scotland Act, o país passou a ter um governo próprio, apesar de
limitado. O Parlamento Escocês funciona por conta própria até certo ponto, mas
está sujeito à soberania de Westminster, cabendo ao parlamento o poder
legislativo. O parlamento é composto por 129 membros, e o Primeiro-Ministro é
nomeado pela Rainha – dentre os 129 membros eleitos. Alguns outros membros são
nomeados pela Rainha como forma de representar os interesses soberanos do
Reino. O quadro político do parlamento é composto por 6 partidos, sendo um de
direita, um de centro-direita, um de centro, dois de centro-esquerda e um de
esquerda, os quais analisaremos detalhadamente a seguir.
Na direita, temos o UK
Independence Party Scotland, liderado por David Coburn, um partido
populista, voltado ao liberalismo econômico, eurocético, antimigração e contra
a independência da Escócia do Reino Unido; na centro-direita temos o Scottish Conservative Party, liderado
por Ruth Davidson, também eurocético, contra a independência escocesa e voltado
ao liberalismo econômico, entretanto, diferente do UKIP, se trata de um
liberalismo conservador, de grande influência Thatcherista. No centro, temos o Scottish Social Democrats, liderado por
Willie Rennie, focado na social democracia e social liberalismo, e defende
tanto a permanência da Escócia com o Reino Unido, quanto do Reino Unido na
União Europeia.
Na centro-esquerda temos dois partidos: um trabalhista e um
nacionalista. O Scottish Labour Party,
é liderado por Kezia Dugdale, e se define como uma terceira via, e como os
sociais democratas, focados na social democracia e liberalismo social. Também é
unionista em ambos os sentidos. Já o nacionalista, Pàrtaidh Nàiseanta na h-Alba, liderado por Nicola Sturgeon, tem um
viés nacionalista escocês, pelo separatismo do Reino Unido, permanecendo na
União Europeia, também focado na social democracia; e por último, o partido de
esquerda, Scottish Green Party,
liderado por Patrick Harvie, também independentista escocês e apoiador da União
Europeia, mas de viés ecossocialista e populista de esquerda.
Das 129 cadeiras do Parlamento Escocês, 31 são ocupadas pelo partido de
centro-direita, 5 de centro, 78 pela esquerda, sendo 63 delas pelo partido
nacionalista, e, por fim, 6 da esquerda ecossocialista. Essa composição
demonstra claramente o espírito separatista dos escoceses. A permanência na
União Europeia também é uma clara preferência dos escoceses, mostrando que a
principal questão é ter uma total autonomia de governo, e fortalecimento da
identidade nacional escocesa, sem renunciar à cooperação com os países
europeus.
Os escoceses também podem participar das eleições no Reino Unido, mas
como forma de protesto, tradicionalmente se abstém dessa participação, o que
por um lado, pode prejudicar a representatividade escocesa dentro do parlamento
britânico. O mesmo acontece com os irlandeses.
Em setembro de 2014 mais uma tentativa de separação foi feita. Um
plebiscito foi convocado para responder se a Escócia deveria ser um país
independente, e o resultado deveria ser considerado pela maioria simples. O
voto não é obrigatório no Reino Unido, mas ainda assim, o plebiscito levou 4,3
milhões de pessoas à votação, demonstrando imensa participação popular. O
pleito contou com a participação de 97% dos escoceses aptos à votação.
Durante a campanha a favor e contra a independência escocesa, alguns
aspectos importantes foram levantados: uma vez independentes, a Escócia
precisaria de uma moeda nova – ou continuar utilizando a libra esterlina contra
a vontade dos ingleses e sem o benefício do mercado único; o fluxo comercial
entre os países do Reino Unido seriam agora exportações o que encareceria as
transações, enfim, de modo geral os custos econômicos por traz da separação
seriam maiores do que a Escócia poderia arcar. Além disso, o Reino Unido
expressou que iriam se opor à entrada da Escócia na União Europeia como um país
independente – e aqui vale lembrar que os partidos nacionalistas separatistas
escoceses são todos a favor da União Europeia – e fora da UE, a Escócia estaria
completamente isolada de seus vizinhos.
Também é importante lembrar que uma possível independência escocesa
abriria precedentes para outras separações – como a Catalunha, o País Basco e a
própria Irlanda do Norte – de modo que os outros países da Europa, de modo
geral, acabam optando por não se envolver muito nas questões separatistas,
tentando manter uma postura mediadora e pragmática tanto quanto possível. Em
contrapartida, o então primeiro ministro britânico David Cameron era
conciliador, propondo uma maior representatividade no parlamento para os
escoceses, e aumento da parcela de royalties de petróleo do Mar do Norte (cujas
reservas ficam 85% em território escocês). Tendo em vista todos esses aspectos,
apesar de manter o espírito separatista, os escoceses decidiram que ainda não
era o momento para isso. Até a aprovação do Brexit em 2016.
Analisando os dados da votação do Brexit no mapa acima, temos os
seguintes números: 53,2% dos ingleses, junto com 51,7% dos galeses votaram a
favor da saída do Reino Unido da União Europeia; contra 62% dos escoceses e
55,7% dos irlandeses rejeitando o Brexit.
Com a vitória esmagadora contra o Brexit na Escócia, a chama
separatista se acendeu mais uma vez, principalmente considerando que, como
parte do Reino Unido, a Escócia também pagaria a conta do processo de saída –
custo altíssimo que não escolheram, e dos quais os britânicos parecem começar a
se arrepender – portanto os motivos econômicos levados em consideração no
plebiscito de 2014 não seriam mais válidos. E agora, sem o Reino Unido para
barrar, os escoceses poderiam “retornar aos braços da Europa como um país
independente”, segundo declaração da Primeira Ministra escocesa, Nicola
Sturgeon, feita em fevereiro de 2020.
Nesses termos, o primeiro ministro Boris Johnson, do Reino Unido, tem
feito o possível para barrar a realização de um novo referendo, fazendo
inclusive com que um referendo sem a autorização de Londres seja cogitado.
Sturgeon inclusive pretendia realizar um referendo ainda neste ano, mas
provavelmente a pandemia do novo Coronavírus impediu qualquer avanço político nesse
sentido.
Por ora, os ânimos continuarão calmos até que o ritmo do mundo volte ao
normal, e só então veremos se os escoceses conseguirão enfim a independência
pela qual lutam tanto desde o século XVIII.
*Amanda e Gabriela sâo estudantes do 6º período de Relações Internacionais e produziram o presente texto para a matéria de Política Internacional Contemporânea, da Prof.ª Ângela Moreira.
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