Por Michele Hastreiter*
“FELIZ DIA DA MULHER!” disseram eles, sem refletir.
Mas o Dia da Mulher (ou, talvez possamos dizer, o dia-a-dia
de uma mulher) tem muito pouco de feliz.
O Dia da Mulher não é um dia de
celebração da feminilidade, mas sim um dia de conscientização sobre o longo
caminho de lutas feministas travadas até hoje, e sobre as mazelas que ainda
enfrentamos e contra as quais ainda precisamos lutar. É exatamente com este
objetivo que o dia 08 de março foi conclamado, em 1975, pela Organização das
Nações Unidas como o Dia Internacional da Mulher.
A origem da data está ligada às
lutas operárias contra as péssimas condições de trabalho no período da
Revolução Industrial. Neste contexto, teve destaque um incêndio ocorrido em uma
fábrica em Nova York em 25 de março de 1911, no qual 146 trabalhadores
morreram, sendo 125 mulheres. Em 08 de
março de 1917, um grupo de operárias russas foi às ruas para se manifestar
contra a fome e a I Guerra Mundial – em um movimento de protestos que ajudou a
impulsionar a Revolução Russa.
De fato, as conquistas feministas
do Século XX foram muitas: o direito ao voto (conquistado no Brasil em 1932), o
desenvolvimento da pílula anticoncepcional, a ideia de igualdade perante a lei
(cujo marco mais emblemático é o do Estatuto da Mulher Casada, que – apenas em
1962 - aboliu a ideia de incapacidade civil feminina e retirou do marido o status de chefe absoluto
da sociedade conjugal), a proteção a vida e a integridade física (com a Lei
Maria da Penha, de 2006 e, mais recentemente, a Lei do Feminicídio de 2015),
são alguns dos exemplos mais emblemáticos.
No entanto, prestes a ingressar
na segunda década do Século XXI, há ainda um longo caminho a se percorrer. Em2018, 13 mulheres foram assassinadas por dia. 536 mulheres foram vítimas de agressão física A CADA HORA e 4,6 milhões foram tocadas ou agredidas fisicamente por motivos sexuais. A cada 9 minutos, uma mulher é vítima de estupro no Brasil.
Muitas dessas mulheres mortas e
violentadas são culpabilizadas pela violência que sofreram: porque beberam
demais, porque foram livres, porque não deram ouvidos ao ciúme doentio alheio,
porque esqueceram de se vestir conforme o dress
code recomendado por quem pensa que meninas devem vestir rosa e meninos
azul.
Além disto, no que diz respeito
ao mercado de trabalho, embora tenhamos conseguido uma maior inserção, as mulheres
continuam ganhando menos do que os homens – em uma desvantagem que independe da
profissão. Conforme dados divulgados hoje pelo IBGE, em 2018, trabalhadoras de 25 a 29 anos recebiam 87% do rendimento médio dos homens. Na faixa de 30 a 39 anos, elas ganhavam 81,6%. Entre as mulheres de 40 a 49 anos, o percentual baixava para 75%.
Uma das explicações para a menor
remuneração – especialmente de mulheres acima dos 40 anos – decorre da
percepção, por parte de alguns empregadores, de que as tarefas relacionadas a
família e a maternidade podem comprometer a eficiência, a assiduidade e a
disposição da mulher em seu trabalho. Seja verdadeiro ou não este argumento,
fato é que a desigualdade no mercado de trabalho reflete, também, uma divisão
não equitativa do trabalho doméstico. Uma pesquisa divulgada em 2018 pelo IBGE demonstrou que a taxa de homens que lavam a louça só passa de 90% quando estes moram sozinhos.
Quando há uma mulher em casa, menos de 60% dos homens realizam a mais trivial e
corriqueira das atividades domésticas.
Além disto, mesmo quando os
homens dividem as tarefas com suas companheiras, a divisão da chamada “carga
mental” ainda é desigual. Um célebre quadrinho criado pela cartunista francesaEmma descreveu com perfeição a questão.
As mulheres em geral são vistas
como responsáveis por gerenciar o lar – incumbindo a elas todo o trabalho de
organização mental das tarefas (“Precisamos comprar legumes!”/”Hoje vence o
boleto da escola”/”As calças da Mariazinha estão curtas”/”Está na hora de tomar
a vacina!” – lhe soa familiar?). Embora
invisível, a organização de tarefas, por si só, é um trabalho exaustivo – que
nos obriga a estarmos o tempo todo ligadas e muitas vezes nos impede de relaxar.
Isso, sem falar, no trabalho
emocional: lembrar das datas comemorativas, comprar presentes de aniversários,
planejar os encontros com a família... e outras tantas atribuições que geram um
dispêndio de energia e seguem sendo atribuições majoritariamente femininas,
mesmo em famílias em que as mulheres são responsáveis por uma mesma carga
horária de trabalho externo e por 50% ou mais da renda familiar.
E se o debate é família, porque
não falar sobre maternidade? A maternidade é, de fato, uma das dádivas de se
ser mulher. Gerar um ser em seu ventre, poder amamentá-lo, sem dúvida, é uma
experiência intensa e incrível que os homens são biologicamente impedidos de
vivenciar. Porém, é preciso lembrar que a maternidade só é uma dádiva quando
desejada. Mulheres que não desejam ser mães não deveriam ser obrigadas a sê-lo.
Embora a pílula anticoncepcional tenha sido um enorme avanço na consagração dos
direitos reprodutivos da mulher, ela não é acessível a todas e tampouco é
infalível. Mais do que isto, os efeitos colaterais do uso da pílula são
enormes, sentidos por quase todas as mulheres que as utilizam, e afetam
diretamente a saúde e a qualidade de vida da usuária. O fardo da contracepção
hormonal recai apenas e tão somente sobre a mulher, muito embora não haja
registro algum de uma que tenha conseguido engravidar sozinha.
Além disto, a maternidade, por si
só, também traz consigo desafios inúmeros: a violência obstétrica e
intervenções médicas desnecessárias no parto são a regra e não a exceção em nosso país; a licença
maternidade é curta demais até para se cumprir com o período mínimo recomendado
para o aleitamento materno pela Organização Mundial de Saúde, mas longa o
suficiente para que percamos oportunidades de ascensão profissional; o
aleitamento materno é recomendado, mas não há apoio algum para que as mulheres
consigam amamentar quando as dificuldades aparecem; aquelas que conseguem, são
obrigadas a se cobrir, se esconder, pois o seio que alimenta é também alvo dos
olhares lascivos e de recriminação; a criança é muitas vezes vista como
responsabilidade materna exclusiva e a mãe solteira é condenada ao isolamento
afetivo e social, e por aí vai...
Todas estas questões evidenciam
que há um longo caminho a percorrer e infelizmente, o contexto político recente
não nos é favorável. Precisamos, mais do que nunca, estar atentas ao perigo que
vem na esquina: basta uma fraquejada para que percamos as conquistas recentes e
vejamos a desigualdade se aprofundar.
Assim, embora nossas trajetórias
individuais possam ser, sim, repletas de
dias com muita felicidade - no contexto da luta pela igualdade de gênero ainda
falta muito para que possamos afirmar ser este, ou qualquer outro, um “Feliz”
dia da mulher.
Eu aceito e agradeço os parabéns,
os presentes e os chocolates - quem não gosta, afinal?! - mas prefiro respeito,
igualdade, segurança e empatia.
Por isto, antes de desejar feliz
dia da mulher a uma mulher hoje, reflita sobre o real significado desta data e
sobre o que você pode fazer para melhorar a situação das mulheres ao seu redor.
Às irmãs mulheres que me leram até aqui, vocês são incríveis. Estamos juntas. Resistiremos.
*Michele Hastreiter é Professora de Direito Internacional Público no Curso de Relações Internacionais. Também é mulher, mãe, feminista e Doutoranda em Direito pela UFPR.
As opiniões relatadas no texto pertencem a sua autora e não refletem o posicionamento da instituição.
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