Fonte
da imagem: https://www.mprnews.org/story/2019/01/27/venezuela-juan-guaido
Reconhecimento de Juan Guaidó como
presidente da Venezuela e de seu “governo” no âmbito internacional.
Lucas Andreatta Callegari, Gabriel Torres de Andrade, Vitória Almeida e Thiago Martins**
Antes de qualquer coisa, vale uma contextualização sobre como
a Venezuela chegou a essa situação caótica em que se encontra.
A economia da Venezuela sempre foi
muito dependente da venda de petróleo, tendo uma das maiores reservas do
recurso no mundo. Hoje o país é praticamente dependente do petróleo na área de
exportações, chegando a 96%. Esse número mostra o fraco desenvolvimento nas
áreas agrícola e industrial. Entre 2004 e 2015, quando o preço do barril estava
alto, a Venezuela chegou a receber cerca de 750 bilhões de dólares da venda de
petróleo segundo o site BBC News Brasil. Muitos desses “petrodólares” foram
usados para financiar importações de muitas coisas que eram consumidas no país.
Com a queda significativa do preço do barril em 2014 e, segundo a Organizações
dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), a redução da produção que caiu pela
metade, teve a pior média em 33 anos. Com isso, a Venezuela entra em crise.
De acordo com a BBC News Brasil
(2019), a falta de investimento nas áreas agrícola e industrial foram fatores cruciais
para a Venezuela chegar na atual situação. Com uma dependência insustentável de
importações, que iam desde pequenas peças até alimentos e medicamentos, devido
a forte crise econômica proveniente da baixa do preço do petróleo, o desabastecimento
nos mercados e consequentemente a fome se agravaram.
Aliado a isso, o país sofre
hiperinflação, ocasionada pois, ao tentar supervalorizar a moeda venezuelana,
provocaram-se alterações de valores, e o governo passou a produzir mais
dinheiro, fazendo com que as pessoas necessitassem de pilhas de cédulas para
comprar coisas básicas no mercado, por exemplo. Além disso, o governo obrigava
os vendedores a comercializarem seus produtos por um preço menor do que o que
eles gastavam para produzir, levando à falência de diversas empresas.
Outro grave fator é a crise
política, que tem suas raízes na luta entre chavistas e opositores. Os
chavistas estão no poder há 19 anos, auxiliados por uma alteração na
Constituição idealizada por Chavez (apoiada pelo voto popular) para que os
presidentes se reelegessem sem limites. Isso mantém o caráter populista e uma
participação majoritária do Estado na Venezuela. Sem citar o grande controle de
imprensa feita no governo de Chavez e Maduro (BBC NEWS BRASIL, 2019).
Visto como a Venezuela chegou a esta situação, veremos agora
como se deu a autoproclamação de Juan Guaidó a presidente interino da
Venezuela.
De engenheiro mecânico a
presidente da Assembleia Nacional da Venezuela e líder da oposição, Juan Guaidó
- autoproclamado presidente interino do país - vem ganhando cada vez mais força
no âmbito internacional, sendo reconhecido como tal por mais de 40 países,
incluindo os Estados Unidos, Estados que constituem a União Europeia (com as
exceções de Itália, Grécia e Irlanda, que não aprovaram a declaração
conjunta porém exigem novas eleições presidenciais) e o Brasil, que integra o
"Grupo de Lima", formado por 14 países países latino-americanos (dos
integrantes, destoam-se apenas Uruguai e México, que visam uma saída negociada
para a crise).
A autoproclamação de Juan
Guaidó como presidente interino da Venezuela poderia ser legitimada
juridicamente?
Juan Guaidó, respaldado pelo
atual Secretário-geral da OEA, Luis Almagro, usa de três artigos da
Constituição para legitimar-se presidente interino do país.
O primeiro evocado, o artigo
333, prevê que, diante de quaisquer danos feitos à Carta Magna, ao cidadão é
garantido o direito de lutar pela restituição da ordem constitucional. O
parlamento presidido por Guaidó crê que a Constituição fora violada pelo Maduro
devido as eleições fraudulentas e o processo de posse ilegítimo.
O artigo 350, por sua vez,
permite que o povo venezuelano desconheça qualquer regime que contrarie os
valores democráticos ou transgrida os direitos humanos.
Já o artigo 233 dá aval para
que o líder do Legislativo assuma a presidência em caso de "falta
absoluta" do governante em exercício por decorrência de incapacidade
física e/ou mental (GAZETA DO POVO, 2019).
E quanto ao reconhecimento de
governo do ponto de vista do Direito Internacional Público?
Uma forma de ser reconhecer um
governo é por meio do Conselho de Segurança da ONU, em que os cinco membros
permanentes (Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e China) votam para
decidir se determinado governo é ou não legítimo. No caso de uma vindoura
votação, China e Rússia, defensoras do governo de Maduro, claramente se
posicionariam contra o reconhecimento de Guaidó.
Segundo a "Doutrina
Tobar", uma das diretrizes cujo fim serve para auxiliar um país no que diz
respeito ao reconhecimento de um governo, um Estado deveria se ater a se o
governante detém de apoio popular ou não. Caso o tenha e isso se comprovasse, o
Estado teria o fundamento social para reconhecer o governo. Com base na
segunda, a "Doutrina Estrada", um Estado poderia vir a
reconhecer um governo independendo se esse é ou não legítimo e se o povo o
aceita ou não. Nessa doutrina o determinante para se reconhecer um governo
seria manter os diplomatas no respectivo país (ÂMBITO JURÍDICO, 2019).
O Paraguai, a serviço de
comparação, rompeu relações com a Venezuela assim que Maduro tomou a posse de
seu segundo mandato - tendo determinado o fechamento da representação
diplomática paraguaia no país e a retirada quase que imediata de todos os
diplomatas. Maduro, aliás, chegou a fechar a embaixada venezuelana
em Washington e de todos os consulados nos EUA, além de ter mandado expulsar
diplomatas do país, apesar do Mike Pompeo, secretário de Estado americano, ter
anunciado que não os retiraria da Venezuela pelo fato de não haver um
reconhecimento por parte do país do governo Maduro, alegando que manteriam
relações diplomáticas por meio do presidente interino Juan Guaidó (O GLOBO,
2019).
Mesmo diante de represálias
como as apresentadas acima, a cúpula das Forças Armadas está ao lado de Maduro,
ficando evidente que Guaidó ainda não possui controle efetivo sobre a sociedade
venezuelana e seu território, levando à conclusão que, no que tange ao Direito
Internacional, pelo menos em princípio, o ato de reconhecer o seu governo não é
legal, segundo o professor e doutor em Direito pela UFPE, Ronaldo Bastos.
Por fim, apesar do maciço
apoio internacional, Guaidó precisa, ainda, caso queira se firmar nacionalmente
e ser reconhecido como novo líder do país, buscar conquistar o apoio de
instituições domésticas por meio de um diálogo com a alta cúpula do governo.
Porém são ínfimas as chances dele de conseguir extrair algo que o favoreça, já
que boa parte dos órgãos estão sob controle Maduro, sobrando a Guaidó, como uma
das poucas alternativas de se obter êxito, uma interferência externa (R7
NOTÍCIAS, 2019).
REFERÊNCIAS
BRASIL, BBC NEWS. Crise na Venezuela: O que levou o país
vizinho ao colapso econômico e à maior crise de sua história. 2019.
Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45909515>. Acesso em: 9 março 2019.
GAZETA DO POVO. Quem é o presidente? Entenda a situação da
Venezuela. 2019. Disponível em: <
https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/quem-e-o-presidente-entenda-a-situacao-da-venezuela-638url5qwu46i28bgp2bs1x0o
/?fbclid=IwAR3_r3YQX9fCUEzndc4x-5mdio9cY1nsCs7ue8yAc04fHI6CrM3HUqEXr4c>.] Acesso em: 9 março 2019.
ÂMBITO JURÍDICO. Elementos da existência de um Estado. 2019.
Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1681&fbclid=IwAR1jZ8v3uLah12MlJty8HjlKFaUZzRYK5z0nY-DncM4YmrpRQntVL8opmqE>.
Acesso em: 9 março 2019.
MUNDO, O GLOBO. Expulsos por Maduro, diplomatas dos EUA
permanecerão na Venezuela, diz Pompeo. Disponível em: <
https://oglobo.globo.com/mundo/expulsos-por-maduro-diplomatas-dos-eua-permanecerao-na-venezuela-diz-pompeo-23397150>.
Acesso em: 9 março 2019.
CONSULTOR JURÍDICO.
A crise na Venezuela e a questão do
reconhecimento de um novo “governo”. Disponível em: <
https://www.conjur.com.br/2019-fev-16/ronaldo-bastos-reconhecimento-governo-venezuela?fbclid=IwAR2L8GQqgfhRSgKRIk62bjxhRG4Xl_PcSYGGYEtZkRO_EwcBCyT-8hcP7T0>.
Acesso em: 9 março 2019.
R7 NOTÍCIAS. Especialista: Legitimidade de Guaidó como
presidente é ‘questionável’. Disponível em: <
https://noticias.r7.com/internacional/especialista-legitimidade-de-guaido-como-presidente-e-questionavel-09022019>.
Acesso em: 9 março 2019.
**A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da professora orientadora ou da instituição.
**A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da professora orientadora ou da instituição.
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