segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O processo de integração na América do Sul: algumas considerações sobre a UNASUL


Carlos Ricardo Becker

O processo de integração sul americana ganhou novo fôlego com a recente criação da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas), mas até que ponto esta nova organização será capaz de nos levar? E o que será do MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) e da CAN (Comunidade Andina de Nações), que observam o surgimento de uma nova Organização Internacional na região com os mesmos objetivos que os seus?

A União de Nações Sul-Americanas, anteriormente designada por Comunidade Sul-Americana de Nações (CSN), é uma união supranacional que integra as duas uniões aduaneiras existentes na região: o MERCOSUL e a CAN. A Unasul é inspirada na União Europeia e é formada pelos 12 países da América do Sul.

O Tratado Constitutivo, que entrou em vigor em 2010, estabeleceu oficialmente a integração econômica da América do Sul, na forma do bloco econômico União de Nações Sul-Americanas, ou seja, os membros do MERCOSUL mais os países membros da CAN uniram-se ao Chile, ao Suriname e à Guiana numa zona de livre comércio.

O MERCOSUL e a CAN são essencialmente zonas de livre comércio, que buscam aumentar o comércio regional por meio da união aduaneira, tarifas comuns, etc. No entanto, apesar de a UNASUL também se propor a ter esse papel, ela não se limita somente a isso. A UNASUL possui um objetivo muito mais amplo de integração que não se restringe somente à arena comercial. Entre seus vários objetivos, ela pretende promover a integração econômica, energética, de infra-estrutura, dos povos e até mesmo a união monetária, com a criação de uma moeda única.

Logo, é possível imaginar que em um futuro próximo o MERCOSUL e a CAN deixem de existir ou sejam de alguma forma “absorvidas” pelo ambicioso projeto da UNASUL.
Como pode-se ver, o objetivo final da organização é chegar ao estágio alcançado pela União Europeia, mas é certo que esse é um objetivo para médio e longo prazo. Isso porque devemos levar em conta não só as enormes disparidades sociais e econômicas da região, mas também as diferentes agendas dos países e os constantes atritos que surgem na região. Por exemplo, em 2008, uma incursão aérea colombiana em território equatoriano resultou na morte do nº 2 das FARC, Raul Reyes. O episódio causou grande tensão entre Equador, Colômbia e Venezuela, além de atrasar as conversas sobre o Conselho de Defesa Sul Americano, que estava sendo debatido e criado na época.

Outra crítica feita à UNASUL é que no âmbito político ela não passa de um fórum de debate, sem autoridade para implementar suas resoluções.  Apesar disso, o cargo de Secretário-Geral da Organização (com mandato de 2 anos) fornece à Unasul uma liderança política definida no cenário internacional. O novo cargo foi concebido como um primeiro passo para a criação de um órgão burocrático permanente para uma união supranacional.

Embora alguns projetos como a união monetária sejam ambiciosos demais para o momento, o que podemos esperar para um futuro próximo são outras realizações de mesma importância, como os já mencionados projetos de integração energética e de infra-estrutura, assim como a livre circulação de pessoas, o fortalecimento de uma identidade sul americana e o próprio fortalecimento da região no cenário internacional, tanto na arena política como na econômica.

A Unasul é um projeto ambicioso, porém, com grande potencial de vir ser uma das melhores iniciativas já criadas na região. E mais importante, uma idéia pensada, desenvolvida e levada a cabo pelos próprios países sul americanos, sem nenhuma interferência de terceiros.


Carlos Ricardo Becker é acadêmico do 4º período do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Internacional de Curitiba - Facinter.


Referências:
ANTUNES, Antônio J.C. Infra-estrutura na América do Sul: situação atual, necessidades e complementaridades possíveis com o Brasil. CEPAL, 2007.
CEPAL: Unasur- un espacio de desarrollo y cooperación por construir. 2011.
GOMES, Eduardo Biacchi. Comércio Internacional e Comunidade Sul-Americana de Nações.SAFE, 2007.
SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre, 2006. 

3 comentários:

  1. Carlos, comentarei alguns pontos do seu artigo que, ao meu ver, deveriam ser repensados, pois acredito que existem diferenças entre as opiniões acadêmicas e as posições que o Itamaraty tem demandado sobre este assunto:
    1) a Unasul, logo em sua criação em 2007, representa um avanço na inserção internacional ao romper com um paradigma histórico que todos os países da região sempre mantiveram com o Norte, e também, não menos importante, pela sua proposta ousada de integração, que foi aceita por todos os países sul-americanos. No entanto, não é e nem pretende ser um bloco comercial; ela pretende ampliar as possibilidades nas áreas de infraestrutura, investimentos, energia - no que se diz respeito ao comércio - e aprofundar a cooperação e concertação política, até mesmo porque entende-se que a natureza de vários problemas enfrentados pela região demanda de ação conjunta.

    2) realmente existia o receio de que o Brasil estivesse relegando
    o Mercosul a um segundo plano, no entanto não é esta a visão brasileira. A integração regional, a partir do século XX, tornou-se prioridade brasileira e o Mercosul o seu projeto maior. Desde o início do processo de formulação da Unasul (antecedido pela criação da IIRSA e CASA), o Brasil tem se posicionado a favor, pois entende que este projeto em conjunto com a Comunidade Andina, não anula e nem compromete os objetivos do Mercosul, pelo contrário, impulsiona o processo de integração e democratização da região sul-americana. Contudo, vale dizer que a UNASUL tampouco é uma ampliação do Mercosul, visto que ambos têm objetivos diferentes.

    3) A criação da UNASUL representa a maturidade da região na construção de um mundo multipolar.

    4) O que se vê no âmbito da Unasul e do Mercosul é o amadurecimento de capacidade regional de exercer influência coletiva na busca de solução democrática para situações de conflito interno e estabilidade institucional; ver caso Bolívia em 2008 e a ação dos "Amigos da Bolívia"; ver também a questão da base de Palanquero, na região amazônica da Colômbia - a Unasul exigiu um parecer colombiano sobre o caso e a apresentação do tratado com os EUA, pois entendia que qualquer negociação feita entre os dois países sem consulta à Unasul, colocaria em risco a soberania e a integridade territorial dos demais.

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  2. Sara, obrigado pela crítica.
    Antes de mais nada, julgo importante ressaltar que eu não defendo a posição do Itamaraty ou de determinado autor ou de algum acadêmico sobre o assunto. Neste breve artigo eu quis expor as minhas próprias opiniões sobre o processo de integração na nossa região e sobre a Unasul.

    Sobre suas considerações:
    1)A Unasul é uma união supra-nacional que pretende sim se integrar no âmbito econômico, político, energético e de infra-estrutura, assim como a União Europeia. Esses objetivos estão listados já no Artigo 2 de seu Tratado Constitutivo:
    "A Unasul tem como objetivo construir, de maneira participativa e consensuada, um espaço de integração e união no âmbito cultural, social, econômico e político entre seus povos..."
    E também no ponto "f" do Artigo 3 (objetivos específicos): " a integração financeira mediante a adoção de mecanismos compatíveis com as políticas econômicas e fiscais dos Estados Membros".
    Logo, é de se esperar que as reduções e adoções de tarifas únicas já praticadas pelo Mercosul e pela CAN sejam estendidas a todos os países da América do Sul.

    2)Realmente, a posição oficial do Governo brasileiro é de não considerar o desaparecimento do Mercosul. No entanto eu discordo disso e partilho da visão de outros autores e analistas que vêem uma duplicidade nos objetivos das 3 organizações e que também acreditam que eventualmente o Mercosul e a CAN fiquem obsoletas perante a Unasul e acabem sendo extintas ou sejam absorvidas pela Unasul. Talvez não em um futuro próximo (5 ou 10 anos), mas quando a Unasul estiver mais fortalecida e consolidada acredito que isso irá acontecer. Talvez isso não aconteça, teremos que esperar para ver.
    Como eu disse no artigo, os objetivos do Mercosul de redução de tarifas e outras medidas para aumentar o comércio já estão presentes nos objetivos do tratado constitutivo da Unasul. É sabido que o Mercosul tem algumas outras iniciativas de integração como a não exigência de passaporte e a livre circulação de pessoas, mas a Unasul vai além disso, prevendo a integração em vários outros segmentos, muito além do âmbito comercial, como é o Mercosul.

    3)Concordo totalmente com você, não disse nada ao contrário disso.

    4)Mais uma vez, concordo. A Unasul e o Mercosul foram grandes avanços e mostram a maturidade e a vontade dos países da região em se desenvolverem, reduzirem suas assimetrias e procurar soluções pacíficas para as controvérsias, com vários casos bem sucedidos. No entanto, atritos ocasionais como os ocorridos entre Colômbia, Equador e Venezuela criam um mal-estar na região, inevitavelmente criando entraves em conversas, negociações e na integração como um todo.

    Não entendi o por quê dos últimos dois pontos sendo eu concordo com ambos e não disse nada ao contrário, mas aí está a réplica.

    Saudações
    Ricardo Becker

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  3. É um tratado interessantíssimo para a união dos países do cone sul a médio e longo prazo, mas com ressalvas, pois no meu entender temos problemas políticos graves na região destes países sul americanos, e também uma discrepância enorme tanto no quesito social cultural, como no econômico, mas que ao longo do tempo isto pode haver uma redução gradativamente.
    Podemos citar problemas como o ressurgimento de novas ditaduras como no caso da Venezuela, Bolívia, equador. No entanto ainda de fato não podemos taxar como ditaduras nestes países sulinos, mas pelas ideologias, estratégias e pensamentos dos seus chefes de estado, a meu ver é um caminho se abrindo para estes regimes autoritários, que poderão prejudicar futuramente as relações diplomáticas e o comércio do bloco entre os estados. De uma forma ou de outra isto se torna uma preocupação para ambos os sujeitos, não quer dizer que não haja uma solução. Outro ponto qual estado terá maior voz ativa diante do bloco? Geralmente todos os blocos econômicos têm um ou outro estado que toma a frente em caso de uma resolução ou decisão, uma espécie de apito final. Temos na União Européia a Alemanha e a França como estados que encabeçam o bloco em casos mais extremos de crises e divergências econômicas e políticas.
    Ao final temos a consciência de que este processo será muito longo para que tenhamos um resultado ou que surta um efeito que seja bom para ambos os estados membros. Não deixa de ser um projeto ambicioso pensado nos desejos e sonhos de Simón Bolívar, uma América mais unificada e mais forte perante os outros continentes.

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