sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A Invasão Americana ao Afeganistão em 2001 e as três Responsabilidades da Escola Inglesa


Por Gabriela Sueitt Abud


A história do Afeganistão é marcada pela miscigenação e pela influência de diversos povos e civilizações asiáticas. Por conta de sua posição geográfica, o país foi invadido diversas vezes ao longo de sua história, e suas fronteiras e governo têm sido constante alvo de disputas. 

A primeira invasão documentada do Afeganistão foi realizada por Alexandre, o Grande, em 330 a.C. para conquista de territórios. Além disso, o país foi ainda ocupado ao oeste pelos árabes, que culminou na conversão mulçumana de grande parte da população. Mais tarde, foi invadido duas vezes pelos Mongóis em seu desejo de expansão para a Índia.

Durante o século XIX, o Afeganistão foi ainda invadido mais duas vezes, só que dessa vez pela Índia dos ingleses (invasões britânicas), que causaram duas Guerras Anglo-Afegãs. Ambas tinham intenção de limitar a influência russa no país e enfraquecer as principais tribos locais, que acabaram levando a uma constância de conflitos tribais de fronteiras. Ocorreu, é importante ressaltar, uma terceira Guerra Anglo-Afegã, que, após o armistício, resultou no reconhecimento oficial por meio da Grã-Bretanha da independência do Afeganistão.

A independência, porém, não significou o fim de tomada de poder no país. Em 1979 os soviéticos invadiram o território afegão, ocasionando o famoso financiamento/treinamento/equipação de grupos radicais armados islâmicos pelos Estados Unidos da América, que visavam conter a URSS durante a Guerra Fria. Os Mujahideens – combatentes, como eram conhecidos, eventualmente conseguiram forçar a retirada dos soviéticos. Com a derrubada do regime comunista, teve início a Guerra civil afegã, que conduziu a ascensão do violento regime fundamentalista do Talibã.

Seguindo a retirada soviética do Afeganistão, houve uma invasão iraquiana no Kuwait que pôs em risco o comando dos sauditas. Face à grande presença militar iraquiana, Osama bin Laden, um dos fundadores do movimento à favor de um Estado Islâmico durante a ocupação soviética, ofereceu seus serviços para proteger a Arábia Saudita. O rei saudita recusou a oferta de bin Laden e optou por deixar os Estados Unidos e aliados agirem. Bin Laden considerou a decisão um ultraje. Logo depois, o movimento que viria a ser conhecido como Al-Qaeda foi formado, e o início da inimizade com os americanos já estava concretizado.

É neste contexto que, no dia 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos sofreram um atentado que culminaram na invasão ao Afeganistão como parte da Guerra ao Terror instaurada pelo presidente americano na época, George Bush. As Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque, foram atingidas por dois aviões e ficaram totalmente destruídas, além da terceira nave que colidiu com o Pentágono e uma quarta que falhou em atingir seu alvo, a Casa Branca. Esta foi a maior ação dos inimigos contra os norte-americanos em seu próprio território.

Em resposta, o Congresso norte-americano implantou várias leis com o fim de impor mais rigor e segurança à entrada de estrangeiros no país e aprovou ainda a decisão de invadir o Afeganistão, como uma represália ao atentado. Assim, no dia 07 de outubro de 2001, tropas norte-americanas entraram em território afegão com o objetivo de procurar o maior responsável pela tragédia, Osama bin Laden.

Embora a captura tenha demorado 10 anos – Osama bin Laden foi morto pelo exército americano no Paquistão em maio de 2011 – a luta contra o governo foi vitoriosa, pois os americanos expulsaram os Talibãs do poder. No entanto, lutas incessantes prosseguem entre a coalizão que substituiu o antigo governo e facções rivais.

É em relação a este estrato histórico que a análise irá se focar, tentando entender a decisão de invadir o Afeganistão pela visão das três Responsabilidades da Escola Inglesa. Antes do aprofundamento na análise, será tecida uma pequena introdução acerca da teoria utilizada.

A Escola Inglesa surgiu no ano de 1958 após a criação do Comitê Britânico de Teoria de Política Internacional por Herbert Butterfield. Esta se caracteriza como uma abordagem histórica e institucional da política mundial com ênfase nos seres humanos e em seus valores políticos[1], entendendo o estudo de ideias e ideologias que formulam a política mundial como fundamental. Seus principais autores são Hedley Bull e Martin Wight.

A abordagem da sociedade internacional leva em consideração as escolhas morais na política externa. Partindo destas pode-se destacar três níveis ou dimensões distintas de responsabilidade do político (foco nos dirigentes políticos):

i) Devoção ao bem estar dos cidadãos e à nação em si
ii) Respeito pelos interesses legítimos, pelos direitos dos outros Estados e o próprio direito internacional.
iii) Compromisso com os direitos humanos.
           
Estas se denominam, respectivamente, responsabilidade nacional, responsabilidade internacional e responsabilidade humanitária. Relacionando-as ao contexto previamente apresentado, podemos tecer uma análise sobre as aparentes reações de George Bush frente ao atentado.

Segundo a concepção de responsabilidade nacional, um dos valores fundamentais é a segurança, além da defesa do próprio interesse nacional. Segue aquela linha de pensamento realista, bem conhecido pelos internacionalistas, dos preceitos que remontam a Maquiavel no sentido de proteger os nacionais e afastar os riscos do Estado. Analisando sobre esse ponto de vista, George W. Bush, ao invadir o Afeganistão, defendia a segurança nacional de seu país (contra outro ataque do mesmo tipo) e o bem estar de seus cidadãos (sentimento de proteção por parte do Estado). O presidente buscava afastar qualquer ameaça iminente e defendia o interesse nacional soberano.

Já a responsabilidade internacional diz respeito às obrigações externas originadas da participação dos dirigentes (representando os Estados e por meio da política externa) na sociedade internacional. Por exemplo, os países não vivem isolados, ao contrário, eles se relacionam por meio de diplomacia, comércio... Por conseguinte, têm obrigações para com os outros, por meio da qual extraem direitos e benefícios.

Estados Unidos e Afeganistão participam de Organizações Internacionais em comum, como a ONU. Partindo do princípio que ambos deveriam obedecer aos artigos da carta constitutiva da organização, que prescreve solucionar litígios internacionais por meios pacíficos, sem colocar em risco a paz, a segurança internacional e a justiça, além de afirmar que os países membros são soberanos, ou seja, deveriam ter sua integridade física preservada, conclui-se que George Bush desconsiderou suas obrigações perante as Nações Unidas, as quais não apoiaram a invasão, e agiu de modo a atingir seus objetivos egoístas.

Sendo assim, é notável que os americanos não seguiram os preceitos grotianos de serem bons cidadãos da sociedade internacional, pelo contrário, infringiram suas obrigações e desconsideraram o que deveria ser uma responsabilidade internacional do dirigente para com a sociedade de Estados em prol da paz.

A última responsabilidade, a humanitária, entende que os políticos são acima de tudo seres humanos, e por isso, têm obrigações em respeitar os direitos humanos no globo inteiro (remete a ideia kantiana de sociedade mundial solidarista). George Bush usou-se muito desta para justificar suas atitudes, dizendo ter libertado o povo afegão do regime opressor e totalmente avesso aos direitos humanos do Talibã, além de trabalhar em prol da democratização do país (apoio às eleições, ao trabalho humanitário da ONU, pela missão de paz da UNAMA). Bush entendia também que minar a ação da Al-Qaeda e de Osama bin Laden significaria proteger os direitos humanos, como o da vida, pois não haveria, ficticiamente, mais atentados.

É sabido, porém, que a responsabilidade humanitária foi em muito desconsiderada, e que os verdadeiros motivos para a invasão do Afeganistão foram egoístas e calculados. Sem mencionar os diversos escândalos envolvendo o exército americano, um deles, no qual fotos de soldados posando com cadáveres mortos e humilhando os presos vieram à tona.

É fato que a escolha de apenas uma dessas responsabilidades para a análise de uma situação tão complexa como a invasão ao Afeganistão não se sustenta, e embora haja uma divergência entre si, trazendo novas perspectivas frente à ação política, as responsabilidades acima de tudo se complementam, e são fundamentais para uma compreensão mais ampla em relação às obrigações e decisões que cercam os dirigentes estatais de modo a sustentar suas políticas externas.

A contribuição da Escola Inglesa está exatamente em não se limitar a apenas um ponto de vista, e sim apresentar-se como um intermédio, como um leque mais amplo que entende a política como uma atividade humana muito importante em que são abrangidas diversas outras políticas (militar, econômica...). Além disso, o papel central assumido pelos estadistas na análise leva a uma total nova perspectiva dos fatos.

A invasão dos Estados Unidos ao Afeganistão é um caso que até hoje não encontrou seu fim, muito menos solução – embora Obama, atual presidente americano, tenha decretado a retirada das tropas até 2014, o país está longe de gozar de estabilidade. Os líderes do Talibã sobrevivem escondidos, e, com outras facções, mantêm a situação instável no Afeganistão com ataques terroristas e tomada de reféns, principalmente no sudeste e na fronteira com o Paquistão, onde guerrilheiros continuam a lançar ataques contra as forças dos Estados Unidos. Expõe-se, por fim, quão complexa e historicamente dependente de diversos acontecimentos essa situação é e entende-se que ainda há muito espaço para análise, aguardando os próximos acontecimentos.

Gabriela Sueitt Abud é acadêmica do 4º período do Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.


Referências

http://b36.moelabs.org/...semestre/.../Escola_inglesa/
Jackson, Robert & Sorensen, George; “Introdução às Relações Internacionais”; Rio de Janeiro: Zahar, 2007; Capítulo 5



[1] Jackson, Robert & Sorensen, George; “Introdução às Relações Internacionais”; Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

Um comentário:

  1. Massacre no Afeganistão: Mulheres e crianças são assassinadas
    Posted on 03/25/2012
    (CMI) No Afeganistão militares norte-americanos violaram mulheres antes de assassiná-las. Notícias russo-iraniano – Iranian Press TV – diz que 20 soldados estão envolvidos no massacre.
    Mais uma vez a imprensa mente descaradamente e sonega informações importantes à opinião pública sobre mais um massacre de civis indefesos no Afeganistão por parte das tropas invasoras. Testemunhas afirmam que cerca de 20 soldados estavam bêbados e rindo do massacre.
    O Comitê de Investigação criado pelo Parlamento Afegão para apurar o massacre de 17 civis em Kandahar por soldados norte-americanos anunciaram neste sábado que as mulheres, inclusive 9 crianças foram violentadas sexualmente pelos militares.
    Um dos membros da delegação afegã, Shakiba Hashemi, com responsabilidade para investigar as circunstâncias que rodearam o ataque de soldados norte-americanos em Panjwaii, distrito de Kandahar, afirmou que as mulheres e crianças foram violadas por soldados norte-americanos antes de serem assassinadas.
    No domingo passado, um grupo de soldados norte-americanos, composto de 15 a 20 militares, abriram fogo contra vários civis afegãos que se encontravam em suas casas em Panjwaii. Foram assassinadas 17 pessoas, entre elas três mulheres e nove crianças.
    O governo norte-americano escolheu como “bode expiatório” deste massacre o sargento Robert Bales, de 38 anos, que foi transferido a uma prisão militar nos Estados Unidos, contrariando determinação do Congresso Nacional do Afeganistão, que emitiu uma ordem para que os militares norte-americanos fossem julgados no país onde cometeram o massacre. Obama tenta esconder mais este massacre, desviando a atenção da opinião pública mundial para um sargento, e não para o grupo de soldados criminosos.
    Pressionado pela opinião pública afegã, o presidente fantoche – colocado no poder pelos EUA – Ramid Karzai, declarou à televisão afegã que exigia a retirada das tropas estrangeiras do país. Horas, depois, após um telefonema do presidente Barak Hussein Obama, o presidente voltou atrás e se nega a comentar o assunto.

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