segunda-feira, 31 de outubro de 2011

América Latina: integrar ou entregar?




Por Camila Hoshino e Larissa Mehl*

Soy... soy lo que dejaron
Soy toda la sobra de lo que se robaron
Un pueblo escondido en la cima
Mi piel es de cuero, por eso aguanta cualquier clima
Soy una fábrica de humo
Mano de obra campesina para tu consumo
frente de frío en el medio del verano […]
Soy lo que me enseñó mi padre
El que no quiere a su patría, no quiere a su madre
Soy américa Latina, un pueblo sin piernas, pero que camina 

  Simon Bolívar, José Martí, Bernardo O’higgins, José de San Martín, Ernesto Che Guevara e Augusto C. Sandino: o sonho da integração latino-americana é acompanhado por uma genealogia extensa. Mas esta seria a integração de quem exatamente? Dos colonizados pelos espanhóis e portugueses? Dos povos da América do Sul? Ou seria dos povos da América Central? O México estaria incluído nessa “Pátria Grande”? E os imigrantes puros, também? Todos estes questionamentos para sanar uma única dúvida: existe mesmo um “povo latino”?

  A verdade é que mais teríamos motivos para acreditar na ficção de tal termo do que em sua existência de fato. Isto, graças ao tipo de colonização que tivemos e a mentalidade que construímos, ou melhor, que nos foi imposta. Mas, se por um lado, parecemos um bando de identidades dispersas em um território heterogêneo e nossas diferenças nos afastam cada vez mais a ponto de não podermos nos denominar um “povo”, por outro, razões ocultadas na nossa história dependente nos mostram o contrário. Portanto, o que esses chamados libertadores da América, citados no começo do artigo, reivindicavam é algo exposto para as pessoas que estão abertas a enxergar a riqueza e as similaridades existentes entre as diversas comunidades étnicas latinoamericanas, desde as que sobreviveram e trouxeram seus descendentes até as que foram covardemente exterminadas.

A América Latina surge principalmente a partir do sangue mestiço. Para explicar esta afirmação, podemos começar com a população nativa, uma vez que havia muitas tribos diferentes desde a gélida ilha da Terra do Fogo até as Pirâmides Astecas do México. Todas elas com traços indígenas típicos de sua região. Algumas etnias e suas respectivas religiões são bem conhecidas como, por exemplo, os Incas e o culto ao Deus Sol. Já outras, como os Selknam, da Terra do fogo, tiveram sua cultura inteiramente destruída. A chegada dos ibéricos- portugueses e espanhóis- trouxe consigo um grande fator de diferenciação para os habitantes do Novo Mundo. Mesmo com idiomas diferentes e disputas de terras entre eles, a colonização por parte destes europeus surgiu de maneira violenta, exploratória e pré-moldada. Fomos misturados com esta gente, criando uma nova raça. Fomos obrigados a esquecer nossos moldes culturais e criados para trabalhar sem receber muito ou até mesmo nada em troca, já que também éramos fonte de trabalho forçado. Mas éramos, sobretudo, diferentes. Tanto, que as próprias doenças trazidas pelos estrangeiros acabaram dizimando a população indígena da região, o que resultou em falta de mão de obra necessária para garantir os interesses dos colonizadores.

O contrabando de escravos trazidos da África havia se tornado um negócio muito lucrativo, portanto, logo os africanos chegaram ao continente para cobrir esse déficit de mão-de-obra.  Este povo foi oprimido mesmo antes de sair de sua terra. Aqui, se tornaram força de trabalho ainda mais explorado. Na América do Sul, principalmente na Colômbia e no Brasil, o contingente de mulheres negras que vieram para a região foi muito menor se comparado ao de homens. Sabe-se que foram muitos os casos de senhores – muitos deles já com traços mestiços - que tiveram relações sexuais, forçadas ou não, com suas escravas, dando origem a uma população mulata. E o fato de os negros também serem obrigados a falar o idioma de seus senhores ou patrões foi importante para o estabelecimento do português e do espanhol como idiomas predominantes.

Por último, temos mais uma massa de imigrantes: os novos europeus. Pobres e infelizes nos seus países de origem, esses brancos vieram para cá com a esperança de trabalhar com a terra e enriquecer. Acabaram sendo essenciais para dois fatores: a modernização da América Latina e a branquização de nossos mestiços. Ambos impulsionadores da desigualdade em vários âmbitos que se faz presente até os dias de hoje. O Etnocentrismo – que insiste em apagar a nossa história ao trazer a perspectiva dos “vencedores”- fez com que muito crioulo se orgulhasse de suas matrizes européias, tentando estabelecer uma superioridade perante o resto do povo negro e índio explorado. Esse ainda parece ser um ideal dominante que segue nos dividindo e criando, em muitos ignorantes, uma sensação de superioridade que assolam os continentes de racismo. Posteriormente, a vinda dos árabes e asiáticos também contribuiu para o enriquecimento da nossa mestiçagem.

  Tanto os colonizados pelos espanhóis como os colonizados pelos portugueses tiveram o mesmo tipo de colonização exploratória. Dessa forma, nos tornamos, etnicamente, diferentes dos americanos do norte, que transladaram suas populações e não se misturaram significantemente com outras raças. Sempre fomos dependentes dos povos que nos colonizaram, mas ao mesmo tempo, alheios. Somos neolatinos.  São essas duas características principalmente – mestiçagem e exploração- que são responsáveis por agrupar países como Brasil e México, Cuba e Chile, por exemplo, dentro do que entendemos por América Latina.

  Sempre vivemos para as vontades e interesses externos. Depois da colonização, nos curvamos às multinacionais e aos norte-americanos, simplesmente porque nossa mentalidade nos levou a isso. Muitos podem usar este argumento para desclassificar a credibilidade e a possível integração de nosso povo. Mas podemos ver de outra maneira, como o antropólogo Darcy Ribeiro em seu artigo “Consciência Alienada”. Ele diz: (...) eu prefiro nossa pobreza inaugural à sua opulência terminal, de quem já acabou de fazer o que tinha a fazer no mundo e agora, usufrui do criado. Nós temos um mundo a refazer.

Atualmente, o maior desafio de nosso povo é alcançar a própria emancipação, é construir uma América latina forte e, acima de tudo, independente. Temos que exorcizar nossos fantasmas exploradores e criar nossa nova auto-estima, de um povo não superior aos outros, porém mais humano, justamente por trazermos no sangue a herança de quase todas as raças possíveis (asiática, africana, européia e indígena). Trazemos na nossa história a marca da mais nobre resistência, da mais singela força – que inclusive nos caracterizou como um povo que não desiste nunca - e das mais diversas culturas deixadas por nossos ancestrais. Isso faz com que a América Latina integrada seja um sonho ainda vivo. No entanto, essa integração não deve estar voltada essencialmente à eliminação das barreiras do livre comércio, tampouco ao capital especulativo. Esse modelo de integração deve se firmar por meio das raízes da soberania popular, visando primordialmente a eliminação das barreiras sociais existentes.

  A definição trazida pelo escritor e jornalista uruguaio, Eduardo Galeano (1976), no livro “As veias abertas da América Latina”, é bem crítica em relação a essa integração: “’Nossa’ união faz a ‘sua’ força, na medida em que os países, ao não romperem previamente com os moldes do subdesenvolvimento e da dependência, integram suas respectivas servidões.” (grifos do autor)

  Ou seja, priorizando apenas o incremento do comércio por meio da troca de benefícios entre os países da região, só estaremos reproduzindo as mesmas relações de desigualdade que têm nos acompanhado por séculos. Não estamos integrando, mas entregando. A libertação econômica, social e cultural, junto com o reconhecimento das raízes identitárias locais, é que pode alavancar o velho sonho de união. Mas para isso, para que possamos escrever nossa própria história, também precisamos valorizar nossa mestiçagem e ter orgulho do que somos para destruir de uma vez por todas essa imagem de inferioridade e dependência.

Referências Bibliográficas:
1- GALEANO, Eduardo. As veias Abertas da América Latina.Tradução de Galeano de Freitas.Edição nº 45.(2005) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976
2- RIBEIRO,Darcy. A América Latina existe?.1ª Edição. Brasília: Editora Unb, 2010
3 - PÉREZ, Rene; MARTÍNEZ, Eduardo. América Latina. Puerto Rico: Sony Latina, 2010

*Camila Hoshino e Larissa Mehl são estudantes do quarto período do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.

4 comentários:

  1. Bom à certeza ainda não temos se será boa ou não esta possível integração, que deverá andar a passos lentos, sabe lá Deus quando isto realmente estará concluída. Comparando-se com o processo de integração da União Europeia, deverá levar em torno de meio século ou mais, pois foi o tempo em que se consagrou o bloco da EU.
    Mas tem um detalhe interessante que é o fator nacionalismo, que aqui na América do sul isto não é muito cultuado, e dificulta o processo de integração, não existirá uma América latina unificada e integrada sem ter fixado em suas matrizes e raízes o nacionalismo. Na minha opinião o nacionalismo é um fator primordial para uma integração, juntamente com os sistemas políticos inter-relacionados entre si, não se consegue ter sucesso em um processo de integração sem que haja ideias homogêneas entre os estados. E isto na América Latina não vem acontecendo nos últimos anos, observamos muitas ações praticadas por alguns governos, que é anti-integração, a exemplo do caso Bolívia/Brasil (Petrobrás), Brasil/Equador (Camargo Correa, projeto de construção de uma usina hidrelétrica). Por outro lado temos que fazer elogios ao projeto Brasil/Venezuela (construção da refinaria Abreu e lima em Pernambuco em comum acordo da Petrobrás e PDVSA da Venezuela).
    Dai você poderia me perguntar: mas o nacionalismo está integrado junto com os governos ditadoriais, as duas coisas estão juntas, são dependentes um do outro, eu diria que não, pois a própria Europa é nacionalista e os governos não são ditadoriais, nem totalitários. Os USA é um país que tem um sentimento nacionalista muito forte, e é um exemplo de democracia consolidada na América do Norte.
    Os sistemas políticos tem que serem de mesma ideologia, ou seja, as Democracias tem que serem Democracias consolidadas, e na América Latina isto ainda não é possível afirmar que temos esta consolidação Política partidária. O que temos observado é um reacendimento do sentimento ditadorial que predominou na região em meados e final do século XX, em alguns países que citei anteriormente em algumas citações aqui.
    Existem muitas barreiras contra a integração latina americana, mas isto não é impecílio para que haja uma integração futuramente, na Europa também existiu e ainda existe estas barreiras e dificuldades, tanto no campo social, como econômico e democrático, e mesmo assim eles conseguiram se integrar e se entenderem entre si. Isto é uma questão de racionalidade e humanização dos estados, mas sem desigualdades entre os mesmos e sem quererem sobrepor seus poderes uns sobre os outros. O que vejo até então é que a UNASUL é um grande projeto ambicioso e que só depende de nós sul americanos angariar e querermos mais, com a força e determinação de todos os povos que vivem aqui, e sermos um continente forte e competitivo, respeitando os direitos e vivendo em paz e harmonia com todos, seja lá qual for a descendência. A unificação e integração com os mesmos direitos e valores preservados é essencial para a vida humana em uma sociedade.

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  2. Olá, Muito Obrigada pelo comentário!
    Você realmente sabe bastante sobre as razões de não ter havido esta integração ainda. Realmente os países não estão contribuindo, e eu diria que o Brasil é o pior nesta história toda. Quero discordar com você em alguns pontos, espero que possamos debater estes tópicos, porque pelo que eu vi você é um cara bem culto.
    O ponto que eu mais discordo com você é: Os USA é um país que tem um sentimento nacionalista muito forte, e é um exemplo de democracia consolidada na América do Norte.
    Sim eles tem um sentimento nacionalista muito forte, em relação a serem americanos, mas porém o que existe neste país são formações de grupos isolados que não misturam suas culturas. E este não é o caso da América Latina porque nós misturamos muitas culturas (inclusive é este um aspecto que nos unifica), posso te dar um exemplo concreto: a ubanda , por exemplo, é a mistura da religião católica com o camdomble que é africano. Neste sentido somos mais abertos, gostamos da miscigenação (por mais que ainda haja etnocentrismo...). Outra coisa que você expos, e eu não concordo é a comparação com a Europa. Nossa formação histórica é totalmente diferente que a deles, se não nos reconhecemos nem como brasileiros direito, como vamos nos reconhecer como latinos? Como o nosso Estado vai ter este respeito pelo desenvolvimento dos outros países na América do Sul e latina? Ele não tem... como vc mesmo deixou exemplificado. A integração tem que partir da vertente cultural e não politica, porque senão é fadada ao fracasso, dai já concordo contigo que pode demorar anos para isso acontecer.. Para a UNASUL engrenar de verdade, mas não como elo simplesmente economico, mas sim politico que de poder para todos. O projeto que eu e a Camilla expusemos neste artigo é o de encontrar a raíz latina, que não abarca apenas os países da América do Sul, mas alguns da América Central, Caribe e México. Até chego a perguntar para ti, o que você acha da Identidade Latina?

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  3. Eu entendo as suas discordâncias, afinal de contas isto faz parte do jogo e do debate de ideias, que estamos a analisar aqui.
    Mas veja bem os USA, tem sim uma democracia consolidada isto não podemos negar em hipótese alguma, é tão provável isto que eles mesmos querem e não conseguem exportar ou tentar implantar este tipo de democracia para os outros países, principalmente para os estados islâmicos, que vêem isto como uma afronta as suas culturas e aos valores das suas sociedades.
    Eu concordo com você sobre as diferenças de raças ou grupos étnicos que existem nos Estados Unidos, mas isto também é comum em outros países do planeta. Até mesmo na China, e na Tailândia que não tiveram colonizações europeias, estas diferenças e descriminações étnicas ocorrem por lá e justamente eles que não tiveram colonizações de outros povos. Na china, por exemplo: a etnia han compõem-se de 92% da população. Aqui no Brasil também existem estas diferenças de culturas e de grupos étnicos, mas conseguimos viver em paz e “respeitamos” todos os costumes e culturas diferentes que aqui estão de vários lugares do planeta, a exemplo da capoeira que era uma manifestação cultural praticada pelos escravos das senzalas, e hoje é muito comum você observar pessoas de todas as raças e de etnias diferentes praticarem esta manifestação cultural. Apesar disso ainda tem leis que protegem “os cidadãos” que de certa forma sentem-se discriminados por sua cor, raça, cultura ou religião. Se formos observar não é fácil colocar todos os povos de diversas etnias diferentes debaixo de um mesmo guarda-sol,pois não é só a etnia em si que difere e sim um pacote de outros requisitos como ideologias,crenças,religiões etc.
    Mas cá entre nós a humanidade está caminhando para uma miscigenação de raças ainda muito maior do que a que temos agora, e isto é uma realidade que temos que aceitar e tentar de qualquer forma unificarmos e integrarmos se realmente quisermos viver em um mundo, em que a paz permeie nos lares e nos seios das sociedades. A meu ver falta os europeus descerem dos saltos altos e aceitarem esta realidade, das novas sociedades modernas, em vez de ficarem barrando e discriminando as culturas dos povos das sociedades diferentes. Na verdade eu não quis comparar a América Latina com a Europa, apenas frisei que eles têm um sentimento mais nacionalista do que nós latinos, e por isto que depois da II guerra mundial, isto foi digamos um ítem de primeira necessidade, para que se pensassem numa possível integração da Europa. Depois que o continente estava totalmente arrasado pela guerra, foi mais fácil à unificação em prol de um bem comum, pelo fato que o continente estava a sós e sem forças políticas para se reerguer, necessitou se pensar em uma integração deixando de lado as diferenças das culturas e dos povos. E até hoje esta cultura de valorização do continente persiste, mesmo que muitas vezes eles praticam ações absurdas com os estrangeiros que lá residem ou estão transitando, este tipo de discriminação eu reprovo totalmente, pois isto não enriquece e só alimenta o ódio, a uma raça e a um povo. Temos que valorizar o nosso continente e o nosso povo que aqui vivem de outra maneira e não com discriminação aos estrangeiros que por aqui vivem ou transitam.

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  4. Olha é difícil aceitar esta identidade latina, concordo com você, se me perguntarem pela minha nacionalidade, eu direi que sou um brasileiro nato ou sul-americano, mas não latino. Porque o termo América Latina eu aprendi que é formado pelos povos que falam as línguas românicas originadas do latim como o português e o espanhol. Mas assim fica muito estranho porque podemos dizer que Moçambique, Angola, Guiné-Bissau e outros países do continente africano são latinos? Estranho né? Foi assim que a minha professora primária de geografia me ensinou, não sei se ainda continua assim, se não me corrija.
    Mas eu creio que a nacionalidade e identidade Latina é apenas uma questão de adaptação, para com as pessoas que vivem nos países do cone sul, se a integração da UNASUL de fato estiver integrada, talvez mude este conceito, e seja mais inserido dentro dos estados da América do Sul,ou seja,que este termo seja de fato um batismo de nação aos povos que vivem na América Latina,porque no momento muitas pessoas acham que os latinos são aquelas pessoas com trastes característicos de índios e vestimentas diferentes. Geralmente os descendentes das civilizações astecas,maias e incas,totalmente diferente do conceito original de América latina,que esta relacionado com as línguas e não com os grupos étnicos. um abraço! bom trabalho em suas pesquisas!!!

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