Por Fernando Yazbek e Vinícius Canabrava
No dia 29 de novembro é celebrado o Dia Internacional da Solidariedade com
o Povo Palestino. Hoje é importante relembrar as palavras proferidas pelo
ex-presidente Sul-africano, Nelson Mandela: “A Liberdade só será completa, quando
ocorrer a liberdade do povo palestino.” Há exatos 74 anos, a Assembleia Geral das
Nações Unidas adotou a resolução 181, conhecida como resolução da partilha, que
previu a criação de dois Estados em território palestino, o Estado da Palestina e o
Estado de Israel. Ocorre, entretanto, que desde seu surgimento, Israel nunca
escondeu suas ambições expansionistas e segregacionistas na região. O que se vê,
sete décadas depois, é a substituição do colonialismo inglês pelo israelense,
interligados desde 1917 pela Declaração Balfour.
Foram travadas 6 guerras entre os países árabes e o recém-criado Israel. Já
na primeira delas, que acabou em 1949, 700 mil palestinos deixaram seus lares
(LIMONCIC, 2005). Desde então, há uma estimativa de que 50% dos palestinos
vivem fora da Palestina, número que tende a crescer (LABADI, 2018). Esses
trágicos dados são positivos para o governo israelense, já que esse objetiva a
criação de um Estado demograficamente judaico (LIMONCIC, 2005).
Essas pessoas, vítimas de um processo de ocupação de sua própria nação
vivem, muitas vezes, em condições preocupantes, sem acesso à saúde, educação e
até mesmo comida. A Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados
Palestinos auxilia ao menos 5 milhões de pessoas nos territórios palestinos e em
outros 3 países no Oriente Médio, fornecendo serviços de saúde, educação e assistência social. Porém, pela primeira vez a agência está sem dinheiro, já que
apenas recebeu 130 milhões de dólares dos 400 milhões necessários para efetivar
suas ações.
Somado a isso, as autoridades israelenses são imparáveis e
incansavelmente atacam os direitos humanos do povo palestino. É comum bairros
palestinos serem demolidos para que colonos passem a ocupar a região, como
ocorreu em Sheikh Jarrah, em meados de 2021. Até mesmo o acesso à água é
controlado por Israel, desde 1967, conforme a Anistia Internacional. O controle é
feito de tal forma que não atende as necessidades básicas dos palestinos e
tampouco é justa, já que os recursos hídricos são compartilhados. Em Gaza, 95%
da água é imprópria para o consumo, mesmo assim, não é possível trazer água da
Cisjordânia para a região. A regulação de Israel é tão cruel que, enquanto um
palestino consome 73 litros de água por dia, muito abaixo do recomendado pela
Organização Mundial da Saúde, de 100 litros, um cidadão de Israel consome 300
litros.
Ataques também são feitos a tradições palestinas. Conforme a Al Jazeera,
entre 80 e 100 mil famílias palestinas dependem financeiramente da coleta de
azeitonas para a produção de azeite. Contudo, colonos israelenses já perpetuaram
58 ataques a plantações palestinas até o dia 17 de outubro. Além de queimarem as
plantações, os fazendeiros também sofrem agressões. Os invasores, que não são
punidos, reprimem não apenas economicamente o povo palestino, mas também
culturalmente, já que a colheita de azeitonas é uma tradição centenária.
Por fim, além de constantes ataques a mulheres, crianças, idosos e civis
Israel não poupa esforços em desrespeitar locais sagrados, como a Mesquita de
al-Aqsa. Segundo o The Guardian, um ataque ocorreu no local no mês do Ramadã,
o mais sagrado para o Islã. Soldados de Israel invadiram o local, atiraram contra
fiéis e jogaram bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral na Mesquita.
Posto isso, é evidente que este conflito já deixou de ser apenas político: o
governo de Israel está, de forma nada sútil, exterminando a cultura e o povo
palestino de seu território natal. Uma tragédia humanitária está acontecendo neste
momento e pouco se faz para evitá-la. Já é tarde demais, erros irreparáveis já foram
feitos, famílias perderam casas, mães tiveram que assistir ao velório de seus filhos
e se a situação seguir assim, logo só restarão lamentos. No dia da Solidariedade ao
Povo Palestino, mais do que nunca, é crucial reconhecer a necessidade de um
Estado Palestino livre e soberano.
Ao redor do
mundo, o dia do começo da ocupação sionista é lembrado com solidariedade aos
árabes expropriados. Comemorações são feitas anualmente na sede da ONU, em
Nova Iorque, e nos escritórios em Viena e em Genebra. E hoje a Assembleia
Legislativa do Estado do Paraná não ficou para trás.
O deputado estadual Hussein Bakri (PSD), líder do governo, discursou em
apoio a Causa Palestina na Sessão Plenária desta segunda-feira (29). O
parlamentar ganhou um keffyeh – característico lenço árabe – das mãos de Ualid
Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil. O presente veio direto
da Terra Santa, como um regalo da própria Organização pela Libertação da
Palestina.
A importância da data é tamanha que até o deputado Professor Lemos (PT),
líder da oposição ao governo de Bakri, se juntou as homenagens. Em seu tempo de
fala em plenário, leu na íntegra a Carta da Federação Palestina sobre o Dia
Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino:
“Novamente, a Comunidade Internacional, a ONU, os povos, nações e
países, governos e parlamentos, a sociedade civil e suas organizações se
mobilizam em solidariedade ao povo palestino, para que este tenha o que
todos os demais povos têm: um estado soberano, no qual sua população viva
em paz e segura, sem ocupantes estrangeiros, sem apartheid, sem
massacres, sem cercos, sem destruições, sem prisões e torturas, sem as
expulsões e confiscos de sua terra, que cristalizam um processo de limpeza
étnica implacável, desumano e jamais conhecido na história humana.
O que se dá na Palestina é tão grave, uma experiência racista tão
preocupante, inclusive como precedente histórico e legal, que levou a ONU a
declarar um dia especial para a solidariedade ao povo palestino, o dia 29 de
novembro, por meio da Resolução 32/40-B, aprovada pela Assembleia Geral
das Nações Unidas em 29 de novembro de 1977.
Esta data foi escolhida porque, 30 anos antes, na mesma data, a
mesma ONU aprovou a Resolução 181, recomendando partilhar a Palestina
histórica, em que viviam harmonicamente há milênios palestinos de fés cristã,
muçulmana e judaica, criando em seu lugar dois novos estados: um, em
apenas 42,9% do território, para o povo palestino originário, 1,4 milhão de
pessoas, ao menos 2/3 da população, e outro, com 56,5% do território, para
apenas 700 mil pessoas, as professantes do judaísmo e apenas 1/3 da população, ou menos, a maioria estrangeira, recém-chegada à Palestina. E
0,6% seria Jerusalém, uma área internacional administrada pela ONU.
O movimento sionista, surgido na Europa no século anterior para a
criação de um estado exclusivamente judeu em qualquer parte do mundo,
mas que em 1897 escolhe a Palestina para esta experiência, não gostou,
pois queria toda a Palestina, conforme interpretava fosse a promessa
britânica de um “lar nacional judeu”, contida na Declaração Balfour, de 2 de
novembro de 1917.
Descontentes com o arranjo da ONU, os sionistas, já fortemente
armados, deram início aos ataques às populações palestinas, desarmadas e
desprevenidas do que poderia vir, para aterrorizá-las e levá-las ao êxodo,
destacando-se os promovidos contra Lifta e Deir Yassin, a noroeste e oeste
de Jerusalém respectivamente.
Lifta teve sua população expulsa em 28 de dezembro de 1947, um
mês após a aprovação da Resolução 181, quando terroristas do grupo
Haganah invadiram a cidade, mataram um comerciante e outros seis
moradores num café. Houve também sete feridos.
Já Deir Yassin foi invadida e limpada etnicamente, a 9 de abril de
1948, pelos grupos Irgun, Lehi, Haganah e Stern, terroristas para os ingleses,
que depois formaram o exército israelense. Perto de 300 moradores foram
assassinados, quase todos mulheres, crianças e idosos.
Este foi o teste do modelo que viria a ser aplicado em larga escala
após 14 de maio de 1948, quando os sionistas se autoproclamam estado e
declararam-se Israel, à margem da ONU, que havia suspendido a aplicação
da Resolução 181 devido aos massacres de que havia sido informada.
No estalar de 15 de maio é dado início à limpeza étnica da Palestina:
774 cidades e povoados palestinos ocupados, dos quais 531 totalmente
destruídos; 70 massacres cometidos, com mais de 15 mil mortos, incontáveis
feridos e mutilados e dois terços da população originária, a palestina, expulsa
pelos estrangeiros recém-chegados. Considerados os 76% da Palestina
tomados a força neste processo, são levados a êxodo desta porção territorial,
de acordo com dados da ONU, 725 mil dos 900 mil palestinos que viviam no
que passa a ser Israel. Ou seja: 81% de toda a população palestina é morta
ou expulsa para nascer, pela violência, Israel.
De lá para cá o sofrimento do povo palestino não cessou. Atualmente,
contra as resoluções da ONU e o Direito Internacional, especialmente o
humanitário, as forças de ocupação acentuaram o confisco de terras, as
restrições aos agricultores palestinos, prendem cada vez mais palestinos que
lutam pela autodeterminação, cercam as cidades palestinas, com destaque
para a região de Gaza, e incrementam o processo de limpeza étnica,
combinado com um regime de segregação racial, designado como de
apartheid pelas mais importantes organizações de direitos humanos do
mundo e investigado pelo Tribunal Penal Internacional como crime israelense
de lesa-humanidade.
Em vista disso, e porque foi a partir de uma ação da própria ONU que
a catástrofe palestina teve início, é que ganha importância a solidariedade
internacional para com o povo palestino. Esta solidariedade precisa crescer
ao ponto de levar Israel a aceitar o direito à autodeterminação da Palestina e
ao cumprimento das resoluções da ONU para a Questão Palestina.
Se a solidariedade internacional levou ao fim do regime de apartheid
na África do Sul, assim como do colonialismo, a mesma levará paz à
Palestina e ao fim do sofrimento de seu povo.
Por fim, esta Federação agradece ao povo brasileiro e a suas
autoridades pela solidariedade prestado ao povo palestino. Uma Palestina
livre fará o mundo melhor para todos os povos e nações.”
Referências
Palestine refugees UNRWA. UNRWA. Disponível em: <https://www.unrwa.org/palestine-refugees>.
Acesso em: 29 Nov. 2021.
Nações Unidas marcam Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino. ONU News.
Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2020/11/1734242>. Acesso em: 29 Nov. 2021.
LIMONCIC, F. Israel, Palestina e a Língua do P: (Paz), Paus e Pedras no Meio do Caminho.
Disponível em: <http://www.cedep.ifch.ufrgs.br/pdf_cedep/israel-palestina.pdf>. Acesso em: 29 nov.
2021.
BBC NEWS. Por que os palestinos estão perdendo suas casas em Jerusalém Oriental - BBC News
Brasil. BBC News Brasil. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58118262>.
Acesso em: 29 Nov. 2021.
The Occupation of Water. Amnesty International. Disponível em:
<https://www.amnesty.org/en/latest/campaigns/2017/11/the-occupation-of-water/>. Acesso em: 29
Nov. 2021.
LABADI, Taher. The Palestinian Diaspora and the State-Building Process. Arab Reform Initiative.
Disponível em:
<https://www.arab-reform.net/publication/the-palestinian-diaspora-and-the-state-building-process/>.
Acesso em: 29 Nov. 2021.
HOLMES, Oliver ; BEAUMONT, Peter. Israeli police storm al-Aqsa mosque ahead of Jerusalem Day
march. the Guardian. Disponível em:
<https://www.theguardian.com/world/2021/may/10/dozens-injured-in-clashes-over-israeli-settlements-
ahead-of-jerusalem-day-march>. Acesso em: 29 Nov. 2021.