Onze lições são comentadas
no documentário ‘Sob a névoa da guerra”, e quem as discute é a controversa
figura de Robert S. McNamara. Secretário de Defesa do governo dos Estados
Unidos entre os anos de 1961 e 1968, sob as administrações de John F. Kennedy e
Lyndon Johnson, McNamara foi profundamente envolvido na
Guerra no Vietnã, tendo sido descrito como seu “arquiteto”. O documentário
relembra a vida, as conquistas e derrotas de McNamara, retomando fatos sobre a
segunda guerra mundial, mas especialmente sobre a guerra no Vietnã. Enquanto
aos, então, 85 anos de idade, McNmara reflete, no documentário, sobre suas
ações - e as ações de seu país - durante os conflitos por ele vivenciados, e,
em meio a esta análise, é introduzido estas 11 “lições”, e algumas serão
analisadas neste trabalho.
A primeira lição declara “Tenha empatia com seu inimigo”; e
a segunda “Racionalidade não nos salvará”, sendo estas
mais exploradas aqui devido sua relação com as ideias de Thomas Schelling sobre
o Realismo Estratégico.
A primeira lição dita por McNamara foi pormenorizada pela
sentença: “Devemos nos colocar na pele deles, e olhar para nós com os olhos
deles, para entender a ideia por trás das decisões e dos atos”. McNamara propõe
estas conclusões após anos de observação frente as estratégias, as quais ele
foi partícipe, durante as guerras. Ao voltar esta dedução aos olhos do Realismo
estratégico de Thomas Schelling, é possível assimilar sua compatibilidade.
Schelling foi um economista norte americano, era também professor de política
externa e estrategista, discutindo sobre a problemática nuclear, sendo muito
influenciado pelo seu contexto de vivência, a Guerra Fria.
Entre os estudos de Schelling, este discorre sobre diplomacia/barganha.
O que seria uma diplomacia que pode vir a ter uma aspecto de “suja” – podendo
se fazer pela ameaça e coerção - na qual não se trate sobre o ideal para as
duas partes, mas sim o melhor para ambas. Para ter este poder de barganha, o
autor afirma que é preciso conhecer o seu adversário, o que ele aprecia e o que
o assusta. A conclusão de McNamara sobre, de fato, a importância do
conhecimento do interesse do outro, para que o Estado realize esta diplomacia,
é exemplificada com o sucesso do conhecimento que Thompson tinha sobre
Krushchev na crise do mísseis. Por outro lado, o antigo secretário de defesa
afirma que, durante a Guerra no Vietnã, os americanos não conheciam os
Vietnamitas o suficiente para se colocar na pele deles e compreender suas
verdadeiras intenções, gerando mal-entendidos que, possivelmente, estenderam a
guerra e trouxeram malefícios para ambas nações.
Sob outra perspectiva, frente a crise dos mísseis em Cuba,
analisa-se a segunda lição proposta por McNamara: “A racionalidade não nos
salvará”. Nesta perspectiva, o Americano discorre sobre como, em realidade, foi
sorte que preveniu uma guerra nuclear. Mesmo tendo líderes racionais, que
possuíam a consciência que um conflito com ogivas nucleares causaria destruição
total de suas sociedades, no contexto de extrema pressão e antagonismo
competitivo, a experiência de um conflito não foi prevenido exclusivamente pela
racionalidade daqueles que tinham poder de decisão. O realismo estratégico de
Schelling não coaduna com esta conclusão de McNamara.
Thomas Scehlling, ao destacar a importância da tomada de
decisões na política externa, ensina que as funções diplomáticas tem de ser
efetivadas por meio de atividades racionais e instrumentais – estratégia.
McNamara afirma a valia da diplomacia feita para evitar a crise dos mísseis,
mas conclui que, em realidade, foi a sorte que preveniu um destino que teria
sido desastroso para todos. Esta visão está em desacordo com o que conclui-se
de Schelling, mas também com a maioria da Teoria Realista das Relações
Internacionais, que dispõe sobre o âmago da intenção Estatal é o interesse
próprio, o qual deveria ser baseado em uma racionalidade, que pressuporia um
cálculo de vantagens e custos. O custo da aniquilação de sociedades não foi
considerado quando a racionalidade – quase – não preveniu uma guerra nuclear.
Ademais,
entre outras lições de McNamara que intentamos destacar nesta analise está o terceiro
ponto, “existe algo além você mesmo”. Nações possuem seus próprios interesses -
e neste momento do documentário McNamara cita as visões militares
Norte-americanas, que não consideravam perspectivas de outros Estados. Como
exemplo, entre estes interesses nacionais estariam, como um dos casos
apresentado no documentário, os EUA invadir o Vietnã e entrar em guerra, isso
iria se concretizar, mesmo que a atendando contra a soberania do outro, ou atingindo
a população, logo que, como citado por Edward Carr (autor de Relações
Internacionais que debate o Idealismo moderno), onde não há uma anarquia
internacional atuando acima da soberania dos Estados, o que os guia é a busca
pelo poder.
Por fim, vale brevemente citar as demais lições descritas
por Robert McNamara. O quarto ponto “maximize a eficiência”, e o quinto, “proporcionalidade
dever ser uma orientação da guerra”, McNamara nos remete aos bombardeios,
durante a segunda guerra mundial, dos EUA as ilhas japonesas. Pela desnecessária morte de pessoas, tanto civis quanto
militares atacando, é importante equilibrar o desejo de eficiência com as necessidades e objetivos. McNamara sugere que os
danos causados em uma guerra devem ser proporcionais aos objetivos de cada um,
a proporcionalidade é um conceito crítico.
No sexto ponto, “obtenha os dados”, fica explícito que para
tomar boas decisões, não podemos simplesmente depender da racionalidade ou de
nossos dons intelectuais. McNamara afirma que, para tomar boas decisões, é necessário obter dados. Afirmando isso, o
sétimo argumento, “acreditar e ver, os dois podem falhar”. O incidente do Golfo
de Tonkin, apresentado no documentário, em que, os EUA foram para a guerra
fundamentado em informações errôneas, deixa claro que é imprescindível um
estudo cauteloso sobre o caso.
O oitavo ponto, “esteja preparado para reanalisar seu
pensamento”, surge em complemento ao anterior, alegando que cometemos erros, e
consequentemente temos que estar preparados para reanalisar o nosso raciocínio.
Não podemos considerar os princípios morais de um Estado princípios universais,
pois essa atitude instigaria novos conflitos. Continuamente, “Para fazer o bem,
você pode ter que se envolver com o mal”, o nono ponto nos mostra que, McNamara
sabia a crueldade que circunda violência, e não nega a existência de crueldade
em um contexto de Guerra. Impõe a pergunta, “quanto mal tem de ser feito para
que possa ser feito o bem?”. Reconhece ser este um posicionamento extremamente
difícil ao ser humanos, e afirma que a violência deveria ser levada ao seu grau
mínimo.
O décimo argumento, “nunca diga nunca”,
relata que, a névoa da guerra,
combinada com a imprevisibilidade humana, pode criar resultados ou apresentar
oportunidades que ninguém poderia prever. Se esta lição é útil na guerra, é
ainda mais útil para preveni-la. Durante a crise dos mísseis de Cuba, a maior
parte do gabinete, incluindo o próprio Presidente Kennedy, não acreditava que a
União Soviética removeria seus mísseis sem o uso da força militar. Thompson
discordou e, Kennedy confiou em seu julgamento. Como resultado, as
superpotências evitaram a guerra nuclear. Seria sábio recordar que a melhor
maneira de ganhar uma guerra é evitá-la, buscando uma solução diplomática.
Por fim, a décima primeira lição, “você não pode mudar a
natureza humana”, exprime o pensamento de que, os Estados são guiados pelo
darwinismo político, onde o estado de natureza do sistema internacional seria
um estado de guerra contra todos e contra tudo, sendo a motivação a busca pelo
poder. Seguindo esta linha de pensamento, para garantir a estabilidade no
sistema internacional, seria de extrema importância o procedimento de
equilíbrio do poder, primordial para corrente realista das relações
internacionais.
Robert
McNamara ficou conhecido por muitos como o “Arquiteto” da Guerra do Vietnã. Foi
estrategista em duas guerras, tendo trabalhado ao lado do General Curtis LeMay,
um dos principais dirigentes dos atrozes bombardeios a Tóquio na segunda grande
guerra, e tendo sido secretário de defesa dos Estados Unidos durante parte de
outro conflito. Ou seja, é possível concluir que McNamara vivenciou
inteiramente a realidade estratégica e política do que é uma guerra. Ao
analisar suas lições comentadas no documentário, é possível concluir apenas a
incerteza da guerra. Sendo uma realidade muito complexa, mesmo com
planejamentos, dados e estratégias, as vezes nem mesmo a racionalidade humana
pode prevenir as barbáries de um conflito, e uma vez este instaurado, seu
direcionamento também pode ser incerto, sempre coberto pelo que McNamara chama
de “a névoa da guerra”.
*Acadêmicas do segundo período de Relações Internacionais, em trabalho orientado pela Professora Janiffer Zarpelon.
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