quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Opinião: A DINÂMICA CHINESA NA ÁFRICA E OS DESAFIOS PARA O BRASIL


onte: PER-ANDERS PETTERSSON/GETTY IMAGES apud “EXPRESSO”1



Zhou Enlai, o primeiro-ministro da República Popular da China de 1949 a 1976, definiu na década de 50 os cinco princípios que deveriam ser seguidos para uma efetiva relação interestatal: respeito mútuo a integridade territorial e soberania, não agressão, não interferência em negócios internos, benefícios mútuos e igualdade, além da coexistência pacífica (MENEZES, Gustavo Rocha de; 2013, p. 42). Deng Xiaoping, líder supremo da China de 1978 a 1992, influenciado pelos princípios de  Zhou Enlai, fez com que o país crescesse de forma acelerada nos âmbitos tecnológico, político e cultural, sendo que neste período, o mercado chinês se abria cada vez mais ao mundo, dada a necessidade visível de novas possibilidades, seja para alcançar mais recursos, aumentar a produção, como também para atingir um mercado maior para exportar. A nova possibilidade é a África: um continente inteiro recém-independente na maioria dos países, rico em matérias-primas e mão de obra braçal, acrescido de um potencial mercado consumidor de aproximadamente 1,316 bilhão de pessoas (WORLDOMETERS; 2019. Disponível em: <https://www.worldometers.info/world-population/africa-population/>).
Os investimentos da China na África ganhavam força no final dos anos 90, mas foi em 2000 que a cooperação foi formalizada com a criação do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), em resposta aos Estados Unidos que no mesmo período também enxergou tais possibilidades no continente africano. A partir do estabelecimento do FOCAC, estas investidas, sejam em empréstimos concessionais, doações, alívio de dívida, em contratos com empresas chinesas, assim como outros, seriam estabelecidos ou aumentados significativamente, impactando o Brasil, que mantém um grande contato comercial com o continente africano, em especial com os países lusófonos.
Identificando a estrutura da dinâmica chinesa na África, é possível determinar os desafios do Brasil na disputa de influência no continente, considerando também as relações sino-brasileiras. Para atingir tais objetivos, analisou-se o histórico das relações internacionais dos dois países, juntamente com suas características sociopolíticas da segunda metade do século XX, do começo do século XXI e dos períodos mais recentes.

HISTÓRICO SOCIOPOLÍTICO DA ÁFRICA
Conforme os países africanos se tornavam independentes, em especial na década de 60, a desordem interna fez com que tardassem no desenvolvimento industrial, mas também na administração pública em geral, já que os governos falhavam ao investir pouco no ensino superior e não criando um ambiente propício ao aumento do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Estes fatores trazem até a atualidade a necessidade de investimentos externos, uma vez que a África tem os recursos naturais suficientes para torná-la muito rica, mas não tem as “ferramentas” para sua manipulação.  A China, portadora do capital necessário, levou aproximadamente 203 mil trabalhadores chineses até o final de 2017 ao continente africano (SAIS CHINA AFRICA RESEARCH INITIATIVE (SAIS-CARI); 2017. Disponível em: <http://www.sais-cari.org/data-chinese-workers-in-africa>). Angola, África do Sul, Congo e República Democrática do Congo, representavam 67% de todo o continente em 2017, dos  países que exportavam para a China, em especial o petróleo, algodão e fosfatos. No mesmo ano, a África do Sul, Nigéria, Egito e Argélia, representavam 48%  dos importadores africanos de produtos chineses, principalmente maquinários, eletrônicos e automóveis (OBSERVATORY OF ECONOMIC COMPLEXITY (OEC); 2017. Disponível em: <https://oec.world/en/profile/country/chn/>).

AS RELAÇÕES BRASIL-ÁFRICA E BRASIL-CHINA
Desde os anos 70, o Brasil desenvolve relações mais próximas com a África, pelo que ficou conhecido por atlantismo, ou seja, pela facilidade logística que o oceano Atlântico Sul proporciona para a exportação de alimentos e maquinários ao continente, assim como para a exploração de petróleo, mineração em geral e construção cívica nestes países.  A partir do governo Lula, foram estabelecidas amplas integrações em programas sociais - como o programa Fome Zero-, culturais e educacionais para qualificar/especializar a mão de obra local e, semelhante a China, o Brasil ofereceu aos países africanos 80% de perdão das dívidas (Agência Senado; 2016. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/09/13/cae-aprova-perdao-de-dividas-de-paises-africanos>). O Soft Power brasileiro, sendo mais atrativo pela amplitude cultural, foi essencial para criar um cenário positivo de cooperação.
Aproximadamente quatro anos após o estabelecimento do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), foi criada a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), por onde, em 2012, as relações sino-brasileiras começaram a ser tratadas como uma “Parceria Estratégica Global” (ITAMARATY; 2019. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-pais/4926-republica-popular-da-china>), uma vez que os dois países tinham assuntos para tratar em suas reuniões sobre mercados de interesse comum, em especial a África, momento em que firmaram também o Plano Decenal de Cooperação (2012-2021) pelo qual, entre outras tratativas, discorrem sobre cooperações tecnológicas.

CONCLUSÕES
A China encontra-se na situação de país semiperiférico e, portanto, pendendo entre o centro e a periferia, sendo constatada a sua busca em sobressair na influência internacional a partir de arranjos abrangentes e em longo prazo, com iniciativas econômicas, geopolíticas e de Soft Power, focando no investimento em setores estratégicos de países periféricos - como a maioria da África -, tais como: área financeira, de infraestrutura e de mineração. Entretanto, a partir existência de demais países na mesma situação de semiperiferia e também longe da imagem de ex-colonizador, é criada uma nova esfera de disputas por predominância que coloca o Brasil - assim como, por exemplo, os demais países do BRICS, com potencialidades político-econômicas - a intentarem a “ascensão pacífica” - termo chinês cunhado em 2003, posteriormente mudado para “desenvolvimento pacífico” para adequar-se a ideia de cooperação ao invés de dominação (MENEZES, Gustavo Rocha de; 2013, p. 46).
As relações do Brasil com a África são mais voláteis, em detrimento a China, pela semelhança cultural e por conta dos variados investimentos sociais feitos pelo país em território africano. Tendo potencial estratosférico de influência no continente, o país deve ater-se a este fato, aumentando a promoção destinada a empresas brasileiras, por intermédio de orgãos como a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), para que investimentos privados sejam estabelecidos na África, acrescidos aos investimentos diretos e aportes de capitais do Estado, e também promovendo o intercâmbio/transferência de profissionais qualificados para desenvolver estes negócios nacionais na África, medida esta que poderia significar um impacto positivo para amenizar o desemprego especializado a profissionais com ensino superior, até mesmo mestres e doutores, que sobram no Brasil e que faltam na África.
Além disso, verificou-se a necessidade do Brasil estreitar a boa relação diplomática com a China para amenização de possíveis disputas bilaterais e desenvolver iniciativas multifacetárias para além da exportação de commodities, criando mais debates voltados a troca tecnológica, uma vez que é a tecnologia a responsável por agregar valor ao produtos nacionais para exportação. O êxito das relações sino-brasileiras, dependerá também do país afastar-se da influência de possíveis sanções retaliadas da disputa entre China e Estados Unidos, mantendo-se neutro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Expresso. PARTIDO COMUNISTA DA CHINA: ÁFRICA MINHA. 2017. Disponível em: https://expresso.pt/internacional/2017-11-26-Partido-Comunista-da-China-Africa-minha
Agência Espacial Brasileira. PLANO DECENAL DE COOPERAÇÃOO ENTRE O GOVERNO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL E O GOVERNO DA REPUBLICA POPULAR DA CHINA. 2012. Disponível em: http://www.aeb.gov.br/wp-content/uploads/2018/01/AcordoChina2012.pdf
Agência Senado. CAE aprova perdão de dívidas de países africanos. 2016. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/09/13/cae-aprova-perdao-de-dividas-de-paises-africanos
ITAMARATY. REPÚBLICA POPULAR DA CHINA. 2019. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-pais/4926-republica-popular-da-china
MENEZES, Gustavo Rocha de. As novas relações sino-africanas: desenvolvimento e implicações para o Brasil. 1º edição. Brasília: FUNAG. 2013
NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Brasil e ONU divulgam iniciativas de cooperação que levaram o Fome Zero para a África. 2016. Disponível em: https://nacoesunidas.org/brasil-e-onu-divulgam-iniciativas-de-cooperacao-que-levaram-o-fome-zero-para-a-africa/
OBSERVATORY OF ECONOMIC COMPLEXITY (OEC). China. 2017. Disponível em:  https://oec.world/en/profile/country/chn/
SAIS CHINA AFRICA RESEARCH INITIATIVE (SAIS-CARI). DATA: CHINESE WORKERS IN AFRICA. 2017. Disponível em: http://www.sais-cari.org/data-chinese-workers-in-africa
SPEKTOR, Matias. NEDAL, Dani. O que a China quer?. 1º edição. Rio de Janeiro: Editora FGV. 2010.
WORLDOMETERS. Africa Population (LIVE). 2019. Disponível em: https://www.worldometers.info/world-population/africa-population/

Um comentário:

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