Resenha crítica apresentada na disciplina de Teoria das Relaçoes Internacionais I, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon.
* Por: Barbara Moraes
Kenneth Waltz (1924 – 2013)
revolucionou as teorias sobre Relações Internacionais em 1979 com a obra “Theory
of International Politics”, que, com a ascensão do behaviorismo, muda o
paradigma reducionista de autores como Morgenthau ao apresentar uma teoria sistêmica
sobre a política internacional, a que se chamou de Realismo Estrutural ou
Neorrealismo.
O autor traz um modelo
hipotético-dedutivo inspirado na teoria microeconômica, visando abranger as
causas ao nível internacional e não apenas a nível individual ou nacional, o
que não acontecia até então. Assim sendo, Waltz afirma que para construir uma
teoria de Relações Internacionais é necessário enxergar esta como um domínio
específico, estudando suas regularidades para desenvolver uma forma de explicar
as mesmas.
Em sua obra, o teórico
constantemente explicita seu desenvolvimento epistemológico, que se torna
demasiado importante ao definir o conceito de estrutura. Waltz enxerga a
estrutura como um conjunto de condições constrangedoras, que atuam como um selecionador
e que se concentra na disposição e na organização das unidades.
Salienta entretanto a facilidade
com que os teóricos permitem que atributos e interações influenciem a teoria
que estão desenvolvendo. Dessa forma, Waltz afirma que a estrutura deve ser
definida independentemente de questões como ideologias, líderes políticos,
instituições econômicas e sociais, tradições, objetivos, desejos, formas de
governo, legitimidade de um governo assim como as relações que ele estabelece,
sejam elas militares, políticas, culturais e assim por diante.
A estrutura é portanto uma
abstração e expressão da disposição de unidades justapostas, combinadas de
diferentes formas e produzindo resultantes distintas. Estas são apenas
indiretamente influenciadas pela estrutura, que afeta os comportamentos das
agências dentro do sistema de duas formas: pela competição e socialização. A
primeira reside na premissa básica de direcionar as políticas de governo para
obter as maiores vantagens possíveis, enquanto a segunda marginaliza ou
sanciona aqueles que não seguirem os padrões de comportamento aceitáveis, que
gradativamente foram instaurados no sistema internacional e que seguem o seu
princípio ordenador.
Princípio ordenador,
diferenciação da unidades do sistema e distribuição das amplitudes de suas
capacidades são os três eixos que sustentam e caracterizam a estrutura.
Partindo de uma análise interna, nacional, de um sistema centralizado e
hierárquico com relações de superioridade e subordinação até o sistema
internacional, constantemente chamado de “política na ausência de governo” e
caracterizado pelo autor como um meio anárquico, aonde as unidades visam
essencialmente assegurar a sua sobrevivência no meio.
A preocupação com a manutenção de
sua existência dos Estados deriva do caráter de insegurança vigente. O
princípio ordenador é o da auto-ajuda, ou seja, baseada nos interesses próprios
de cada Estado, que variam desde ficar em paz até dominar o mundo.
A diferenciação das unidades pode
ser sintetizada na ideia de que a política internacional consiste em unidades
diferenciadas desempenhando funções específicas parecidas. Em primeiro lugar, é
necessário deixar a ressalva de que os Estados não são os únicos atores da
estrutura, mas são os mais importantes. Atores não-estatais, atividades
transnacionais, a incapacidade dos Estados de controlar o seu ambiente de ação
são variáveis que influenciam, mas que não são consideradas, pois, como afirma
Waltz, toda teoria parte de uma assunção, e neste caso é de que apenas os
Estados são unidades. Tais unidades estabelecem relações de coordenação –
impostas pela anarquia – que implicam em sua semelhança. Tal semelhança é
decorrente nas tarefas que os governos enfrentam e quais os fins que aspiram,
mas diferem nas capacidades que desempenham essas tarefas.
Estabelecido que as diferenças
entre as unidades são de capacidade e não de função, a distribuição de tais
capacidades é o terceiro e último ponto de caracterização das estruturas.
Embora as capacidades sejam atributos das unidades, a distribuição delas não o
é. Sua importância diz respeito á um relevante tema abrangido pelos realistas:
o poder.
Apesar de não ser o foco do
autor, o poder aparece indiretamente em suas assertivas quando explica por que
vivemos em uma situação de anarquia e não de hierarquia. No primeiro sistema,
as unidades semelhantes cooperam, são funcionalmente similares e tendem a se
manter assim, mas a cooperação é limitada pelo fato de que um Estado sempre se
preocupa com a divisão dos ganhos de forma a favorecer a si e com o aumento de
sua dependência em relação a outros países. Este último fator é um forte
empecilho, pois em um sistema hierárquico, as unidades diferentes interagem,
são diferenciadas e tendem a aumentar a extensão de sua especialização, pois
não precisam temer o aumento da interdependência uma vez que o domínio está
formalmente organizado.
Em outras palavras, o bem estar
mundial seria cada vez maior se a divisão do trabalho fosse mais desenvolvida,
pois a especialização faz com que os Estados interajam mais, criando conexões
de caráter de cooperação mútua, fazendo com que seus esforços e gastos voltados
para a sua segurança e tentativa de assegurar sua sobrevivência fossem voltados
para uma finalidade comum. O problema é que os Estados são colocados em uma
situação cada vez maior de estreita interpendência e sabe-se que tais atores
procuram controlar ou diminuir aquilo de que dependem ao máximo, pois
dependência pode resultar em diminuição de autonomia ou em inferioridade
econômica, tornando o Estado vulnerável.
Mas então como resolver a tensão,
a dicotomia entre perseguir os próprios interesses e agir pelo bem do sistema?
Em primeiro lugar, os Estados atuam no sistema devido a um forte sentido de
risco e aniquilação, fazendo-os pensar que fins devem ser alcançados. Para que
uma ação efetiva de fato ocorra, devem existir meios e condições que permitam
as nações e outras organizações a seguir políticas de estratégias apropriadas.
O problema não reside na estupidez ou na má vontade, mas de uma desordem que
está estabelecida pelo princípio ordenador de auto-ajuda.
Dessa forma, para mudar a
estrutura, é necessário substituir o princípio vigente por outro, que
resultaria na mudança de sistema, ou, ainda, em casos de variação na
distribuição da capacidade das unidades, que mudariam o interior do sistema.
Entretanto, é um sistema engessado pelo apego dos Estados á sua soberania e á
balança de poder, que só mudam o sistema de fato que ascende uma nova potência
ou uma grande se esvai, alterando a distribuição de poder para bipolar ou
multipolar.
No capítulo do seu livro
referente ás ordens anárquicas e as balanças de poder, Waltz compara como
funciona o domínio nacional, comparando-o com o internacional. O primeiro é um
sistema variadamente descrito como hierárquico, vertical, centralizado,
heterogêneo, dirigido e idealizado, com o domínio da autoridade, da
administração e da lei, as relações são de certa forma estabelecidas e a força
de um governo é exercida em nome do direito e da justiça e quando uma força é ameaçada
contra um governo, todo o sistema político é ameaçado. Internacionalmente, a
força de um Estado é empregue para sua própria vantagem e proteção, suas
relações de autoridade resultam das relações de força e o uso desta não ameaça
o sistema como um todo, apenas alguns de seus membros. É um domínio do poder,
da luta, da acomodação. É anárquico, horizontal, descentralizado, homogêneo,
não dirigido e mutuamente adaptável, segundo o autor.
Com um sistema internacional com
tais características, anarquia é a mais adequada definição. Para sobreviver,
alcançar seus objetivos e manter a sua segurança os Estados devem confiar nos
meios que possuem e nos acordos que fazem com outros governos. O princípio que
rege esse sistema é o mesmo que o une e que o divide, assim como o uso da
guerra e da força. Esta como sendo a primeira, constante e ultima ratio,
a instabilidade do sistema sempre estaria baseada em uma linha tênue, mas, a
força e principalmente a guerra acabam possuindo um caráter de contenção, uma
vez a possibilidade constante de que a primeira será usada limita as
manipulações, modera as exigências e serve como um incentivo para a resolução
de disputas, pois trazem a razoabilidade e a reiteração de que muitas vezes os
ganhos não valem os riscos.
Em síntese, a anarquia é o
sistema vigente, este é formado pela estrutura, uma ideia abstrata que
seleciona aqueles que seguem seu paradigma, constrangendo os demais através de
recompensas e penalizações até as unidades se adaptarem a ela. Os Estados
cooperam mesmo que de forma limitada pois tendem sempre a delinear suas
políticas de acordo com suas necessidades, interesses e fins, normalmente
egoístas – mas não desenvolve essa ideia da mesma forma que os realistas. A
estrutura é definida por três eixos: princípio, funcionalidade e distribuição
de capacidades, aonde apenas primeira e a última possuem capacidade de alterar
o sistema, mas o autor enfatiza que deve ser de forma agressiva ao dizer que
“remédios para efeitos estruturais fortes são mudanças estruturais fortes”.
Logo, a hierarquia é “descartada”
por seu caráter utópico. Altos custos, dificuldade de um líder, de homogeneizar
o mundo, que inevitavelmente se dividiria em seitas e resultaria em uma guerra
civil mundial e assim por diante. Não é interesse dos Estados desenvolver os
critérios para tal sistema uma vez que devem priorizar um interesse comum sobre
o seu. Devem estabelecer relações de interpendência com uma alta divisão do
trabalho em um sistema competitivo e desconfiado, em uma relação de amor e ódio
com a balança de poder.
A teoria da balança de poder
retrata apenas os resultados produzidos pelas ações descoordenadas dos Estados,
em uma estrutura guiada pela auto-ajuda, pelos interesses próprios, aonde quem
não faz parte é excluído, sancionado ou dominado sem nenhum
agente fiscalizador superior, que
auxilie o mais fraco ou interfira nos instrumentos usados, que incluem até
agências para constranger outras unidades.
Comentário
Pós autores idealistas como
Angell e realistas como Carr e Morgenthau, Kenneth Waltz muda a perspectiva das
Relações Internacionais. Pode-se dizer que essa grande mudança se baseia no
desenvolvimento epistemológico do autor, uma vez que aponta diversos erros de
autores passados, desde aqueles que tentaram definir a balança de poder até a
base da construção da teoria – se eram reducionistas ou não.
O fato de Waltz abranger questões
internacionais e abrangentes, diminuindo a relevância de uma análise em grau
nacional, inova completamente a forma de enxergar as RI. Tenta- se se abstrair
de todos os atributos e interações para de fato atingir uma teoria pura,
estrutural e geral, que fosse capaz de representar e explicar o sistema de
forma objetiva.
O autor não estabelece quais são
os princípios que regem o sistema internacional ou potencializa o poder como
fim e instrumento nas relações políticas, mas de fato fraciona o sistema em
três partes – ele em si, estrutura e unidades – para então compreender o seu
funcionamento e de que forma uma organização anárquica com uma estrutura baseada
em interesses próprios direciona as ações dos Estados e dos líderes, e não
vice-versa.
Mesmo com certos vazios
conceituais, Waltz é um autor genial. Ele enxerga o sistema político
internacional da forma que é e como deveria ser de uma forma muito pragmática.
Ele visa abster de sua teoria todas as influências uma vez utilizadas por
teóricos: Norman Angell com um foco econômico e Morgenthau na ideia de poder.
Quando se tenta criar uma teoria
a partir ou focando em uma única assunção ou considerando uma única variável,
têm-se ótimas teorias mas com um baixo grau de generalidade, uma vez que todo o
raciocínio é construído a partir daquela premissa, pois por exemplo, nem todos
os Estados são movidos apenas pela economia ou apenas pelo poder, é uma soma de
fatores internos que ainda é muito influenciado por questões externas, como os
constrangimentos feitos pelo sistema internacional, um fator ainda não ou pouco
mencionado nas teorias anteriores.
Devido ao fato de ser uma ciência
recente, as Relações Internacionais e suas teorias explicativas ainda estão em
construção, mas, com certas ressalvas, o realismo estrutural foi revolucionário
ao tratar o sistema internacional como um sistema em si, e não como produto ou
soma de ações e objetivos internos, nacionais. É algo muito relevante pois nos
permite pensar não apenas como o sistema funciona de fato, quais seus
problemas, por que não consegue evoluir, quais são suas características,
finalidades... Abrindo espaço para novas explicações, mais analíticas na estrutura
e não nas unidades.
WALTZ, Kenneth N. Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: Editora Gradiva, 2002.
* Barbara Moraes: estudante do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
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