Artigo apresentado na disciplina de Análise em Politica Externa e Relações Internacionais, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon. As opiniões apresentadas no artigo não representam o posicionamento da instituição, mas sim do(s) autor (es) do artigo.
* Richard Gomes
A Alemanha parece ter
ido à contra mão em relação aos outros países europeus no que se refere na
condução de sua política externa. Enquanto todos os países vêm adotando
posturas protecionistas quanto suas fronteiras frente ao problema dos
refugiados da guerra da Síria, a Alemanha em contrapartida adotou uma medida de
abertura de suas fronteiras e ajuda aos refugiados desde o ano de 2015. Claro
que essa atitude não é um ato de benevolência e amor ao próximo por parte do
governo alemão, essa postura está carregada de interesses inerentes da política
externa alemã. A chamada “Die neue
deutsche Aussenpolitik” (A nova política externa alemã), que fora adotada
no ano de 2015 pela a chanceler Angela Merkel e o ministro das relações
exteriores Steinmeier, é uma política carregada de valores intrínsecos voltada
para os interesses do governo alemão de manter as fronteiras na Europa abertas.
A razão principal de a política
externa alemã prezar pela a abertura das fronteiras na Europa é porque a
Alemanha é um dos maiores beneficiários (se não o maior) do Tratado de
Schengen, que visa dentre de sua formulação a implementação de políticas comuns
no tocante a concessão de vistos, asilo, imigração e circulação de bens e
pessoas dentro dos países signatários. A Alemanha é a maior economia da Europa
e um grande exportador de mercadorias, portanto é vital para a economia alemã a
manutenção da abertura de fronteiras nos países europeus. Fator que começou a
ser ameaçado a medida que o conflito na Síria eclodiu e a crise dos imigrantes
começou a se mostrar uma ameaça aos países europeus.
Seguindo
a lógica da postura da politica externa alemã, fica evidente a real necessidade
da manutenção de um apoio tanto interno (atores nacionais) quanto externo dos
países europeus integrantes do bloco. Porém, essa manutenção se tornou uma
difícil tarefa para essa nova política externa, a posição natural por parte dos
países foi de recuo tomando medidas protecionistas de fechamento de fronteiras
trazendo o surgimento e fortalecimento de partidos de extrema direita, com o
velho discurso; “precisamos proteger
nossas nações dos estrangeiros, vagabundos e meliantes!”. Não somente a
crise dos refugiados contribuiu para que essa postura protecionista viesse a
tona, a crise na Grécia e o seu seguido endividamento, a crise da Criméia, a
luta contra o Estado Islâmico, os atentados terroristas na França, Bélgica e
Alemanha foram fatores determinantes que contribuíram para que os países
europeus temessem suas fronteiras abertas e seguissem para uma postura mais
conservadora, receosa e protecionista. Não deixando de citar também o “Brexit” realizado pelo o Reino Unido,
que viria a ser ratificado pela a população, consolidando assim o seu desejo de
se retirar do bloco da União Europeia.
Porém,
mesmo com todo esse panorama catastrófico, a chanceler Angela Merkel tomou
políticas de austeridade abrindo as portas do país para os imigrantes e
financiando a ajuda à países como Síria e Iraque com uma quantia de
aproximadamente de 140 milhões de Euros. Claro, que essa postura fez com que a
politica externa alemã enfrentasse uma forte oposição e críticas tanto interna
quanto externa. A oposição interna girava em torno principalmente da ameaça que
os imigrantes poderiam trazer ao país, pautando um futuro incerto para os
alemães de “bem”. A iniciativa privada temia muito sobre o impacto que esses
imigrantes poderiam trazer à economia alemã, temendo principalmente altos
índices de criminalidade no país. A crítica externa, entretanto partiu
principalmente por parte da mídia anglo-saxônica, alegando que Angela Merkel
estaria no mínimo “fora de seu juízo” ao adotar uma política externa de
abertura e acolhimento aos imigrantes. Os países do bloco da União Europeia
pareciam não entender direito a atitude do governo alemão, assistiam atônitos.
Desta
forma, podemos analisar esse contexto da política externa alemã através da
perspectiva dos jogos de dois níveis elaborada pelo o autor Robert Putnam. Da
qual analisa o padrão de comportamento das negociações internacionais mapeando
as pressões no panorama de negociação interno e internacional. Fica evidente
que as interações no nível doméstico são capazes de alterar os níveis da
cooperação internacional, esses níveis de cooperação são divididos entre Nível
I e Nível II, dos quais o Nível I é o nível de barganha dos negociadores no
âmbito internacional e o Nível II são as discussões na esfera doméstica do país
a fim de se ratificar os acordos em pauta levando desta forma a discussão ao
Nível I, ou seja, ao plano internacional. Com esses elementos da teoria dos
jogos se caracterizam os “Win Sets”,
que são os conjuntos de posições negociadas no plano doméstico para se negociar
no plano internacional, ou seja, negociações do Nível II para o Nível I. Uma
discussão com um Win Set Maior simboliza
que se obteve sucesso nas negociações na esfera doméstica com um alto grau de
aprovação por parte dos atores internos, portanto esse negociador terá mais
facilidade de barganha e levar a discussão para o plano internacional. Todavia
um Win Set Menor simboliza em
contrapartida um fraco apoio na esfera doméstica, o que faz com que o
negociador tenha grandes dificuldades de levar as negociações ao Nível II
(plano internacional), obtendo assim uma fraca coalizão de apoio internacional
por parte dos países.
Não
é difícil de imaginar que o apoio dos atores no âmbito interno da Alemanha era
mínimo, envolto por uma suspeita de que teriam mais a perder do que a ganhar
com essa postura. Esse repúdio não partia somente dos atores internos como
empresas, membros políticos e o setor das indústrias, mas sim também havia uma
forte reprovação a essa abertura das fronteiras por parte da sociedade civil. Por
esse motivo, portanto as discussões na esfera doméstica acerca do consentimento
de nível II eram heterogêneas. A chanceler Angela Merkel enfrentou uma forte
oposição no âmbito doméstico, o que a deixou um baixo poder de barganha
precisando desta forma, apontar para os benefícios (mesmo que não fossem
muitos) que essa medida traria ao país e aos alemães. Entretanto, mesmo assim o
discurso da chanceler permanecera sem apoio interno, o que acarretou no Win Set
Menor, esse panorama fora agravado com o baixíssimo apoio internacional por
parte dos países integrantes da União Europeia.
Então
é normal de se perguntar por que Angela Merkel trilharia na escolha de uma
politica externa tão controversa e com tão pouca aprovação, a explicação talvez
possa estar pautada nas unidades de análise onde é a perspectiva da qual tal
comportamento pode ser explicado “decisão por decisão” como elementos unitários.
Autores como Clarke e White alegam a necessidade de avaliar a identidade da
unidade decisória como unitária ou desagregada. Sendo assim a noção de um
sistema complexo de ações “foreign policy
system approach”, onde os inputs
são as “ações” em seu teor embrionário, contextos ou acontecimentos que
influenciam o processo de decisão e os outputs
que são as ações consolidadas, são as ações efetivamente tomadas pelo o Estado
no plano internacional. Esse sistema de inputs e outputs é definido pela a demanda,
pelas as necessidades do Estado, do qual filtrará os seus interesses
fundamentais e as demandas das instituições, atores, empresas e grupos de
interesse na questão em julgamento formulando desta forma o input (ou seja,
formulando uma ação a ser tomada para defender seu interesse).
No
caso da Alemanha é evidente que a manutenção das fronteiras da Europa abertas
era de interesse fundamental para as empresas e multinacionais que exportam
mercadorias, bens e serviços. Desta forma pode-se entender a formação do input exigindo uma postura da politica
externa do país a fim de se defender a manutenção das fronteiras abertas e uma
posição de dialogo perante a crise dos refugiados. Pois se a Alemanha fosse
tomar a mesma postura dos seus países vizinhos, de protecionismo e fechamento
de fronteiras com medo de uma invasão generalizada de imigrantes provindos de
uma nação subdesenvolvida. Com a crença de que seu país fosse “contaminado”
isso seria “um tiro no pé” da sua própria economia que depende intrinsecamente
do tratado de Schengen no que tange na livre circulação entre os países do
bloco.
Outro
fator que contribuiu para a formação de um input
favorável aos imigrantes é a atual realidade da população civil alemã, desde os
anos 2000 é evidente o decaimento de natalidade dos casais alemães. O custo de
vida alto, e as dificuldades que um jovem casal alemão enfrenta para poder
prover um filho está fazendo com que eles optem por não terem filhos. Isso
inevitavelmente acarreta automaticamente para o envelhecimento da população
economicamente ativa, o que faz com que o país tenha escassez de mão de obra
qualificada e uma alta carga previdenciária causando um forte desequilíbrio na
sua balança econômica. Olhando por este esse prisma fica evidente o oportunismo
e os benefícios que os imigrantes da Síria poderiam trazer para a Alemanha.
Pois a maioria deles são casais com filhos pequenos, isso em longo prazo viria
a suprir a demanda da Alemanha por mão de obra qualificada, desafogando o país
de um problema que parecia estar aparentemente sem solução no momento. Olhando
por este prisma, isso pode ser usado como argumento de explicação para as
diversas politicas de facilitação e relaxamento de leis para asilo adotadas
pelo o governo alemão. Pacote de leis que viriam para integrar os refugiados
com reais possibilidades de permanência no país o mais rápido possível, nesse
intuito foi criada uma cédula de identidade especialmente para os refugiados.
Da qual consta o nome, data de nascimento, lugar de nascimento e nacionalidade,
além de outras informações, acelerando desta forma o processo de requerentes de
asilo.
Claro
que as consequências dos outputs das
ações tomadas pela a politica externa alemã já deram resultados, em sua grande
maioria em teor negativo. Em 2017 calcula-se a entrada de por volta de mais de
um milhão de refugiados no país, por isso é natural que haja acusações
principalmente por partidos da oposição ao governo da chanceler Angela Merkel.
Como por exemplo, o partido da União Social Cristã (CSU) da Baviera, que acusa
Angela Merkel e sua política de abertura de fronteiras a refugiados, ser a
única responsável pelos os ataques terrorista ocorridos no país. Esse panorama
de violência não se delimita apenas vindo por parte dos imigrantes, mas sim
também eles são vitimas de ataques provindos de grupos de militantes de extrema
direita, que ateiam fogo em refúgios lotados de mulheres e crianças, violentam
e matam imigrantes. Por conta deste panorama, partidos de extrema direita vêm
ganhando muita força e adeptos dentro da população civil que começam a associar
os problemas sociais aos refugiados. Isso não somente na Alemanha, mas na
Europa inteira percebe-se uma ascensão de posturas conservadoras,
protecionistas e excludentes, defendidas por partidos de extrema direita. Se
olhar para isso a longo prazo pode-se esperar um contexto um tanto preocupante
na Europa, no que tange a sua integração e exercício da plena democracia e
liberdade que tanto fora difundida pela a União Europeia com o discurso de; “Trabalhando em prol de uma Europa sem
fronteiras!”
Entretanto não podemos negar a visão e postura
adotada pela a política externa alemã, que visando os interesses inerentes do
setor doméstico adotou uma posição calculista e controversa, sem um apoio
efetivo que pudesse dar legitimidade de ação no momento. Lógico, se Angela
Merkel e o ministro das relações exteriores Steinmeier estavam pensando a longo
prazo ao formular essa postura, eles tinham total ciência de que com os
benefícios que essa política externa poderia trazer, ela traria também as suas
consequências. Desta forma, as consequências serão de ter que conviver com
críticas e acusações por todo e qualquer problema que possa ser associado à
manutenção de sua política externa. Independentemente se essa postura trazer um
real beneficio ou avanço para a Alemanha eles sempre serão taxados como aqueles
que abriram as portas da Alemanha.
A
posição da Alemanha dentro deste contexto pode-se também ser perfeitamente
encaixada no modelo burocrático-organizacional, do qual é o modelo de política
racional que delimita as ações do Estado em sua política externa. Com um viés
realista e oportunista o Estado alemão não deixou de analisar suas opções de
ganhos e perdas e escolher o melhor método de ação compreendida na defesa de
seus interesses inerentes no plano internacional. Se a abertura das fronteiras trará
os resultados esperados pelas as grandes organizações alemãs isso ninguém pode
afirmar, mas uma coisa é certa, logo o Estado alemão saberá se a relação
custo-benefício de sua posição burocrática organizacional será proveitosa ou um
grande fiasco.
REFERÊNCIA
BIBLIGRÁFICA:
FIGUEIRA, Ariane
Roder. Introdução à analise de politica externa. Vol. 1 - Col. Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2011.
SITES CONSULTADOS:
Opinião: Política
externa alemã se tornou mais atuante. Disponível em: <http://www.dw.com/pt-br/opini%C3%A3o-pol%C3%ADtica-externa-alem%C3%A3-se-tornou-mais-atuante/a-18944423> Acesso em: 01 abril. 2017
Deutsche Außenpolitik versagt an fast allen Fronten. Disponível em: <https://www.welt.de/politik/ausland/article153085282/Deutsche-Aussenpolitik-versagt-an-fast-allen-Fronten.html> Acesso em: 01 abril. 2017
Das gefährliche Problem der deutschen Außenpolitik. Disponível em: <https://www.welt.de/politik/deutschland/article150198763/Das-gefaehrliche-Problem-der-deutschen-Aussenpolitik.html> Acesso em: 01 abril. 2017
Deutsche Außenpolitik. Viel Wille, wenig Macht. Disponível em: <http://www.tagesspiegel.de/politik/deutsche-aussenpolitik-viel-wille-wenig-macht/12486778.html> Acesso em: 01 abril. 2017
* Richard Gomes: estudante do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
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