O líder sírio Bashar Al-Assad e o presidente russo Vladimir Putín
Resenha do debate ocorrido no último dia 13/09 no Mini-Auditório do UNICURITIBA sobre a crise síria
No dia 13 de setembro alunos e
professores do curso de Relações Internacionais assistiram a um debatesobre a
crise na Síria que contou com a presença dos Professores Andrew Traumann,
George Sturaro e Thiago Assunção e a Professora Jannifer Zarpellon como
mediadora. O conflito sírio foi analisadopelos Professoressob diferentes
perspectivas e de acordo com a especialidade de cada um.
O Prof. Andrew
explicou as origens históricas do conflito sírio que não é recente; o pai de
Bashar al-Assad (atual presidente sírio), Hafez al-Assad, assumiu a presidência
da Síria em 1971. O Presidente alauíta (seita do Xiismo, privilegiada durante o
colonialismo francês), treinado na União Soviética, era partidário do nacionalismo
e secularismo árabe e defensor do pan-arabismo. Hafez al-Assad foi também o
Secretário Geral do partido Ba’ath na Síria, que possuía como lema a união, a
liberdade, contra o imperialismo europeu, e o socialismo, em termos de governo
e sociedade mais igualitários e distantes do imperialismo hegemônico dos
Estados Unidos. A partir da década de 1980, o contexto de antiamericanismo se
intensificou na Síria: o país passou a ter relações mais fortes com a União
Soviética, principalmente durante a Guerra do Líbano. A guerra dos seis dias na
Jordânia complicou ainda mais o cenário no Oriente Médio: houve um aumento no
fundamentalismo islâmico e uma busca maior de soluções na própria religião
islâmica ao passo que seus adeptos estavam cansados de importar ideologias
ocidentais para as suas realidades.
É nesse contexto que Hafez al-Assad
reafirma seu poder dentro da Síria, após a tentativa fracassada da Irmandade
Muçulmana (organização fundamentalista islâmica) em matar o presidente, e
prepara a sua sucessão. Bashar al-Assad assume a presidência após a morte do
pai, em junho de 2000,e implementa medidas (privatizações, bancos privados, abertura
da imprensa, a internet) visando a
abertura econômica do país, porém o quadro interno na Síria muda após o ataque
às Torres Gêmeas,em Nova York em setembro de 2001, e o país é praticamente
colocado no “eixo do mal” pelos Estados Unidos que acusou Bashar al-Assad de
apoiar o terrorismo. A partir de então a situação política, econômica e social
da Síria apenas se agrava; a pressão e embargo econômico impostos pelos Estados
Unidos, além de secas que atingiram o território sírio e o aumento do êxodo
rural e do desemprego contribuíram para a escalada da insatisfação popular e
manifestações contra o governo de al-Assad, das quais foram intensificadas com
a Primavera Árabe (2010).
Acredita-se que grande parte dos rebeldes que lutam
contra Bashar al-Assad pertecencem à organização fundamentalista islâmica, Al
Qaeda, ou são mercenários e grupos guerrilheiros financiados pela Arábia
Saudita. Do outro lado da guerra, a Síria e o Hezbollah (ambos Xiitas) são o
eixo de resistência à hegemonia dos Estados Unidos. O Prof. Andrew argumenta
que em meio a esse conflito, não é possível afirmar seguramente quem realizou o
ataque químico, do dia 21 de agosto, nos arredores de Damasco. Poderia ter sido
a resistência a fim de chamar a atenção dos Estados Unidos ou até mesmo o
próprio Assad para mostrar sua força aos estadunidenses, indaga o Prof. Andrew.
Uma peça, no entanto, é clara nesse quebra-cabeça: o papel e interesse dos
Estados Unidos em desgastar tanto a Al Qaeda quanto o Irã.
O Prof. George,
com enfoque em política internacional, explicou que há duas questões chaves
quanto aos possíveis desdobramentos do conflito sírio: a primeira é a
possibilidade de intervenção dos Estados Unidos no conflito e a segunda a
proposta russa para a resolução do impasse criado quanto ao uso de armas
químicas.Ação militar limitada por parte dos Estados Unidos, proposta pelo
Presidente estadunidense, Barack Obama, incluiria a imposição de uma zona de
exclusão aérea para a Síria, assim como, a destruição seletiva de alvos
militares ou governamentais sírios, operações que se enquadrariam na intervenção
estratégica que tem por objetivo a contenção ou a neutralização de uma ameaça. Essa
retaliação limitada poderia evitar a criação de um precedente perigoso, ou
seja, enviaria uma mensagem das consequências para aqueles que no futuro
desejassem utilizar armas químicas dissuadindo, portanto, o uso dessas. Por
outro lado, uma ação militar limitada provavelmente aumentaria o
antiamericanismo na região devido ao risco tangível de haver mortes civis,
assim como, a possibilidade de escalada e transbordamento do conflito
perdendo-se o controle desse, explica o Prof. George. Se os Estados Unidos
decidissem adotar uma “política de apaziguamento” na Síria, esses estariam
preservando sua imagem internacional ao passo que uma retaliação limitada
violaria Direito Internacional e a Carta das Nações Unidas na qual a
intervenção só é permitida no caso de legítima defesa. Em contrapartida, a
escolha estadunidense em não intervir na Síria poderia emitir um sinal de que o
uso de armas químicas é tolerável concedendo a oportunidade de essas serem
utilizadas contra os Estados Unidos em um conflito. A “política de
apaziguamento” comprometeria também a credibilidade dos Estados Unidos perante
seus aliados regionais (Israel e Arábia Saudita), abalando, em longo prazo, a
sua segurança e o seu sistema de alianças.
No que diz respeito à
segunda questão, o Prof. George explicou que a proposta russa à Síria, em
permitir o acesso de inspetores internacionais ao arsenal de armas químicas e o
seu desmantelamento, é interessante e mudaria todo o cálculo estratégico dos
Estados Unidos, pois esvaziaria a necessidade e o significado de uma
intervenção por parte desses. No entanto, tal proposição deve vir apoiada por
uma cláusula punitiva havendo a garantia de seu efetivo cumprimento, ou seja,
se armas químicas forem encontradas e Assad não entregá-las, está permitida a
intervenção estratégica dos Estados Unidos. Quanto ao papel da ONU (Organização
das Nações Unidas), em sua Carta, a organização se compromete a proteger
obrigatoriamente os direitos humanos internacionalmente. No entanto, de acordo
com o Artigo 7º da Carta, a ONU não pode intervir em assuntos de jurisdição
interna de Estados, salvo na hipótese de ameaça à paz internacional. Uma vez
que o conflito ainda não constitui uma ameaça à paz internacional, pois não
houve o seu transbordamento, iniciativas por parte das Nações Unidas ficam
paralisadas, argumenta o Prof. George.
Com uma
perspectiva em Direito Internacional e Direitos Humanos, o Prof. Thiago
explicou que há uma ampla gama de interesses e sentimentos envolvidos por parte
do governo e da sociedade estadunidenses em relação ao conflito sírio. O
Professor colocou questões a serem refletidas, como: se o Presidente Obama era
ferrenho opositor da Guerra no Iraque, por que propôs um ataque militar a
Síria? Teriam os Estados Unidos a legitimidade para atuarem (novamente) como
polícia do mundo? Estudos comprovam que a opinião pública dos Estados Unidos é
totalmente contrária a uma intervenção armada na Síria, porém, ao mesmo tempo,
a indústria bélica é um motor econômico para o país norte-americano e abrange
grande parte da população, o que acaba novamente fragmentando posições acerca da
situação. A Rússia por sua vez demonstrou seu descontentamento no Conselho de
Segurança da ONU quanto à proposta de intervenção dos Estados Unidos; o
Presidente russo, Vladimir Putin, defendeu que um ataque militar à Síria, mesmo
sendo limitado, poderia reavivar e intensificar o antiamericanismo na região,
sentimento que corre o risco de ser estendido em relação aos aliados dos
Estados Unidos e até mesmo ao Conselho de Segurança.
O Prof. Thiago aponta ainda que
a proposta da Rússia para a crise é uma solução favorável por constituir-se em
uma solução não-militar, porém se Barack Obama comprometer-se em não retaliar
militarmente a Síria e fizer justamente o contrário, isso a implicará na perda de
poder dos Estados Unidos. Caso uma intervenção militar venha a se concretizar,
havendo simultaneamente o respeito ao Direito Internacional, poucas casualidades
e a legitimação da própria intervenção, o conceito de segurança humana deve
estar presente, no qual há a defesa dos direitos humanos e a consideração em
primeiro lugar pelas populações envolvidas, divergindo do conceito clássico de
segurança militar que, por sua vez, coloca em primeiro plano a segurança e
sobrevivência individual dos Estados. O Prof. Thiago indaga ainda quanto à
falta de coerência, do ponto de vista do Direito Internacional, por parte dos
Estados Unidos e Israel em pressionarem a Síria a assinar o Chemical Weapons
Convention (CWC-1993), sendo que Israel não é signatária da convenção e os
Estados Unidos, por exemplo, causaram a morte de milhares de vietnamitas por
armas químicas durante a Guerra do Vietnã. O mesmo professor argumenta ainda que
enquanto o Conselho de Segurança vê seu processo decisório paralisado,
impossibilitando qualquer avanço quanto a uma decisão para a crise na Síria, e
as Nações Unidas são incapazes de conciliar diferenças e agir de forma
realmente unida, tanto o governo de Bashar al-Assad como rebeldes continuam a
cometer diariamente crimes contra a humanidade em território sírio levando a
centenas de milhares de refugiados a países vizinhos.
*Sophia Zaia é aluna do oitavo período de Relações Internacionais do UNICURITIBA.
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