quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Yes, we kill

Por Camilla Hoshino

A confirmação se espalhou rapidamente através das agências internacionais de notícias. De repente, os comentários sobre a realeza postados nas mídias sociais foram dando lugar a uma realidade um pouco mais sombria: se no domingo à noite o mundo foi dormir sonhando com o casamento do príncipe e da plebeia, na Inglaterra, acordou na segunda de manhã festejando a morte do vilão. Ironia ou não, o dólar também amanheceu em alta.


O que chamou a atenção foram as comemorações patrióticas da população norte americana. Centenas de pessoas se reuniram em frente à Casa Branca para festejar a vitória contra o suposto responsável pelos atentados do 11 de Setembro de 2001, que deixou cerca de 3 mil vítimas. “A justiça foi feita”, afirmou Barack Obama durante discurso que anunciou a morte de Osama Bin Laden. O pronunciamento durou cerca de 10 minutos e detalhou a operação que resultou na captura do líder da Al Qaeda, no Paquistão. “A morte de Bin Laden deve ser bem vinda a todos aqueles que acreditam na paz”, declarou o presidente.

Desde a queda das Torres Gêmeas instalou-se um sentimento de vingança por parte da sociedade estadunidense. A posição que um dia havia sido preenchida pelo socialismo soviético dava lugar a outro inimigo comum: o terrorismo e, conseqüentemente, a figura de Osama Bin Laden. Foi um prato cheio para George W. Bush. Nada como uma pitada de medo para reforçar a hegemonia norte americana no cenário internacional. E a mídia contribui de maneira significativa para oficializar esse discurso do governo. Ao agir de maneira nacionalista e imparcial, trouxe uma reflexão a respeito da relevância de atores domésticos nos processos de decisão em política externa. Em 2004, Bush foi reeleito e sua política belicosa continuou sendo legitimada.

O Historiador Eric Hobsbawn (2007), no livro “Globalização, Democracia e Terrorismo”, argumenta que a ameaça por parte de grupos terroristas- de caráter transnacional e que não possuem apoio de setores relevantes da população- à países que possuem regimes estáveis, não justifica uma ação policial internacional.  Apesar de os ataques do 11 de Setembro, em Nova York, terem gerado comoção mundial- principalmente por causa da maneira sensacionalista como foram abordados- eles não afetaram as estruturas internas dos EUA. Hobsbawn ainda ressalta o perigo existente na tentativa de se criar uma nova ordem mundial através do discurso da “disseminação da democracia”, como se uma potência ocidental pudesse proporcionar mudanças sociais significativas através da simples imposição de valores e instituições, em territórios onde um consenso étnico ou religioso está ausente. Sabemos que a presença do exército norte americano no Iraque não gerou soluções estáveis. Mas a mídia percebeu as falhas que havia cometido durante a cobertura dessa guerra, em 2003, e muitos veículos norte americanos, com o medo de perder credibilidade, publicaram pedidos de desculpas.

Durante as disputas eleitorais entre Obama e McCain, em 2007, o posicionamento a respeito da retirada das tropas norte americanas do Iraque deu popularidade aos democratas, garantindo a eleição de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos. A intenção era acabar com a imagem de intolerância que Bush havia construído, assim como com a prioridade de segurança nacional, dando início a uma nova fase da democracia. Foi uma grande eleição, bem no momento em que todos já estavam à espera de um Messias para salvar o país da má reputação. Afinal, aquele menino nascido no Havaí se tornara o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. O grande lema da campanha eleitoral de Obama já representava as expectativas de mudança: “Yes, we can”- Sim, nós podemos. Poderiam mudar sim, mas as mudanças foram tímidas. Contudo, após a declaração da morte de Osama Bin Laden, em maio deste ano, cientistas políticos começaram a analisar os impactos do acontecimento para as próximas eleições dos Estados Unidos e se isso aumentaria as chances de reeleição de Obama.

É difícil saber o que essa morte significou, mas o que ela não significou está bem mais evidente. Segundo o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, as Nações Unidas seguirão em frente na luta contra o terrorismo. Portanto, a morte de Bin Laden não trará o fim das atitudes imperialistas por parte dos Estados Unidos e nem por parte dos membros permanentes do Conselho de Segurança, tampouco será o fim da “guerra contra o terror”, como ressaltou o diplomata sul coreano. Mesmo porque a Al Qaeda nunca foi composta por um homem só. Mas naquele momento surgiu uma dúvida: deveríamos trocar os vestidos de noiva e chapéus esdrúxulos por roupas pretas de velório? Ou todos entrariam fantasiados na mesma festa da democracia?


Behind the scenes – lacunas deixadas pela imprensa e contradições políticas

A informação que faltou à grande parte dos leitores foi a de que Osama Bin Laden e seguidores do Talibã haviam sido treinados pelos Estados Unidos, durante a década de 80- com ajuda da CIA- para lutar contra as invasões soviéticas no Afeganistão

Como alguém de dentro das cavernas pode arquitetar um atentado contra a maior potência do mundo, passando por cima da NORAD (North American Aerospace Defense Command), que monitora o espaço aéreo americano, no estado do Colorado?
Ou ainda, de onde veio o financiamento- que o governo dos Estados Unidos declarou irrelevante- para os atentados do 11 de Setembro? Essas são algumas perguntas dos mais adeptos às teorias da conspiração, como Peter Joseph, diretor norte americano que lançou o filme Zeitgeist, em 2007.

O atual presidente Barack Obama recebeu, em 2009, o Prêmio Nobel da Paz, em Oslo, na Noruega. No mesmo ano, os Estado Unidos estavam envolvidos em duas guerras: no Iraque e no Afeganistão. É importante lembrar que a invasão do Iraque, que teve início em 2003 durante o governo Bush, foi realizada sem o respaldo das Nações Unidas e com o pretexto de que existiam armas de destruição em massa sendo produzidas sob o comando do então ditador Saddam Hussein. Saddam foi enforcado, as tropas do exército continuaram em território Iraquiano e as armas de destruição em massa nunca foram encontradas. Resultado: bilhões de dólares foram consumidos dos cofres públicos norte americanos para financiar a guerra preventiva, aquela que leva um país a atacar o outro, antes que seja atacado. Será que qualquer semelhança entre esse argumento e a doutrina nazista do “espaço vital” é mera coincidência?

“As piores imagens são aquelas que não são vistas pelo mundo”, insistiu Obama durante o pronunciamento sobre a morte de Osama Bin Laden. Mas os espectadores continuarão contentes com aquilo que se limitam a ver. E o final feliz, alcançado por três acontecimentos de destaque no começo de 2011, nos faz questionar o lugar da Igreja, da monarquia e dos militares nessa cruzada pós-moderna: o papa foi beatificado, os mocinhos apaixonados se casaram e o vilão foi morto. O presidente dos Estados Unidos terminou sua fala, na madrugada do dia 2 de maio, com o célebre pedido: “May God bless the United States”. “And save the new Queen!”, pensamos.

Fontes: 
CAMARGO, Júlia Faria. Ecos do Fragor: a invasão do Iraque em 2003. A mídia internacional e a imprensa brasileira. 141 f. Dissertação (Mestrado em História das Relações Internacionais) – Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília – IREL-UNB. Brasília, 2008. Acesso em: 16 outubro 2010.
HOBSBAWN, Eric. Globalização, Democracia e Terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Discurso do Obama.

* Camilla Hoshino é estudante do quarto período do curso de relações internacionais no Unicuritiba.

2 comentários:

  1. Gostei muito do seu texto, Mi. (como sempre)
    Realmente, o Hobsbawn declarou o que não deveria ser feito, e foi pelos Estados Unidos.
    Até agora não consigo entender porque o Obama ganhou o prêmio nobel da paz. Creio que se ele estivesse realmente tirando todas as tropas do Iraque, e oferecesse dinheiro e cooperação sincera para sua reconstrução, ele até mereceria. Mas não, ele é quase um Bush mascarado, só que mais bonito , mais simpático e "democrata". Os EUA estão criando uma democracia falsa e isso tudo é possível pela ignorancia da maioria da população que cega pelo medo, como você mesma expos, acredita em cada palavra que a mídia impõe. Será também que não haveria uma ligação entre a suposta morte de Bin Laden ser no ano de 10 anos do atentado de setembro? Será que isso não significa uma "nova era" americana? Mais imperialista ainda? Não sei.. Mas tenho alguns receios!

    Parabéns !!!!

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  2. Olá
    Camilla, que título é este? hehe
    Esta jornalista tem futuro!
    Brincar com o eslogan da campanha do presidente Obama foi uma maneira ácida de criticar sua política de combate ao terrorismo, grande ideia!
    Fiquei me perguntando sobre os reais motivos do prêmio da paz ter sido do Obama: seria uma estratégia política de legitimação da guerra preventiva? Seria um reconhecimento do esforço de Obama para desmontar o esquema de Bush? Existe algum motivo para reverenciarmos este prêmio depois disto?
    Enfim, perguntas e mais perguntas...

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