quarta-feira, 25 de maio de 2011

O que é a Itália?

Guiseppe Mazzini, articulador da Unificação Italiana.
Fernando Archetti
‘’No que consiste a Itália? O que é que liga as repúblicas, os tiranos, os papas e os imperadores? ...O conhecimento não logra esclarecer: de fato, apenas fornece evidências do caos’’, assim se expressou o político italiano Giuseppe Ferrari no século XIX, referindo-se ao problema da construção de uma nação italiana. De fato, o que é a Itália? O nome ‘’Itália’’, à época da Roma antiga, referia-se às terras do sul da península. Com o domínio latino e unificação sob Roma, o nome difundiu-se e estendeu-se para o resto do território.
O que hoje se conhece por Itália surgiu em 1861, após anos de luta e esforços mais ou menos direcionados. Mesmo com a unificação da Itália sob o rei Vitório Emanuel II do Piemonte, a lealdade ao novo Estado e a coesão ligando as diferentes regiões era muito pequena; a maioria das pessoas, especialmente nas províncias do sul, encontrava-se alheia à situação. O que era a Itália? O que havia mudado? Depois da euforia ocasionada pelas batalhas, os observadores mais atentos perguntavam-se a respeito da sobrevivência daquele Estado tão frágil, e as potências estrangeiras ameaçavam a unidade da recém-formada Itália.
As exigências do poder central e as novas instituições não pareciam justificadas perante grande parte da população. A menção a uma nação italiana não significava nada para a maioria dos italianos. Em referência aos sicilianos, dizia o Príncipe de Lampedusa em sua obra clássica ‘’Il Gattopardo’’: ‘’Pensava em siciliano: ’Temos trigo e isto basta; é preciso ir mais longe?’’’. E ainda: ‘’estas ervas santas feitas pelo Senhor vou-as colher com as minhas próprias mãos nas montanhas (...)! Seco-as no sol, que é de todos, no almofariz que era do meu avô! Que é que tem a ver com isto o município?’’
A ideia de uma nação italiana já existia há muitos séculos, porém de forma vaga e abraçada por alguns poucos intelectuais e homens das letras, como Petrarca, Dante Allighieri e Maquiavel. O nome ‘’Itália’’, já utilizado pelos grandes poetas latinos na Roma antiga, foi trazido à vida na Renascença, em que se buscava fazer renascer a cultura e a arte dos antigos e desembaraçar-se da arte e cultura bárbara da ‘’idade das trevas’’.
Na ‘’Divina Comédia’’ de Allighieri, muito anterior ao ‘’rinascimento’’, o poeta lamentava a condição da Itália, divida entre cidades-estados e em regiões dominadas por forças estrangeiras, palco de lutas sangrentas, tanto lutas de fratricidas, como de lutas contra forças estranhas. O poeta lamentava e se emocionou quando Virgílio, seu guia no poema e o grande poeta latino da Eneida, poema épico sobre a fundação de Roma, abraçou-se ao encontrar um irmão italiano, enquanto a Itália encontrava-se em tão lamentável situação, com irmãos a matarem-se.
Maquiavel, em exílio, clamava pela expulsão dos bárbaros (palavra de origem grega e que no latim passou a significar ‘’aquele que não fala latim ou grego’’). A idéia da grandeza de Roma, do passado glorioso, perpassava as obras desses homens. Muitos desejavam o renascimento da Itália sobre essas fundações. Não à toa foi Roma eleita a capital do novo reino. Em Petrarca era manifesto este pensamento quando dizia que ‘’o antigo valor nos corações itálicos inda não é morto’’.
No entanto, a concepção de um Estado-Nação italiano não era senão uma vaga, romântica idéia até meados do século XIX. Sob que valores deveria se erigir o novo Estado? O que significa Itália? O que significa ser italiano? Qual a forma do novo Estado? Essas perguntas eram feitas desde há muito, mas sem muito apelo político e de forma vaga. Porém, uma vez formado o Estado italiano, a pergunta persistia. A tradição de fragmentação da península desde a queda de Roma continuava forte. Como forjar uma idéia de uma nação a que todos pertencessem, após séculos de divisão?
A ideia de uma nação italiana surgiu com mais força mais propriamente com a revolução francesa e com o nacionalismo. Cesare Balbo, piemontês, escreveu em 1850 que ‘’na ausência de uma conduta virtuosa (e esse é infelizmente o nosso caso), a história é de fato de grande utilidade, a melhor fundação possível para um programa político nacionalista’’.
Aí, surgiram as discussões, as disputas e as lutas para criar a nova nação. O movimento nacionalista que foi de 1831 até 1861 e que ficou conhecido como Risorgimento, que teve na região norte seu centro, graças à semente nacionalista lançada pela criação da República Italiana por Napoleão – também um italiano - anos antes, culminou com a formação da Itália após anexação dos estados Papais, embora a questão de Roma, que permaneceu sob controle da Igreja, só fosse resolvida muitas décadas depois.
Também, havia diferentes concepções do que deveria ser Itália. Isso dificultava, igualmente, o processo de unificação. Um ator importante como opositor do Risorgimento era a Igreja – não que fosse a favor das coisas como estavam, mas opunha-se à unificação do modo como estava sendo feita. A razão para essa oposição era de que os bens da Igreja estavam sob ataque, assim como os jesuítas perseguidos. A população camponesa, independente, católica e conservadora e o clero eram um sério obstáculo para a revolução. Mesmo após o movimento revolucionário a Igreja continuou como opositora. Os diferentes projetos para a Itália complicavam a situação.
O Risorgimento, longe de se tratar de uma sucessão de épicas batalhas e grandes conflitos – nas palavras de Lampedusa, a Itália era a terra das reconciliações políticas -, foi apenas o começo da construção da Itália. Um começo confuso, desorganizado, romântico e que apenas dava vagas idéias do que seria a nação italiana, apelando para discursos retóricos, resgate do passado, com muito entusiasmo e pouco realismo. A verdade era que a Itália continuava uma terra atrasada em relação aos grandes Estados da Europa, fracamente unida e com grandes diferenças de um lugar para outro, refletindo ainda os séculos de fragmentação. Como expressou Giacomo Durando: ‘’Um pouco de idolatria do passado, misturado com sonhos dourados de um futuro remoto: realidade, presente – nunca’’.
O belíssimo ‘’hino’’ da unificação italiana, o coro da ópera Nabucco de Verdi, refletia bem esse espírito sonhador: ‘’vá, pensamento, sobre asas douradas/ vá e te pousa sobre as colinas e as encostas/ sob o perfume tépido e macio/ das doces brisas do solo natal!’’.
A questão do que constitui a essência da Itália ainda está para ser respondida, e esse texto não pretendeu senão introduzir a discussão a respeito do tema. Apesar de tudo, o passado da Itália ainda brilha e muito da situação atual do Ocidente deve-se a esse passado da Roma Eterna, da Itália Renascentista e dos tantos nomes ilustres que mesmo uma Itália dividida e ensanguentada foi capaz de produzir em grande número. Sob esse espírito romântico e contraditório, na melhor tradição latina, nascia a Itália.

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