Por Carlos-Magno Esteves Vasconcellos*
O capitalismo
dependente e avassalado que as classes dominantes autóctones construíram no
Brasil produziu enormes distorções sociais e políticas em nosso país, como por
exemplo, uma elite medíocre e prepotente, dissimulada e autoritária, ou ainda
uma sociedade cruelmente desigual, cujas diferenças de renda e bem-estar social
– fenômeno inerente a todas as sociedades capitalistas – são absolutamente surreais.
O capitalismo dependente e avassalado brasileiro foi forjado à base de muita
violência e corrupção.
A corrupção (ladroagem)
está enraizada até a medula de nossa sociedade, ela nos foi introjetada em um
passado remoto de nossa história pelas classes dominantes; foi praticada
impunemente durante séculos a fio com o beneplácito da justiça e da mídia que
sempre estiveram controladas pela classe dominante. Enriqueceu fazendeiros e
empresários que ainda hoje posam, inescrupulosamente, como ‘exemplos de
sucesso’, ‘modelos a serem seguidos’. Mas, atualmente, a ladroagem alcançou um
tal estágio de contágio social que parece indignar até mesmos os mais ingênuos
de seus beneficiários. Por isso, chegamos em uma grande encruzilhada: precisamos
romper com um dos mais pesados legados de nossa história: a cultura da
corrupção (ladroagem).
O que estará
acontecendo realmente com a ladroagem atualmente no Brasil? Será que existe, de
fato, um consenso social para exterminá-la e reescrever nossa história em novas
bases? Vamos tentar entender os fatos sem emoção.
As demonstrações
sociais de indignação contra a bandidagem no Brasil não são recentes. Já houve
manifestações dessa natureza na primeira metade da década de 1960, mas elas
foram sufocadas no sangue. Naquela época, as classes dominantes autóctones decidiram
que seus benefícios sociais e materiais somente poderiam ser sustentados
mediante a bandidagem, bandidagem armada até o pescoço. Aliaram-se subordinadamente
a poderosos bandidos internacionais – comparsas – e impediram o país de
construir um modelo de sociedade menos violenta. Depois, com obras faraônicas
de infraestrutura que mais serviam como cortina de fumaça para encobrir seus
propósitos de espoliação da população trabalhadora, aliciaram uma parcela de
suas vítimas com empregos razoavelmente remunerados e um discurso moralista que
faria inveja aos fariseus e, assim, deram sequência à rapinagem social. O
fracasso desse modelo criminoso de sociedade levou a classe dominante
brasileira a um novo golpe contra a sociedade: incriminou os militares, que
viviam a seu soldo e lhe serviam fielmente, pelas mazelas e distorções sociais
criadas no país durante décadas e se arvorou em ‘paladino da democracia’. A
dissimulação deu certo. Ou melhor, mais ou menos certo.
Trôpega, a democracia
chegou ao Brasil em 1985. Chegou por via indireta e levou ao poder um
importante representante da tradicional classe dominante brasileira, aquela mesma
que cerca de vinte anos atrás havia negado ao povo brasileiro a construção de
um modelo de sociedade menos violenta. A rapinagem social continuou.
Calejada por sua
própria experiência histórica, a classe dominante brasileira, dissimulada e
autoritária como sempre, emplacava um embuste atrás do outro. Em 1990,
conseguiu fazer chegar ao poder um dos maiores marajás do Brasil travestido de
caçador de marajás. A rapinagem social continuou.
Nesta época, vivendo em
um contexto de democracia e liberdade de expressão, novas demonstrações sociais
de indignação explodiram pelos quatro cantos do país. A classe dominante se
assustou e sentiu saudades das metralhadoras de outrora. Diante do contexto de
crise internacional generalizada e da impossibilidade de sepultar a democracia incipiente,
a classe dominante brasileira arquitetou mais um embuste contra a sociedade: do
alto de sua prepotência e dissimulação, ofereceu à sociedade sua versão
intelectualizada de flibusteiro. Foram mais oito anos de rapinagem social. A
sociedade sangrava.
Veio uma nova onda de
demonstrações sociais de indignação e com ela uma pequena revolução social se anunciava
no país.
Pela primeira vez na
história do Brasil um representante da classe dos oprimidos parecia
verdadeiramente capaz de chegar ao poder. A classe dominante se apavorou e, com
ela, seus comparsas internacionais. Utilizaram-se de terrorismo político e
outras chantagens emocionais para dissuadir a classe dos oprimidos de eleger
seu próprio representante. Inútil. Em 1º de janeiro de 2003, o metalúrgico e
líder nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva,
tomava posse na presidência da República.
Mas, como diz o ditado
popular, alegria de pobre dura pouco. Eleito presidente, Lula precisava
governar, e para governar precisava construir maioria no Congresso Nacional.
Para construir maioria necessitava fazer alianças. Mas, fazer alianças com
quem? Para governar Lula se viu obrigado a se aliançar com os velhacos da
classe dominante brasileira, isto é, com o que havia de mais pútrido e medíocre
na vida política brasileira.
Eles estavam de volta
ao poder. Mas, dessa vez, não estavam sozinhos e isso os incomodava. Haviam
novos tripulantes na nave. A classe dominante brasileira não abandonou o poder
com a vitória do PT, mas seu espaço foi sensivelmente reduzido! Pior ainda,
teria de conviver com gente que sempre odiara, gente em quem nunca confiara.
Ao se aliançar com a
classe dominante brasileira, o PT e Lula selaram seu futuro. Esqueceram-se que
ninguém pode servir a dois senhores. Ou serviam aos oprimidos ou serviam à
classe dominante. Buscaram viabilizar um programa de governo transformador para
a sociedade brasileira. Não era, certamente, um programa perfeito de governo,
mas um programa que respondia minimamente aos mais dramáticos clamores da
classe dos oprimidos. Mas o convívio cotidiano com a classe dominante
brasileira contaminou o PT, sua cultura política foi infectada. Suas práticas
já não se diferiam muito das práticas de seus parceiros.
Hoje, há novas
demonstrações sociais de indignação contra a ladroagem no Brasil. O PT e sua
mais elevada liderança, a presidenta Dilma Rousseff, converteram-se em seu alvo
preferido. Mas, quem são e o que querem os indignados de hoje?
Uma parcela dos
indignados são saudosistas do militarismo. Quem são eles? Os mesmos que sempre
defenderam o militarismo no Brasil: membros da classe dominante brasileira.
Aqueles que perderam espaço no poder com a chegada do PT e, agora, desejam
vingar-se e retomar seus privilégios pela via armada. Aqueles que confiam muito
mais na baioneta que na democracia; os antigos arquitetos do capitalismo
dependente e avassalado que reduziu esse grande país na condição de país de
miseráveis.
Há uma outra parcela,
mais numerosa e eclética, infiltrada e dominada por grupos da classe dominante
brasileira, grupos dissimulados e travestidos de democratas que, sob a
instigação irresponsável de políticos decrépitos e derrotados em pleitos
eleitorais, envenenam as manifestações com a palavra de ordem “FORA DILMA” e a
reivindicação do impeachment da presidenta Dilma, democraticamente eleita. No
dia 15 de abril próximo passado, alguns dos grupos vinculados a esta parcela majoritária
dos indignados divulgou na mídia um manifesto intitulado Carta do Povo Brasileiro (Cf: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/movimentos-sociais-pedem-abertura-de-processo-contra-dilma-e-afastamento-de-toffoli/). No referido
documento, seus autores escreveram:
Às
suas Excelências senhores Deputados Federais, senhores Senadores, senhor
Presidente da Câmara dos Deputados e senhor Presidente do Senado. A democracia
brasileira está fragilizada. A República está em risco. E o povo brasileiro
está farto. O povo cansou do desrespeito e da incompetência de alguns políticos
e governantes brasileiros, e exige mudanças já.
Vivemos
um quadro assustador de corrupção no seio dos poderes constituídos. A corrupção
é histórica, sim, e nem por isso
admissível. Há 12 anos, porém, ela se tornou sistêmica e se institucionalizou
na máquina pública em níveis sem precedência, como nunca antes visto.
A Carta repudia a corrupção que “se tornou sistêmica” nos últimos 12
anos, coincidentemente o período que marca a chegada dos representantes dos
oprimidos ao poder no Brasil[1].
Além disso, a Carta é endereçada aos
“senhores Deputados Federais, senhores Senadores, senhor Presidente da Câmara dos Deputados e senhor Presidente do Senado”. Esses últimos nada mais são que “os velhacos da classe dominante brasileira, isto é, o que havia de mais
pútrido e medíocre na vida política brasileira” até o dia que o PT chegou ao
poder.
Os oprimidos e os
sábios desse país não cairão nessa armadilha. O PT, como ficou dito acima, se
contaminou pelo vírus da corrupção que foi disseminado no país pelas classes
dominantes; talvez não sirva mais como instrumento das classes oprimidas para a
transformação da sociedade. Contudo, as alternativas que os movimentos sociais de
indignação, que estão saindo às ruas atualmente, estão nos oferecendo são um
verdadeiro canto das sereias. Aliás, não estão a nos oferecer alternativa
nenhuma, simplesmente porque não as têm. Tudo o que querem é restaurar seus
privilégios antigos (inclusive a prática da corrupção com impunidade) e
suprimir as poucas conquistas que os oprimidos alcançaram nestes últimos 12
anos!
Façamos nós mesmos
nosso projeto alternativo. Um projeto que passe ao largo do Congresso Nacional
e das Instituições sociais estabelecidas, inclusive do judiciário. A
superestrutura que encontra-se erigida no Brasil está completamente carcomida.
Não é a presidenta que precisa ser substituída, é a superestrutura
institucional que precisa ser sarada.
* Carlos-Magno Esteves Vasconcellos é doutor em Economia pela Escola Superior de Economia de Varsóvia, Polônia. É também professor titular das disciplinas de Economia Política Internacional e Empresas Transnacionais no Curso de Graduação de Relações Internacionais, e do módulo em Economia Política da Globalização da Pós-Graduação em Diplomacia e Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba-UniCtba.
[1] A mãe e o pai do mensalão do
PT moram em Minas Gerais e habitam a mansão dos horrores do PSDB. Porque a
história recente da corrupção brasileira está sendo amputada? (Cf: http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/318572_A+BLINDAGEM+TUCANA?pathImagens&path&actualArea=internalPage)
E a ladroagem do PSDB na construção do metrô de São Paulo, onde estão os
responsáveis e as punições? (Cf: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/04/justica-rejeita-denuncia-contra-suspeitos-de-cartel-no-metro-de-sp.html)
Boa Noite,
ResponderExcluirParabéns pelo texto!
Com certeza configura uma das análises mais bem argumentada e com embasamento histórico que li recentemente.
Uma hipótese que o autor cita para a transformação do contexto político advém da "cura" da superestrutura institucional. Deste modo eu pergunto, essa cura seria resultado de uma revisão/emenda constitucional?
Caríssimo J Mota, a democracia foi implantada no Brasil pela metade. Conseguimos o direito de escolher nossos representantes pelo voto direto, mas a grande maioria das instituições sócio-políticas que continuam de pé em nosso país são herança dos tempos da ditadura. Há muito a ser feito para democratizar a vida econômica e política brasileira. Precisamos de uma nova estrutura política (não apenas um novo regime eleitoral, não é disso que estou falando), de um novo judiciário, de uma nova estrutura sindical e representativa para os trabalhadores e assim por diante. Não se trata de revisão/emenda constitucional! O que está aí não pode ser remendado. A cura que se necessita também não pode ser ministrada pelo atual Congresso Nacional, pois não possui qualificação para isso. Os deputados e senadores do Brasil usurparam-nos os mandatos que lhes conferimos para nos servir; privatizaram o serviço público. A sociedade precisa encontrar meios de se fazer ouvir e precisa propor a pauta de mudanças que deseja ver implementadas. Como fazer isso? Se organizando e criando um novo canal de diálogo social. Como? Esse é o desafio.
Excluir