* Douglas Nascimento Evangelista
Nesse ensaio será abordado o conceito de Sociedade
Civil segundo o entendimento de Antônio Gramsci, com a finalidade de mostrar, brevemente, a relevância
de tal conceito para a compreensão da Sociedade Civil Global. O Fórum Social
Mundial será o estudo de caso devido à multiplicidade de atores que o compõem e
o seu caráter internacional.
Em Gramsci (apud Ramos, 2005) há dois
entendimentos sobre o Estado: O “restrito” e o “ampliado”. O Estado “restrito”
representa a sociedade política, que se configura pela organização oficial do
Estado, composta pelo Exército, a Polícia, as Guardas Nacionais (estas que fazem
parte do monopólio do uso legítimo da força), as posições do Executivo (ou o
que se assemelha na administração estatal) e o seguimento legislativo (organização
estatal que tenha essa função legal) (RAMOS, 2005).
O Estado “ampliado”
se caracteriza pela soma dos arranjos governamentais oficiais e a Sociedade
Civil. Para Gramsci, a Sociedade Civil é uma estrutura com o objetivo de criar, bem como ramificar,
ideologias; subentendendo assim o sistema escolar, igrejas, sindicatos,
partidos políticos, organizações profissionais e a forma de ordenamento
cultural (jornais, revistas, meios de comunicação de massa) e etc. Em outras
palavras, a Sociedade Civil é um ordenamento social coletivo de um caráter
voluntário, com certo grau de descolamento da sociedade política. A sociedade
civil e política são os mais importantes círculos do Estado e tal diferença é
apenas metodológica, pois Estado e Sociedade Civil se confundem na realidade
(RAMOS, 2005).
Deste modo, esta organização política está diante de
um evento multiforme com aspectos econômicos, sociais, políticos, culturais,
religiosos e jurídicos que se conectam de uma forma complexa. Giddens (apud
Santos, 2002) elucida esse processo como globalização, em outras palavras, “a intensificação
de relações sociais mundiais que unem localidades distantes de tal modo
que os acontecimentos locais condicionados por eventos que aconteceram a muitas
milhas de distância” serão influenciados (SANTOS, 2002)[1].
Partindo desse pressuposto, na década de oitenta,
surgiu uma nova divisão internacional do trabalho, ordenada pela globalização neoliberal
da produção pelas empresas multinacionais e estas se tornaram atores na
política econômica mundial. Os traços cruciais dessa nova forma de organização
econômica neoliberal são: economia comandada pelo sistema financeiro e pelo
investimento em escala mundial; busca de baixo custo na produção; inovação
tecnológica da informação e da comunicação; dependência das economias nacionais
à economia mundial e entre outros (SANTOS, 2002).
São várias as consequências desse arranjo econômico
neoliberal para a política econômica internacional. Grandes multinacionais se
instalam em Estados falidos –por exemplo- e ditam a dinâmica interna dessas
economias, bem como, sua gestão política. Estas companhias, devido à ausência
de concorrência interna dentro desses Estados, ditam o salário de seus
funcionários e o lucro dessa produção, quase sempre, volta aos Estados de
origem dessas empresas. Em outras palavras, são pagos salários mínimos aos
funcionários e o lucro dessa transação retorna aos Estados desenvolvidos,
mantendo assim a distância tanto econômica, política, social e cultural, entre
Estados que recebem essas empresas e os que as exportam. Outro resultado do neoliberalismo
é a catalisação de movimentos como o tráfico internacional, o fundamentalismo religioso
e com o advento da internet, deu-se a aproximação das relações sociais globais
que serviram de pilar na formação da Sociedade Civil Global. (Vogel, 2013).
Autores como Lipschutz (apud
Ramos, 2005), utilizando da base ontológica de Gramsci, apontam fatores
para o surgimento da sociedade civil global a partir de três pontos
interconectados: em primeira instância
no final do século XX, houve um princípio de fragmentação da soberania estatal
em nível nacional para o internacional (organismos supranacionais) e do nacional
para o subnacional; a sociedade civil global emergiu da incapacidade estatal em
sanar uma variedade de problemas de caráter social e por fim, esta pode ser
compreendida como uma forma de contraposição ao sistema vigente. Em outras
palavras, a sociedade civil global pode ser vista como um novo ator na política
mundial, ou melhor, uma junção de vários atores (movimentos sociais, grupos de
interesse, cidadãos globais, entre outros). A sociedade civil não é global
simplesmente pela relação social que atravessa as fronteiras, mas também pela
nascente consciência interplanetária por parte desses membros. Segundo Martin
Shaw a globalização se caracteriza como
“(...) o desenvolvimento de uma consciência comum da
sociedade humana em uma escala mundial, com uma crescente atenção da totalidade
das relações sociais humanas como o quadro de referência constitutivo mais
amplo de todas as relações. A sociedade civil global representou tentativas de
dar a essa consciência uma forma de ação e organização propositiva com uma
agenda normativa explícita (Ramos 2005 apud Shaw 2003).
Partindo desse pressuposto, o Fórum Social Mundial (FSM)
é um espaço para a discussão de ideias contrárias ao controle do capital, sobre
as economias tanto nacionais como internacionais e de um modo geral, fazendo
frente à globalização neoliberal. Sua primeira edição aconteceu no Rio Grande
do Sul - Brasil-, no ano de 2001, e tinha por objetivo contestar o Fórum
Econômico Mundial de Davos. Hoje, o fórum se organiza anualmente e busca passar
por diferentes continentes desde sua criação[2], para que assim possa
estimular à mobilização social de maneira mais democrática (Lemos, 2011).
Deste modo, o FSM é um ambiente para a formulação de
ideias, troca de experiências, articulação de movimentos sociais, ONGs e
sociedade civil. Devido ao seu caráter
de discussão aberta, um dos meios de medir sua realização é através de regimes
de governo que utilizam a democracia como base de sustentação. No caso dos EUA,
em especial na Guerra do Iraque, foi visível, nas eleições presidenciais em
2012, a necessidade da mudança de política externa em relação ao Iraque. Tal
mudança reflete a nova opinião da sociedade civil estadunidense e essas ideias
fizeram parte da discussão do FSM em 2003. Algumas ONGs estadunidenses como,
Global Exchange compartilharam dessa exposição. Partindo desse pressuposto, há
uma relação direta de co-construção de opiniões entre sociedade civil e
sociedade civil global (Santos, 2004).
Em suma, o conceito de Sociedade Civil de Gramsci é
básico para que se possa compreender a organização política da Sociedade Civil
Global e o papel do FSM. O FSM foi um dos palcos importantes na discussão sobre
a Guerra do Iraque e a progressiva mudança de política externa dos EUA, que se
deu também por sua influência (forte utilização da Internet para a disseminação
de suas ideias).
Douglas
Nascimento Evangelista é acadêmico do 7º período do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário
de Belo Horizonte.
[1] Devido à vastidão e importância de tal tema nos estudos de Relações Internacionais, segue-se-a referência para um maior aprofundamento: Georgantzar; Katsamakas; Solowiej, Dominik. A Globalização de Giddens: Implicação dinâmica da exploração. Disponível em: http://www.systemdynamics.org/conferences/2009/proceed/papers/P1072.pdf. Acesso em 17/2/2013.
[2] No ano de 2011 a cidade de Nairóbi, Quênia, sediou esse arranjo.
Bibliografia:
LEMOS, Frederico
Pacheco. A experiência do Fórum Social
Mundial e sua importância para a mobilização social. Disponível em:< http://www.cp2.g12.br/blog/perspectivasociologica/edicoes-anteriores/jan-jul-2011-no-6-e-7/a-experiencia-do-forum-social-mundial-e-sua-importancia-para-a-mobilizacao-social/>. Acesso
em: 25 de Abril de 2013.
RAMOS, Leonardo César
Souza. A Sociedade Civil em Tempos de
Globalização: Uma Perspectiva Neogramsciana. Dissertação de Mestrado. Ed.
Instituto de Relações Internacionais Puc-Rio, 2005.
SANTOS, Boaventura de Sousa. O Fórum Social Mundial: Manual
de Uso. Disponível em: http://www.boaventuradesousasantos.pt/documentos/fsm.pdf . Acesso em: 20 de janeiro de 2013.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os Processos da Globalização. Ed.
Revista Crítica de Ciências Sociais, Puc-Minas, 2002. Disponível em: http://www.ri.pucminas.br/site2005/downloads/doc_252.pdf . Acesso em: 14 de fevereiro
de 2013.
VOGEL, Richard. Combating Globalization: Confronting the Impact of Neoliberal Free
Trade Policies on Labor and the Environment. Disponível em: http://combatingglobalization.com/articles/combating_globalization2.html Acesso em: 14 de fevereiro de 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário