segunda-feira, 1 de julho de 2013

Fórum Social Mundial como expressão da Sociedade Civil Global



* Douglas Nascimento Evangelista


Nesse ensaio será abordado o conceito de Sociedade Civil segundo o entendimento de Antônio Gramsci, com a finalidade de mostrar, brevemente, a relevância de tal conceito para a compreensão da Sociedade Civil Global. O Fórum Social Mundial será o estudo de caso devido à multiplicidade de atores que o compõem e o seu caráter internacional.
Em Gramsci (apud Ramos, 2005) há dois entendimentos sobre o Estado: O “restrito” e o “ampliado”. O Estado “restrito” representa a sociedade política, que se configura pela organização oficial do Estado, composta pelo Exército, a Polícia, as Guardas Nacionais (estas que fazem parte do monopólio do uso legítimo da força), as posições do Executivo (ou o que se assemelha na administração estatal) e o seguimento legislativo (organização estatal que tenha essa função legal) (RAMOS, 2005).
O Estado “ampliado” se caracteriza pela soma dos arranjos governamentais oficiais e a Sociedade Civil. Para Gramsci, a Sociedade Civil é uma estrutura com o objetivo de criar, bem como ramificar, ideologias; subentendendo assim o sistema escolar, igrejas, sindicatos, partidos políticos, organizações profissionais e a forma de ordenamento cultural (jornais, revistas, meios de comunicação de massa) e etc. Em outras palavras, a Sociedade Civil é um ordenamento social coletivo de um caráter voluntário, com certo grau de descolamento da sociedade política. A sociedade civil e política são os mais importantes círculos do Estado e tal diferença é apenas metodológica, pois Estado e Sociedade Civil se confundem na realidade (RAMOS, 2005).
Deste modo, esta organização política está diante de um evento multiforme com aspectos econômicos, sociais, políticos, culturais, religiosos e jurídicos que se conectam de uma forma complexa. Giddens (apud Santos, 2002) elucida esse processo como globalização, em outras palavras, “a intensificação de relações sociais mundiais que unem localidades distantes de tal modo que os acontecimentos locais condicionados por eventos que aconteceram a muitas milhas de distância” serão influenciados (SANTOS, 2002)[1].
Partindo desse pressuposto, na década de oitenta, surgiu uma nova divisão internacional do trabalho, ordenada pela globalização neoliberal da produção pelas empresas multinacionais e estas se tornaram atores na política econômica mundial. Os traços cruciais dessa nova forma de organização econômica neoliberal são: economia comandada pelo sistema financeiro e pelo investimento em escala mundial; busca de baixo custo na produção; inovação tecnológica da informação e da comunicação; dependência das economias nacionais à economia mundial e entre outros (SANTOS, 2002).
São várias as consequências desse arranjo econômico neoliberal para a política econômica internacional. Grandes multinacionais se instalam em Estados falidos –por exemplo- e ditam a dinâmica interna dessas economias, bem como, sua gestão política. Estas companhias, devido à ausência de concorrência interna dentro desses Estados, ditam o salário de seus funcionários e o lucro dessa produção, quase sempre, volta aos Estados de origem dessas empresas. Em outras palavras, são pagos salários mínimos aos funcionários e o lucro dessa transação retorna aos Estados desenvolvidos, mantendo assim a distância tanto econômica, política, social e cultural, entre Estados que recebem essas empresas e os que as exportam. Outro resultado do neoliberalismo é a catalisação de movimentos como o tráfico internacional, o fundamentalismo religioso e com o advento da internet, deu-se a aproximação das relações sociais globais que serviram de pilar na formação da Sociedade Civil Global. (Vogel, 2013).
Autores como Lipschutz (apud Ramos, 2005), utilizando da base ontológica de Gramsci, apontam fatores para o surgimento da sociedade civil global a partir de três pontos interconectados: em primeira instância no final do século XX, houve um princípio de fragmentação da soberania estatal em nível nacional para o internacional (organismos supranacionais) e do nacional para o subnacional; a sociedade civil global emergiu da incapacidade estatal em sanar uma variedade de problemas de caráter social e por fim, esta pode ser compreendida como uma forma de contraposição ao sistema vigente. Em outras palavras, a sociedade civil global pode ser vista como um novo ator na política mundial, ou melhor, uma junção de vários atores (movimentos sociais, grupos de interesse, cidadãos globais, entre outros). A sociedade civil não é global simplesmente pela relação social que atravessa as fronteiras, mas também pela nascente consciência interplanetária por parte desses membros. Segundo Martin Shaw a globalização se caracteriza como

“(...) o desenvolvimento de uma consciência comum da sociedade humana em uma escala mundial, com uma crescente atenção da totalidade das relações sociais humanas como o quadro de referência constitutivo mais amplo de todas as relações. A sociedade civil global representou tentativas de dar a essa consciência uma forma de ação e organização propositiva com uma agenda normativa explícita (Ramos 2005 apud Shaw 2003).

Partindo desse pressuposto, o Fórum Social Mundial (FSM) é um espaço para a discussão de ideias contrárias ao controle do capital, sobre as economias tanto nacionais como internacionais e de um modo geral, fazendo frente à globalização neoliberal. Sua primeira edição aconteceu no Rio Grande do Sul - Brasil-, no ano de 2001, e tinha por objetivo contestar o Fórum Econômico Mundial de Davos. Hoje, o fórum se organiza anualmente e busca passar por diferentes continentes desde sua criação[2], para que assim possa estimular à mobilização social de maneira mais democrática (Lemos, 2011). 
Deste modo, o FSM é um ambiente para a formulação de ideias, troca de experiências, articulação de movimentos sociais, ONGs e sociedade civil.  Devido ao seu caráter de discussão aberta, um dos meios de medir sua realização é através de regimes de governo que utilizam a democracia como base de sustentação. No caso dos EUA, em especial na Guerra do Iraque, foi visível, nas eleições presidenciais em 2012, a necessidade da mudança de política externa em relação ao Iraque. Tal mudança reflete a nova opinião da sociedade civil estadunidense e essas ideias fizeram parte da discussão do FSM em 2003. Algumas ONGs estadunidenses como, Global Exchange compartilharam dessa exposição. Partindo desse pressuposto, há uma relação direta de co-construção de opiniões entre sociedade civil e sociedade civil global (Santos, 2004).
Em suma, o conceito de Sociedade Civil de Gramsci é básico para que se possa compreender a organização política da Sociedade Civil Global e o papel do FSM. O FSM foi um dos palcos importantes na discussão sobre a Guerra do Iraque e a progressiva mudança de política externa dos EUA, que se deu também por sua influência (forte utilização da Internet para a disseminação de suas ideias).   

Douglas Nascimento Evangelista é acadêmico do 7º período do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte.

[1] Devido à vastidão e importância de tal tema nos estudos de Relações Internacionais, segue-se-a referência para um maior aprofundamento: Georgantzar; Katsamakas; Solowiej, Dominik. A Globalização de Giddens: Implicação dinâmica da exploração. Disponível em: http://www.systemdynamics.org/conferences/2009/proceed/papers/P1072.pdf.  Acesso em 17/2/2013.
[2] No ano de 2011 a cidade de Nairóbi, Quênia, sediou esse arranjo.

Bibliografia:
LEMOS, Frederico Pacheco. A experiência do Fórum Social Mundial e sua importância para a mobilização social. Disponível em:< http://www.cp2.g12.br/blog/perspectivasociologica/edicoes-anteriores/jan-jul-2011-no-6-e-7/a-experiencia-do-forum-social-mundial-e-sua-importancia-para-a-mobilizacao-social/>. Acesso em: 25 de Abril de 2013.
RAMOS, Leonardo César Souza. A Sociedade Civil em Tempos de Globalização: Uma Perspectiva Neogramsciana. Dissertação de Mestrado. Ed. Instituto de Relações Internacionais Puc-Rio, 2005.
SANTOS, Boaventura de Sousa.  O Fórum Social Mundial: Manual de Uso.  Disponível em: http://www.boaventuradesousasantos.pt/documentos/fsm.pdf . Acesso em: 20 de janeiro de 2013.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Os Processos da Globalização. Ed. Revista Crítica de Ciências Sociais, Puc-Minas, 2002. Disponível em: http://www.ri.pucminas.br/site2005/downloads/doc_252.pdf . Acesso em: 14 de fevereiro de 2013.
VOGEL, Richard. Combating Globalization: Confronting the Impact of Neoliberal Free Trade Policies on Labor and the Environment. Disponível em: http://combatingglobalization.com/articles/combating_globalization2.html Acesso em: 14 de fevereiro de 2013.



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