Por Ane Elise Brandalise Gonçalves*
Apesar
do ramo científico do Direito Internacional dos Direitos Humanos, e mais
especificamente, o tema do funcionamento do sistema interamericano de direitos
humanos e o Brasil, ainda ser pouco conhecido pela população brasileira em
geral, imprescindível descortinar qual o impacto das decisões proferidas pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos no país.
De
tal modo, ver-se-á, ainda que sumariamente, quais os casos julgados pela Corte
Interamericana como sentença definitiva. Nesse ponto, vale lembrar que tal
órgão internacional também pode proferir decisões a título de Medidas
Cautelares e Medidas Provisórias, nos casos de urgência (a exemplo, sobre o
Brasil, do Caso Urso Branco, caso do complexo penitenciário do Tatuapé, entre
outros), o que não será alvo de análise, uma vez que contam com sistemática
diferenciada das decisões proferidas com status
de sentença.
De
qualquer forma, antes de adentrar na análise casuística, deve estar a
questionar o leitor: mas, afinal, o que são os tão aclamados e denominados
direitos humanos? O que é a Corte Interamericana de Direitos Humanos?
Pois
bem, pode-se afirmar que há variadas ideias e correntes para conceituar
direitos humanos, o que implica num dos desafios do estudo do ramo do Direito
Internacional dos Direitos Humanos. De todo modo, elenca-se três principais
correntes para definir o que seriam direitos humanos, veja-se:
1)
Direitos Humanos como direitos inatos a toda
pessoa humana, independentemente de qualquer condição (raça, sexo,
nacionalidade, condição social e econômica, etc).
2)
Direitos Humanos como aqueles direitos elencados
nas Convenções Internacionais, especialmente tidos na Declaração Universal dos
Direitos do Homem, promulgada pela ONU em 1948.
3)
Direitos Humanos como representação,
reconhecimento e promoção de valores éticos da dignidade humana.
Propugna-se aqui a utilização da
terceira ideia de direitos humanos, como defendido por Perez Luño, uma vez que
não se pode conceber a primeira idéia sob pena de se recair numa concepção
tautológica e também porque utiliza-se aqui a corrente doutrinária que defende a
existência de uma diferenciação entre direitos humanos e direitos fundamentais,
uma vez que o termo “direitos humanos” teria um alcance mais amplo, encontrado
em esfera supranacional (neste sentido, vide
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed.,
Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2006), nem podendo se deixar levar pela
segunda corrente, tendo em vista que os direitos humanos não se exaurem na
normatividade jurídica internacional.
No mesmo sentido, não se pode
recair na ideia banal de direitos humanos que a maior parte da sociedade
brasileira possui: como direitos que expressem a injustiça, os direitos
sociais, os sentimentos de indignação, etc. Em outras palavras: é preciso,
pois, utilizar-se de termos científicos para tratar do tema, sem olvidar que tais
direitos constituem uma “racionalidade de
resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços
de luta pela dignidade humana” (FLORES, Joaquín Herrera. Direitos Humanos,
Interculturalidade e Racionalidade de Resistência,
Carlos Santiago Niño, The Ethics of Human Rights, Oxford, Clarendon Press,
1991).
Indo mais além, tem-se que a
proteção dos direitos humanos possui, basicamente, dois sistemas: um sistema
geral, figurado pela ONU, e um sistema regional, representado pelo sistema
europeu, pelo sistema interamericano e pelo sistema africano de direitos humanos.
O sistema interamericano, ao seu turno, é composto
principalmente pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, doravante
denominada CIDH e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, também chamada
de Corte IDH. As sentenças definitivas ficam a cargo da Corte IDH, enquanto a
CIDH, dentre outras funções (vide artigo
41 da Convenção Americana de Direitos Humanos), atua no encaminhamento de casos
para julgamento da Corte IDH. O
principal instrumento normativo desse sistema é a Convenção Americana de
Direitos Humanos, também chamada de Pacto de San José da Costa Rica.
O Brasil ratificou o referido
Pacto em 1992, tendo aceitado a competência da Corte IDH em 1998. No caso da
República Federativa do Brasil, pessoa jurídica de direito externo que responde
perante a Corte IDH, cinco casos foram alvo de
julgamento, sendo que desses cinco, quatro resultaram em condenações ao país.
O primeiro caso, julgado em
2006, foi o caso DAMIÃO XIMENES LOPES X BRASIL, emblemático em variados
aspectos. Damião Ximenes Lopes, cearense, portador de transtorno mental, foi
internado, através do Sistema Único de Saúde (SUS), na Casa de Repouso
Guararapes, em Sobral, Ceará, na data de 01/10/1999, e faleceu três dias
depois, vítima de maus tratos e de tortura. A Corte IDH entendeu que o Brasil
foi responsável pelas violações atinentes ao direito à vida, direito à
integridade pessoal, garantias judiciais, proteção judicial e descumprimento da
obrigação de respeitar os direitos humanos (respectivamente artigos 4º, 5º, 8º,
25 e 1.1. do Pacto de San José da Costa Rica), condenando-o à reparação, por
danos morais e materiais, aos familiares da vítima e à vítima (de cujus); à conclusão de processos
internos; ao aprimoramento de políticas públicas em saúde mental e à publicação
ampla em imprensa oficial e jornal de ampla circulação da sentença proferida
pela Corte.
No ano de 2006, em que foi
proferida a sentença de mérito do caso Damião Ximenes Lopes, também a Corte IDH
decidiu sobre outro caso envolvendo o Brasil, denominado caso NOGUEIRA DE
CARVALHO X BRASIL, tendo como figura central a vítima Gilson Nogueira de
Carvalho, advogado que atuava no Rio Grande do Norte em prol dos direitos
humanos, morto por circunstâncias de seu trabalho. O processo foi arquivado
pela Corte IDH por insuficiência de provas.
O terceiro caso é o denominado
Caso ESCHER E OUTROS X BRASIL, julgado em 2009. Tal caso é de relevante
importância aos paranaenses, uma vez que trata da quebra do sigilo de dados dos
integrantes do MST, ADECON e COANA, da região do Estado do Paraná, comarca de
Loanda. A Corte IDH entendeu que o Brasil violou os direitos personalíssimos
garantidos nos artigos 11 e 16 do Pacto de San José em prejuízo às vítimas,
além de ter violado os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, inscritos
nos artigos 8.1 e 25 do mesmo instrumento normativo. Assim sendo, condenou o
Estado Brasileiro à reparação das vítimas dentro do prazo de um ano, no valor
de US$ 20.000,00 (vinte mil dólares), além de US$ 10.000,00 (dez mil dólares) a
título de custas; à realização de ato público de reconhecimento de
responsabilidade internacional em face de violações de direitos humanos; à
conclusão de processos internos e à publicação ampla em imprensa oficial e
jornal de ampla circulação da sentença proferida pela Corte.
O próximo caso também envolve o
Estado do Paraná e a luta por terras: é o caso SÉTIMO GARIBALDI X BRASIL, que
conta a história da morte violenta do trabalhador rural Sétimo Garibaldi,
ocorrida em 27/11/1998. A Corte IDH entendeu que o Brasil violou os direitos às
garantias e à proteção judiciais previstos nos artigos 8.1 e 25.1 do Pacto de
San José. Obrigou o Estado Brasileiro a publicar os principais trechos da
sentença em Diário Oficial e em jornal de ampla circulação, além da publicação
em sítio oficial da rede mundial de computadores. Também condenou o Brasil a
indenizar os familiares da vítima Sétimo Garibaldi, por danos materiais e
morais, além das custas com o processo judicial.
Finalmente, o último caso, o
mais polêmico de todos, é o caso GOMES LUND E OUTROS (GUERRILHA DO ARAGUAIA) X
BRASIL. Cuida-se, pois, do caso do desaparecimento de envolvidos da Guerrilha
do Araguaia, ocorrido entre os anos de 1972 a 1974, dentre os quais Gomes Lund
e outras tantas pessoas, tidas como presumivelmente mortas, em virtude da
guerrilha ocorrida em Araguaia, no Pará.
A corte julgou no sentido do
Brasil ser responsável pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas, tendo
violado direito humano à vida, à integridade física e à liberdade de pensamento
e de expressão, além de ter violado as garantias judiciais previstas pelo Pacto
de San José da Costa Rica.
Logo, a Corte condenou o Brasil
a uma série de medidas de caráter reparatório, além de outras medidas de
reabilitação, satisfação e garantias de não repetição. Também condenou o Brasil
a investigar os fatos, julgar e, se for o caso, punir os responsáveis e de
determinar o paradeiro das vítimas, além de publicar a sentença proferida pelo
Tribunal Internacional.
Destarte, quatro “problemas” no Estado Brasileiro
foram vislumbrados pela Corte IDH: (1) a saúde; (2) o tratamento dos
profissionais que cuidam dos direitos humanos; (3) a questão da distribuição de
terras – visualizada DUAS VEZES pela Corte IDH; (4) a questão da ditadura
militar. Fica claro, pois, quais as questões que o Brasil ainda precisa
enfrentar e discutir perante toda sua população.
Para saber com mais detalhes
sobre os casos envolvendo o Brasil, acesse: http://www.corteidh.or.cr/pais.cfm?id_Pais=7.
*Ane Elise Brandalise Gonçalves é advogada e
graduanda em relações internacionais na UNINTER.
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