Por
Gisele Passaura
Dois vizinhos cujas
realidades não poderiam ser mais distintas: de um lado a Somália, país
considerado por muitos anos o mais falido do mundo e que há décadas encontra-se
imerso em um interminável conflito civil; na direção oposta, o Quênia um dos
poucos exemplos de estabilidade da região do nordeste africano. Como
compreender, entretanto, que Estados tão próximos possam ter trilhado caminhos
tão diversos?
Para explicar o advento de
conflitos civis na África, não dificilmente são citadas a herança colonial, as tensões
entre diferentes etnias, as disputas por território assim como o choque entre o
tradicional e o moderno.
A colonização pode ser
posicionada como um agravante, uma vez que ao moldar os Estados africanos,
falhou em considerar as especificidades étnicas de cada localidade e, em muitos
casos, após a partilha uniu sob um mesmo teto, tribos historicamente rivais e
as fez compartilhar e até mesmo disputar recursos. Essa assertiva, entretanto, fracassa
em explicar a realidade queniana, já que em ambas as situações (Somália e Quênia)
a colonização foi europeia, e mais especificamente a Britânica (se considerada
a parcela norte da Somália). Nesse afunilamento, todavia, não se verificou no
caso queniano, um amplo choque (que induzisse à guerra civil) entre as dezenas
de origens étnicas. Já na Somália, uma única linhagem caminhou para disputas
generalizadas.
As rixas territoriais assim
como disputas por recursos, tampouco, podem ser consideradas como causas
diretas do conflito civil, pois os dois Estados possuem territórios com parcos recursos.
Muito embora essas querelas sempre tenham sido realidades no Quênia, nunca se
espalharam a nível nacional, causando a falência como no caso somali. A maioria
dos exemplos quenianos, inclusive, evidenciou que as disputas não eram por
terras, mas sim por desavenças muitas vezes pessoais ou familiares.
O choque entre o tradicional
e o moderno em um primeiro momento pode até ser evidenciado como um possível
motivador de conflitos civis, já que em ambos os casos, a população
originalmente nômade, encontrou dificuldade em aceitar as delimitações
territoriais. Em sendo pastores em sua maioria, estavam acostumados a transitar
entre as terras comuns, assim como utilizar os recursos locais.
Com o advento do Estado
moderno e o estabelecimento da propriedade privada, grande parcela dos novos
cidadãos não compreendia o porquê de ser obrigada a abandonar tradições
milenares assim como malograram perceber a utilidade de se pagar impostos. Essa
realidade apresenta-se como verdadeira em ambas as sociedades, no entanto,
apenas na Somália é considerada um condicionante direto da guerra civil, já que
no Quênia não se verificou um conflito em termos nacionais.
Mas então, qual o segredo do
Quênia? Algumas razões podem ser apontadas: uma percentagem maior da classe
média se comparada à realidade Somali; uma fragmentação étnica demasiada; a noção
de identidade ser diferenciada nos dois países e principalmente a estabilidade
política.
Quênia, diferentemente de seu
país vizinho, possui uma forte presença da classe média e esta acabaria tendo
perdas substanciais em caso de um conflito civil, logo tende a apoiar a paz.
Sobre a fragmentação, no
Quênia nenhuma etnia é grande ou homogênea o suficiente para coordenar ou mesmo
ter uma probabilidade plausível de vitória para se engajar em um conflito
generalizado. Por ser deveras dividida, a população não se identifica
intensamente com sua etnia, caso justamente contrário da Somália, em que a
noção de individualidade está, intrinsicamente, associada a seu clã. As aspirações
pessoais do somali são as mesmas de seus consanguíneos sendo possível fazer a
conexão do motivo pelo qual o Somali é fortemente engajado às atividades de sua
família, mesmo em termos de conflitos, enquanto que o queniano não possui semelhante
apelo à sua linhagem.
Talvez o grande responsável
pelo advento de conflitos civis, todavia, seja a constante troca de regimes. A Somália,
por exemplo, desde sua independência passou por diversas experiências
políticas, até mesmo socialista, antes de entrar em colapso em 1991. Já o Quênia
experimentou um único regime de 1978 à 2002. Independente da qualidade do
governo, os quenianos, ao menos, não vivenciaram constantes transformações
políticas.
Os casos de Somália e
Quênia, vizinhos e com grandes similaridades, evidenciam que particularidades
de cada nação interferem diretamente no advento ou não de guerras civis. As
causas para o conflito generalizado, além de não serem assim tão evidentes, não
podem, então, ser apresentadas como comuns aos países do nordeste africano.
Gisele
Passaura é acadêmica do oitavo semestre do Curso de Relações Internacionais do
Centro Universitário Curitiba.
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