Bruno Quadros e Quadros
A recente Cúpula da OTAN, realizada em Lisboa, discutiu temas importantes para o futuro da Aliança Atlântica, como a criação de um sistema de defesa antimísseis e o cronograma das operações no Afeganistão. O sucesso da OTAN no gerenciamento desses pontos depende de sua relação com a Rússia, o que ficou evidente pela participação do presidente russo Dmitry Medvedev nos debates. Aqui cabe a pergunta: como Moscou se percebe no atual cenário estratégico-militar internacional?
A publicação da Doutrina Militar da Federação Russa, em fevereiro de 2010, foi o resultado de anos de debates no establishment russo. Esperava-se com ansiedade a nova percepção estratégica russa diante das mudanças no cenário internacional desde sua última Doutrina Militar (2000): a ressurgência do poder russo, a “guerra ao terror”, a expansão da OTAN para o Leste (2004) e a Guerra de Agosto (2008).
A doutrina militar de um país é um documento muito importante, já que confere previsibilidade à sua política de segurança. No caso da Rússia, em que a segurança tem grande peso nas decisões governamentais, o estudo da nova Doutrina permite a familiarização com um aspecto muito relevante da inserção internacional de Moscou. Analisamos aqui os possíveis desdobramentos da Doutrina para a política externa russa.
No início da seção sobre os perigos de guerra à Rússia, a Doutrina reconhece que "[a] arquitetura de segurança internacional existente [...] não oferece igual segurança a todos os Estados". Isso revela a percepção de que, apesar de estar bem posicionada dentro do regime de segurança internacional, a Rússia avalia que ele fornece proteção ainda maior a outros Estados.
A Doutrina reconhece a diminuição da possibilidade de uma guerra de larga escala contra a Rússia, mas percebe a persistência de algumas fontes de ameaça militar ao país. A expansão da OTAN rumo às fronteiras russas é o primeiro item dos principais perigos externos de guerra ao país. Outro perigo é o estabelecimento de sistemas de defesa antimísseis que "[...] abalam a estabilidade global e violam o equilíbrio de forças [...]", em clara referência ao projeto dos EUA de instalação de um sistema de defesa antimísseis na Europa Oriental. Reivindicações territoriais contra a Rússia também são avaliadas como um perigo externo de guerra – o pleito japonês sobre as ilhas Curilas é um exemplo disso –, assim como o terrorismo internacional.
A Doutrina revela que Moscou observará atentamente o cenário estratégico-militar em seu “exterior próximo”. Serão considerados perigos e ameaças militares à Rússia a instalação de contingentes militares de Estados e de organismos extrarregionais e a realização de exercícios militares com objetivos provocativos no território de seus vizinhos.
A Doutrina atribui grande importância à articulação em matéria de segurança no âmbito da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO), da Comunidade de Estados Independentes (CEI), da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e da Organização de Cooperação de Xangai (OCS), excluindo-se aqui a OTAN, que mereceu apenas uma breve menção entre as organizações com as quais a Rússia tentará desenvolver relações.
A Doutrina reserva o direito da Rússia de usar armas nucleares como resposta a um ataque com armas de destruição em massa contra o país, assim como no caso de agressão com armas convencionais que ameace a existência do Estado russo. Moscou adota a "política do primeiro uso" (first-use policy) de armas nucleares e adere à doutrina do ataque nuclear preemptivo (nuclear preemptive strike).
A proteção de cidadãos russos residentes no exterior contra ataques armados é uma das tarefas das Forças Armadas em tempos de paz. Isso poderá ensejar um maior intervencionismo do Kremlin em seu “exterior próximo”, sob o pretexto de proteger as minorias russas residentes nesses países. Com efeito, a proteção da população russa foi uma das justificativas de Moscou para atuar na Guerra de Agosto contra a Geórgia.
Uma das tarefas atribuídas ao complexo militar-industrial é "[...] garantir uma presença estratégica da Rússia no mercado mundial de produtos e serviços de alta tecnologia". De fato, o país tem logrado manter uma posição de destaque no mercado mundial de armamentos, respondendo por 25% de todas as exportações do setor entre 2004 e 2008.
Outro objetivo atribuído ao complexo militar-industrial é assegurar a independência tecnológica do país na produção de armas de importância estratégica. No entanto, a recente compra de porta-helicópteros franceses e de VANT's israelenses demonstra que a Rússia terá de contornar obstáculos de natureza financeira e técnica para alcançar esse objetivo.
A Doutrina prescreve o avanço nos processos de negociação para o estabelecimento de sistemas regionais de segurança como uma das tarefas da Rússia no campo da cooperação político-militar. Reforça-se a proposta russa para um Tratado de Segurança Europeia em âmbito paneuropeu – o que tem encontrado fria recepção no Ocidente.
Um documento tão fundamental como esse possui duas facetas: a orientação das Forças Armadas e o consumo externo. O texto da Doutrina está repleto de mensagens cuidadosamente dirigidas a públicos específicos. A data de sua publicação (5 de fevereiro) é bastante simbólica, coincidindo com o início da 46a Conferência de Segurança de Munique. O texto alude frequentemente à cooperação com organizações em que Moscou é influente (CSTO, OCS e CEI), enquanto as citações à OTAN são muito mais tímidas.
Para Marcel de Haas e Richard Weitz, as referências à OTAN demonstram que a nova Doutrina reafirma os valores da Guerra Fria. Essa afirmação carece de fundamento, já que a Rússia apenas faz tais referências à Aliança Atlântica como reação a uma situação geopolítica concreta em que a OTAN – esta, sim, produto da Guerra Fria – está aproximando sua infraestrutura militar das fronteiras russas, causando apreensão no Kremlin. Se a retórica da OTAN é de parceria com a Rússia, como se justifica a sua expansão para o Leste?
O conteúdo mais assertivo da Doutrina é reflexo da ressurgência global da Rússia. O aumento das despesas militares representa a intenção de retomar os investimentos na infraestrutura militar russa – que sofreu um sucateamento nos anos 1990 –, e não um movimento de militarização para a adoção de posturas intervencionistas no cenário internacional, como defendem alguns analistas.
Bruno Quadros e Quadros é analista internacional, professor em cursos preparatórios para a carreira diplomática e editor do blog Urbi et Orbi. Bacharel em Relações Internacionais no Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba).
Referências
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A OTAN sempre foi uma preoculpação da política externa russa,principalmente nos assuntos militares e de qualquer forma tem uma razão conceituável toda esta análise quanto a este organismo,pois nele como sabemos se encontra o poderio militar norte americano infiltrado em suas ações pelo mundo,ditando os ditames intervencionistas em nações que se encontram com problemas internos e externos. sem falar da questão dos anti-mísseis que os americanos sonham em coloca-lós na região do cáucaso com o pretexto de se protegerem dos mísseis provavelmente russos em caso de ataques,mas a Rússia tem toda a razão em se preoculpar com as ações da OTAN na Europa Oriental,pois afinal de contas as tropas militares deste organismo estão ao lado de suas fronteiras e cercando-as,ou seja,a Rússia analisa estamos sendo cercados e temos que fazer alguma coisa que seja contrário a este cercamento militar por tropas estrangeiras em nossa região. pois bem a Rússia como sendo parte integrante da ONU e tendo como até então o direito de poder de veto,sempre foi contrária a política externa americana no que diz respeito as resoluções da ONU e de qualquer forma sente-se ameaçada com políticas externas de países voltadas a àrea de interesse militar e se pararmos para pensar chegamos a um certo raciocínio que a mesma esta sendo escanteiada pela União Européia,esta ficando na retranca no cenário mundial e isto não é nada legal para uma nação que ficou por muitos anos como super potência ao lado dos USA. mas ai vem uma questão que não foi mencionada aqui,em que a Rússia tem uma aproximação extraordinária da China e isto será que não preoculpa os USA e União Européia? isto é uma questão a ser levantada e que se for analisada com mais cautela chegamos a uma conclusão que esta relação bilateral com a China vai deixar e se não estar deixando os americanos bastante preoculpados,porque a relação dos USA com a China para quem pensa que é militar e econômica,esta totalmente enganado,é apenas econômica,pois os dois países interdependem um do outro economicamente,a maior prova disso são as resoluções da ONU, onde a China sempre vota contra ou abstem-se das votações,e que todas estas resoluções são de interesses americanos,isto torna bem claro a aliança forte entre a Rússia e a China,pensando bem os russos no cenário mundial atual,se sentem tanto ameaçados,quanto a excluídos pela União Européia e pelos EUA e assim os mesmos montam suas estratégias e prevenções contra ataques de países considerados não aliados. é bom lembrar que os russos sempre tiveram a iniciativa de ficarem sempre investindo em seus arsenais militares,mesmo com toda esta crise pós-guerra fria a Rússia continua sendo uma potência bélica e mostrou isto na última intervenção militar na região da Ossétia do Sul,onde enviou a região quase 200 helicópteros de guerra e dezenas de tanques militares,para uma ofensiva de pouca relevância mundial.
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