quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Cuba é a Faixa de Gaza da América Latina. Haiti é como se não fosse aqui.

    Na Palestina, a Faixa de Gaza compreende um território de 40 quilômetros de comprimento por no máximo 12 de largura. Ali, encostados no Egito ao sul e espremidos por Israel por todos os lados, sobrevivem quase 2 milhões de pessoas num dos espaços mais densamente povoados do planeta. Além disto, a população tem crescido, em média, 3,2% ao ano. Sem espaço para pecuária, Gaza também não tem infraestrutura sequer para uma industrialização básica. 
    Toda esta miséria é cercada por aço. Em 2010, o então premiê israelense Benjamin Netanyahu anunciou a construção de mais de 100 quilômetros de muralhas para bloquear o território palestino. Este cerco por água, terra e ar era justificado pelo caráter “judaico e democrático” do estado de Israel, declarou Netanyahu. Não bastasse a asfixia humanitária e econômica, Gaza sofreu bombardeios israelenses em 2008, 2012, 2014 e 2021. Em 2012, inclusive, uma escola das Nações Unidas na Palestina foi posta em ruínas. 
    Enquanto em Gaza não há como sequer realizar uma transfusão de sangue em um ferido, Cuba goza de um dos melhores sistemas públicos de saúde do mundo. Isto que, há quase 60 anos, a ilha caribenha enfrenta um bloqueio econômico dos Estados Unidos similar – embora mais brando – ao que os palestinos encaram de Israel.
    Em 2021, pela 29o vez, a maioria dos países da ONU foram contra o bloqueio americano a Cuba. Foram 184 votos favoráveis a resolução que condena o embargo e apenas dois contrários: o próprio embargante e, curiosamente, Israel. 
    Cuba está estagnada econômica, cultural, tecnológica e intelectualmente nos anos 1960. É raro ver carros na rua que ainda possuem linha de fabricação e comum observar meninos chutando bola com camisas do Botafogo de Garrincha no Malecon Habanero. O embargo, indiretamente, fez dos mecânicos cubanos os mais criativos do mundo, já que não há sequer uma autopeça made in USA na ilha. Se é difícil para o mundo automotivo, que dirá para as demandas de modernização e acesso à internet, causa dos mais recentes protestos contra o governo de Miguel Díaz-Canel que renderam mais de 400 prisões de manifestantes.
    Engessada, a economia do país é absolutamente dependente do turismo que, pela pandemia do coronavírus, praticamente inexistiu neste um ano e meio. Para piorar a agitação social, o país enfrentou seguidos blecautes em decorrência de acidentes em estações elétricas, que seriam facilmente resolvidos não fosse a dificuldade que o embargo estadunidense impõe na importação de todo e qualquer material.


    São menos de 90 quilômetros que separam as ilhas se considerarmos o ponto mais oriental de Cuba até o extremo ocidente do Haiti. Enquanto Havana lidou relativamente bem com a pandemia e já vacinou mais de 30% da população contra a Covid-19, Porto Príncipe não tem sequer condições de armazenamento resfriado de doses de imunizante, o que torna a vacinação um programa sanitário natimorto. 
    O terremoto do início de 2010 chacoalhou ainda mais a miséria no país mais pobre do continente. Foram mais de 300 mil mortos, 300 mil feridos e 2 milhões de flagelados somente no cismo. Em decorrência dele e da Missão de Paz da ONU liderada pelas Forças Armadas do Brasil, vieram uma epidemia de cólera que chegou a hospitalizar mais de 20 mil pessoas e uma onda de delinquência inédita. 
    Mais de década depois da catástrofe, o Haiti se encontra quiçá pior que há dez anos. O país, desde e por causa da sua fundação na virada do século XVIII para o XIX, não experimentou estabilidade minimamente duradoura. Entre o fim dos anos 1800 e começo do século XX, dos 20 governantes que se sucederam, 16 foram mortos ou depostos. É como, se até hoje, o centro euro-americano não aceitasse que a revolta de escravos descendentes de africanos tenha reivindicado a liberdade, igualdade e fraternidade de Bonaparte para a colônia canavieira tropical de Saint-Domingue, fazendo do Haiti a primeira nação independente da América Latina em 1804, não reconhecida pelos Estados Unidos. 
    Mesmo independente da França, o país recém-nascido teve de compensar financeiramente os donos de escravo da metrópole, o que hipotecou o Haiti aos bancos franceses por todo os anos 1800. Com o declínio dos impérios francês, britânico e espanhol e ascensão dos EUA no século XX, o presidente democrata Woodrow Wilson invadiu a ilha e a tornou um protetorado americano em 1915. Por 18 anos, Porto Príncipe viveu sob a batuta direta de Washington. Já no contexto da Guerra Fria, François Duvallier assume o poder – com apoio dos Estados Unidos - em 1957 após dois pleitos dissolvidos. Papa Doc, como era conhecido, instaurou uma sombria ditadura que se apropriava de estereótipos do vodu para o terror policialesco. Morto, o então presidente vitalício passou o cargo 1972 para Jean-Claude, o Baby Doc, seu filho.
    Enchendo o pai de orgulho, Baby Doc continuou a perseguir a Igreja Católica e decretou estado de sítio em 1986. Entre a queda e exílio na França de Jean-Claude e a eleição do padre Jean-Bertrand Aristide em 1990 houve mais reviravoltas que na última temporada de Game of Thrones. Aristide, inclusive, só foi tomar posse quatro anos depois, quando o Conselho de Segurança da ONU aprovou bloqueio total ao país. Com apoio militar norte-americano, o clérigo finalmente assumiu a presidência.
    Quando tudo parecia se encaminhar para uma aparente normalidade, Aristide foi acusado de fraude eleitoral pela oposição no começo dos anos 2000, que se levantou em grupos paramilitares e milicianos para o depor em 2004. Daí surgiu a Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti, comandada pelo brasileiro General Augusto Heleno, hoje Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional do Brasil. 
    A força-tarefa chegou a contar com mais de 30 mil militares de 15 países diferentes, esteve lá durante as catástrofes de 2010 e terminou em 2017. A Missão não somente falhou em trazer estabilidade política ao Haiti, como também é comumente alvo de denúncias de violências e abusos sexuais. Até que em julho de 2021 houve outro magnicídio. Jovenel Moïse, o presidente do país, foi morto na cama de sua residência por mercenários estrangeiros e opositores nacionais. 
    Enquanto notícias da invasão de manifestantes ao Capitólio norte-americano ainda repercutam internacionalmente como um dos maiores ataques a democracia, o assassinato de Moïse já é notícia velha no folhetim de tragédias haitianas. No máximo, há de servir como pretexto para mais uma invasão bélica estrangeira no instável país, tratado como se não merecesse estar cravado no meio do azul do mar caribe. 
    Há mais de meio século, um espichado país cercado de lágrimas por todos os lados sobrevive sob a sombra da maior máquina de guerra da história da humanidade. No oriente médio, outro bocado de oprimidos padece dos mesmos males, exceto que sob procuração. No entanto, os fantasmas de Fidel Castro e do Hamas parecem servir de cortina de fumaça sobre o verdadeiro problema que enfrentam Cuba e Palestina: o bloqueio. 
    No Haiti, a miséria está tão intrinsecamente naturalizada que nada parece dar jeito. E as soluções que a comunidade internacional vislumbra ao país são as mesmas, e erradas, desde a sua independência. 

2 comentários:

  1. Bom texto, refleti nesse similaridade entre esses dois países.

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