segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Os preocupantes extremos climáticos de julho


    Os veículos de imprensa mundiais e as redes sociais foram tomados por notícias, manchetes e vídeos que mostraram os recordes de temperatura, desde o calor extremo no Canadá ao frio intenso no Brasil, realçando a intensidade dos fenômenos climáticos e atmosféricos, como o clima de monções e os chamados El Niño e La Niña, visivelmente alterados pelas consequências das ações do ser humano ao redor do planeta que proporcionaram episódios preocupantes e incomuns no mês de julho. Um dos acontecimentos mais marcantes foi a onda de calor extremo no sudoeste canadense e no noroeste dos EUA, a qual foi nomeada “cúpula de calor” pelos meteorologistas, que levou à cidade de Lytton no Canadá, próxima à metrópole Vancouver, atingir temperaturas impressionantes de 49,6°C depois de dias batendo o recorde de verão mais quente da história do país. 
    Esse fenômeno climático ocasionou centenas de mortes e milhares de incêndios, além de ter cozinhado mais de um bilhão de animais marinhos vivos como mexilhões e outros diferentes tipos de moluscos que prejudicaram totalmente as economias dos pescadores locais. Essa irregularidade de temperaturas observada no Canadá pode ser entendida como um bloqueio atmosférico que impede a chegada de massas de ar frias na região. Juan Antonio Añel, professor de Física da Terra da Universidade de Vigo, alertou que a província da Colúmbia Britânica chegou a 20°C acima do normal, frisando que a situação não é normal mesmo com o forte verão da América do Norte, já que as mudanças climáticas aumentam as chances de mais fenômenos anormais como esse acontecerem.
Mexilhões mortos pelo calor no litoral canadense. Foto via: Getty Images.

    
As ondas de calor foram responsáveis também por mais de 60 focos de incêndio na Turquia, que por conta de fortes ventos acabou espalhando o fogo por diversas florestas, obrigando os habitantes de 34 vilas diferentes a deixarem suas casas e protagonizando cenas catastróficas que mostravam o fogo muito próximo às regiões urbanas. Segundo o Diário Independente da Turquia, após o mês de maio mais quente da história do país, os turcos tiveram seu dia mais quente em mais de 50 anos nesse mês de julho no distrito de Cizre no sudeste do Estado, ultrapassando os 49°C. Foram registrados 133 incêndios na Turquia nesse ano, muito acima dos 43 registrados em média nos anos anteriores, somando mais de 90 mil hectares queimados. O país inteiro está em alerta e recebe ajuda de aviões enviados pela União Europeia para despejarem água e combaterem as chamas que também afetam o sul da vizinha Grécia, porém em menor escala. 
    Para se ter melhor ideia da dimensão das queimadas e da anormalidade das temperaturas que ocorreram em julho, a região de Yakutia, a maior e mais fria da Sibéria russa, enfrentou gigantescos incêndios florestais que queimaram cerca de 1,5 milhão de hectares de permafrost nos últimos três meses e está passando pelo verão mais seco dos últimos 150 anos de acordo com o The Guardian. A cidade de Yakutsk, maior cidade da região de mais de 300 mil habitantes, vive um momento muito semelhante à cidade de São Paulo em 2019: dia encoberto pelas fumaças dos incêndios florestais que mudaram completamente a vida da população local, que foi orientada pelo governo a ficar em casa de janelas fechadas.
Incêndios em Yakutia, Rússia. Foto: The New York Times.

    
Com efeito do aumento das temperaturas, a evaporação da água é acelerada, favorecendo a ocorrência de temporais muito mais fortes que o habitual. As monções, período de chuvas torrenciais que se estende de junho a setembro principalmente no continente asiático, foi uma das protagonistas dos inúmeros episódios de inundações e deslizamentos que acarretaram centenas de mortes e milhares de desabrigados em diferentes partes do mundo, como na província de Henan na China e em diferentes regiões da Índia.
    A metrópole chinesa de Zhengzhou foi colocada em alerta vermelho após volumes recordes de chuvas obrigarem mais de 200 mil habitantes a abandonarem suas casas, impulsionados também pelo rompimento de uma barragem na região. Localizada na bacia do rio Amarelo, segundo mais longo do país, Henan possui uma importante rede fluvial em termos comerciais que atravessa seu território. A província começou a sofrer com transbordamentos e inundações de forma nunca antes vista, principalmente após o aumento generalizado nas construções de novas barragens que interromperam o fluxo natural da água entre o rio Amarelo e os lagos da região.
    Vídeos circulando nas redes sociais mostraram o impacto das chuvas e os problemas enfrentados pelos habitantes por conta desse agravamento climático, como o resgate de mais de 500 pessoas na rede de metrô em Zhengzhou e os efeitos devastadores das monções no estado de Assam, no nordeste da Índia que faz fronteira com o Nepal. Nessa região, aproximadamente quatro milhões de pessoas ficaram desabrigadas e plantações foram devastadas por conta das fortes chuvas. Já no extremo oposto indiano, as monções invadiram uma fábrica de purificação de água em Mumbai, megacidade de mais de 20 milhões de habitantes, paralisando o sistema de abastecimento da cidade. 
Enchente de Zhengzhou, capital da província chinesa de Henan.

    Outro cenário atípico que foi noticiado por semanas pela mídia ocidental foram as notáveis inundações localizadas no continente europeu, causadas por chuvas torrenciais principalmente na Alemanha e na Bélgica, em regiões onde ocorreram deslizamentos e destruições de vilas que somaram aproximadamente 200 mortes e milhares de desaparecidos, o que foi considerado o maior desastre natural da história alemã recente. De acordo com a chanceler Angela Merkel, as adversidades climáticas estão se tornando cada vez mais recorrentes e a comunidade europeia precisa responder a isso rapidamente, descrevendo a situação como “surreal e assustadora” após visitar as áreas mais afetadas do país.
    Em meio a esses acontecimentos, a União Europeia divulgou doze medidas que compõem um novo plano de combate às mudanças climáticas. Estão sendo negociadas entre os países membros, por exemplo, a imposição de limites mais rígidos para as emissões de carbono produzidas por automóveis e um maior incentivo para a produção e venda de carros elétricos, além da criação de um imposto sobre combustíveis utilizados na aviação e tarifas chamadas “fronteiras de carbono”, com o objetivo de proteger a indústria interna da UE de concorrentes estrangeiros que não cumprem os mesmos padrões ambientais impostos pelo bloco.
    Enquanto alguns países alagam, outros passam por uma das maiores crises hídricas de suas histórias. De acordo com o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), em mais de 90 anos o Brasil nunca tinha visto uma escassez nos seus reservatórios em tal intensidade. Devido à irregularidade das chuvas no verão, o abastecimento de água fica realmente ameaçado principalmente na região sul e sudeste do país, além de causar impacto na agricultura e encarecer a energia elétrica no inverno. Nessa época a região é naturalmente mais seca nessas localidades e afeta consideravelmente a Bacia do Paraná, que engloba os rios com maior capacidade de produção elétrica do Brasil. As vegetações novas, como lavouras, por possuírem raízes mais curtas, dificultam a infiltração da água da chuva nos lençóis freáticos, diminuindo a vazão dos rios e o nível dos reservatórios das hidrelétricas, problema que tem sido cada vez mais frequente no cerrado brasileiro, berço das maiores bacias hidrográficas do país, como a do rio Paraná.
Seca no Rio Paraná. Foto: Giovani Zanardi/RPC

    
Acompanhando a seca, a onda de frio extremo que o sul, sudeste e partes do centro-oeste do Brasil estão enfrentando nesse momento é também produto do aumento das temperaturas médias do planeta. Apesar de parecer controverso, é uma realidade muito preocupante que ainda é utilizada incorretamente por negacionistas da ciência como argumento para descredibilizar o aquecimento global e suas consequências. No caso brasileiro por exemplo, o fenômeno da troca de massas de ar quentes para a Antártida e frias para a América do Sul é intensificado significativamente. 
    Nos últimos anos, algumas cidades do centro-sul do Brasil tiveram dias muito quentes em pleno inverno enquanto o continente gelado, por sua vez, não recebe raios solares nessa época do ano. Essa disparidade de temperaturas ao longo do tempo prejudica o fenômeno que era para acontecer naturalmente, fazendo com que as massas de ar mais quentes vindas do continente americano forçassem a entrada na Antártida, que devolve uma massa de ar polar rigorosa que bate os recordes de temperatura abaixo de zero nas serras catarinense e gaúcha e agrada os turistas que vão para Gramado (RS) presenciar a neve. 
    Dito isso, é importante entender que as anomalias climáticas não se limitam apenas à geografia ou às mudanças climáticas, mas também à má gestão dos recursos naturais e ao desmatamento que impulsionam o aquecimento global. Segundo o gerente de água membro da ONG The Nature Conservancy, Samuel Barreto, a perda de vegetação nativa agrava muito a situação, por exemplo, do norte e do nordeste do Brasil que enfrenta o fenômeno das inundações: “(...) as florestas cumprem um serviço importante. Elas ajudam a reter a água da chuva que infiltra no solo e nos lençóis freáticos. Isso atenua os picos de enchente e de seca.”
    Além disso, de acordo com José Marengo, climatologista e coordenador-geral de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o cenário de muitas chuvas na Amazônia e a falta delas no cerrado “são exemplos de extremos climáticos, que, de certa forma, são consequências de uma variabilidade muito irregular do clima; uma consequência do aquecimento global”.
    Esse foi realmente um mês alarmante e preocupante para o futuro. É preciso sempre destacar que os fenômenos climáticos e suas particularidades, sutis ou extremas, existem e são naturais, porém são agravadas e transtornadas pela ação humana no planeta. Dessa forma, é de se esperar que as autoridades competentes dos Estados priorizem os debates direcionados ao desenvolvimento sustentável em suas agendas e que cooperem em âmbito internacional para combater e amenizar de maneira efetiva os extremos climáticos vivenciados nesse julho de 2021.

Referências
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