terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Opinião: As consequências da retirada norte-americana da Síria



As consequências da retirada norte-americana da Síria

Andrew Traumann*




No final de dezembro de 2018, o presidente norte-americano Donald Trump, anunciou de forma repentina a retirada das tropas norte-americanas da Síria alegando que o Daesh ou Estado Islâmico fora derrotado e que portanto a missão dos EUA na Síria foi cumprida. Trump desagradou o Pentágono e muitos dos seus assessores militares mais próximos, inclusive levando à renúncia do Secretário de Defesa Jim Mattis.

Apesar do contingente relativamente reduzido de soldados em solo (cerca de dois mil), as tropas norte-americanas eram responsáveis pelas fronteiras norte e leste da Síria. Agora, os curdos, aliados norte-americanos temem represálias turcas enquanto Rússia e Irã veem a retirada como uma oportunidade de ganhar território. O presidente Vladimir Putin, em sua entrevista coletiva anual, não escondeu a satisfação com a notícia da retirada, definindo-a como “a coisa certa a fazer” e lembrando que os EUA “deveriam também sair do Afeganistão.

 A situação é tão delicada que o Secretário de Estado Mike Pompeo, teve que ir ao Oriente Médio tranquilizar seus aliados. No entanto, em visita a Ankara, ao tentar “consertar” o tuíte de Trump em dizendo que a retirada só se daria se a Turquia se comprometesse a não perseguir os curdos só obteve a irritação do presidente turco Tayyip Erdogan. Explico: a Turquia tradicionalmente vê os curdos em geral como suspeitos e o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), em particular como um grupo terrorista. O PKK por sua vez, se apresenta como um grupo que busca a autodeterminação curda por meio da criação do Curdistão, unindo curdos turcos, sírios e iraquianos.

Maria Zarakhova, porta voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, incentivou o diálogo entre os curdos sírios e o governo de Bashar Al Assad e que assim que os marines completem sua retirada o território em questão retorne a soberania síria.

Mas por que Trump fez isso e quais as prováveis consequências desse ato para a geopolítica da região? 

Antes de tudo, temos que observar o cenário interno: ano que vem haverá eleições presidenciais nos EUA e Trump sempre foi um defensor de uma política ao mesmo nacionalista e isolacionista, ou seja, seu “dever” como presidente é apenas e tão somente defender os interesses norte-americanos mais imediatos, o que em seu raciocínio significa por exemplo, retirar-se de pactos como o Acordo de Paris e trazer para casa os soldados norte-americanos, alegando que “os outros inimigos do Estado Islâmico como Síria e Irã agora terão que lutar também”, passando a errônea impressão aos mais desavisados de que os dois mil norte-americanos têm lutado sozinhos.  

Outro argumento de Trump é fortalecer seu exército dentro dos EUA, na prevenção e retaliação de eventuais ataques do Estado Islâmico em seu território. Ou seja, isolacionismo puro. Recentemente, pressionado por seus assessores a dizer algo que tranquilizasse seus aliados curdos, Trump, sutil como um hipopótamo numa loja de cristais e fã de uma boa hipérbole, prometeu “devastar a economia turca”, caso a Turquia, membro fundador da OTAN, e um de seus mais próximos aliados na região, ataque os curdos. O presidente turco Erdogan, por sua vez não poderá suportar politicamente que os curdos estejam controlando no momento boa parte da Síria, inclusive a fronteira com a Turquia.

A miopia geopolítica de Trump chega a ser constrangedora, pois ao contrário do que o presidente têm afirmado não podemos dar o Estado Islâmico como morto. Apesar do grupo de fato ter perdido território nos últimos anos para forças sírias e russas, não é verdade que o mesmo esteja acabado. Especialistas da região afirmam que o EI possui posições em torno da cidade de Raqqa, sua “ex-capital” e que a retirada norte-americana certamente será vista como uma vitória e um estímulo ao reagrupamento da organização.

Além disso, do ponto de vista de uma política de poder a retirada simplesmente abre caminho para a vitória de Bashar Al Assad, Vladimir Putin e Hassan Rohani na guerra iniciada em 2011, fortalecendo o chamado Arco Xiita (formado por Síria, Irã, Iraque e Hezzbollah) e enfraquecendo não só o poderio e influência norte-americana, mas também de seus principais aliados Arábia Saudita e Israel.


(*Andrew Traumann é Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná, é autor dos livros "Os Militares e os Aiatolás: Relações Brasil-Irã (1979-1985)" e "Os colombianos" e Professor de História das Relações Internacionais no UNICURITIBA). 

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