sexta-feira, 1 de julho de 2011

O FORMALISMO NA SOCIEDADE BRASILEIRA

Patricia Tendolini



“Essa lei não vai pegar!” Essa é uma frase comum em nosso país. Quando uma lei é criada no Brasil, existe a possibilidade dela “pegar ou não”. Como exemplo, temos o Estatuto da Criança e do Adolescente, conhecido como um dos melhores do mundo, mas a realidade das crianças nas ruas das grandes cidades é bem distinta do que se lê. Mais do que uma peculiaridade jurídica, o formalismo pode ser visto como uma característica cultural de nosso povo e pode ser entendido como o exagerado apego às leis, que muitas vezes são elaboradas com frases elegantemente construídas, mas que apresentam conteúdo diferente dos costumes e necessidades daqueles a quem se direcionam. Em sociedades como a nossa, fortemente influenciadas por padrões ou modelos estrangeiros, torna-se mais fácil adotar uma estrutura formal por decreto ou lei do que institucionalizar o correspondente comportamento social.

Utilizando uma analogia com a luz quando atravessa um prisma, Riggs cria um modelo hipotético de sistemas sociais, segundo o seu grau de diferenciação, buscando evidenciar a relações entre estrutura (padrão de comportamento tornado como um aspecto normal do sistema social) e o número de funções que desempenha. Assim, enquanto em certas sociedades, uma família pode executar inúmeras funções (educacionais, econômicas, políticas, sociais e religiosas, além da reprodutora), em outras sociedades, observa-se grande número de instituições realizando funções distintas. De acordo com esse modelo, em um dos extremos estaria o modelo concentrado, dotado de uma só estrutura, funcionalmente difusa, motivada predominantemente pela condição pessoal e particularista; no outro extremo, o modelo difratado, em que cada estrutura corresponderia a uma função distinta, funcionalmente específica,orientada para a realização específica e universalista. No ponto médio entre os dois extremos, estaria o modelo prismático, combinando características de ambos.
Como características básicas das sociedades prismáticas como a brasileira, e residuais das sociedades difratadas e concentradas, destacam-se a heterogeneidade (coexistência de elementos modernos e antigos), a superposição (execução de uma série de funções por uma mesma unidade social, favorecendo a interferência de critérios alheios ao seu domínio próprio) e o formalismo.
O formalismo é a discrepância entre as normas prescritas legalmente e as atitudes concretas adotadas na sua implementação. Uma lei formalística estabelece uma diretriz que não é colocada em prática e tem pouco efeito sobre o comportamento dos indivíduos, ocorrendo quando as normas deixam de ser observadas pelos indivíduos, sem que isso se caracterize a obrigatoriedade de sanções.
As funções manifestas representam os objetivos declarados de uma instituição, estabelecidos pelo seu estatuto; já as funções latentes seriam as conseqüências não reconhecidas do padrão de comportamento verificado. Dessa forma, a adoção de uma modelo ou lei – função manifesta – estranho ao comportamento social, pode levar à constituição de meras fachadas administrativas, enquanto o verdadeiro trabalho administrativo continua sendo função latente de instituições antigas.
Trazendo essa discussão para a realidade brasileira, é importante entender como nossa história tem apresentado momentos distintos de sua integração, e dos seus habitantes, no âmbito da história mundial. Todo o problema histórico no nosso país pode ser entendido sob duas formas: uma externa, voltada para o mundo e visando à inserção do país na evolução histórica mundial; e outra, particular, que articula essas mudanças aos interesses internos de nosso país. Desse processo resulta uma tensão entre as tendências orientadas pelas condições externas e as condições internas da sociedade.
Guerreiro Ramos considera o formalismo como uma estratégia de construção nacional: não caminhamos do costume para a teoria, do vivido para o formal, mas do teórico para consuetudinário, do formal para o vivido. Em seus primórdios, o Brasil não tinha povo, seus “construtores” não tinham em que se inspirar a fim de estabelecer nossas instituições formais; recorreu-se a soluções formalísticas, a exemplos estrangeiros, na maioria das vezes estranhos a nossa realidade. As reformas precedem os costumes, as leis antecipam as práticas coletivas,e seu aprendizado acaba tornando-se lento e penoso. Muitas vezes acontece que, ainda não compreendidas de forma satisfatória pelo povo, já se pensa em reformá-las ou substituí-las novamente.
Assim na sociedade brasileira, a presença do formalismo como produto cultural se reflete em um ciclo: as leis não se fundamentam na cristalização dos costumes,mas são imposição de algo, gerando um descompasso entre a norma e a prática social, o que muitas vezes leva à não obediência dessas leis, conduzindo a um processo de criação ostensiva de novas regras, com o intuito de reforças as primeiras. Passa-se a conferir poderes quase mágicos a portarias, lei e decretos,como se uma simples legislação, sem qualquer ligação com a realidade social, pudesse mudar essa mesma realidade que ignora.

Referências Bibliográficas
BARBOSA, L. N. H. O Jeitinho brasileiro. Rio de Janeiro : Campus, 1992.
CASTOR, B. V. J. O Brasil não é para amadores. Curitiba : EBEL: IBQP-PR, 2000.
GUERREIRO RAMOS, A. Administração e estratégia do desenvolvimento. Rio de Janeiro : Fundação Getúlio Vargas, 1966.
RIGGS, F. W. Administração nos países em desenvolvimento. Rio de Janeiro : Fundação Getúlio Vargas, 1968.
VIEIRA, C. A. COSTA, F. L. BARBOSA, L. O Jeitinho brasileiro como um recurso de poder. Revista de Administração Pública, v. 16, n. 2, p. 5-31, 1982.

Patricia Tendolini é professora de economia do Unicuritiba.

2 comentários:

  1. Talvez se houvesse uma punição mais severa,com relação ao cumprimento das leis,a história seria bem diferente,mas assim uma punição com muito rigor,sem fianças e sem brechas alguma,quem sabe isto poderia resolver de uma única vez o desrespeito as leis vigentes em nossa nação. Porque se pararmos para analisar em termos de leis,que não são cumpridas e focando o código nacional de trânsito,é muito comum as infrações diárias no trânsito e não é por falta de informação ou conhecimento,quem aqui nunca viu um veículo estacionado em local proibido? E o mesmo do lado de um mecanismo de metal,sustentando uma placa grande com uma letra bem visível,sinalisando a proibição,isto é apenas um simples exemplo dentre tantos outros em nossos ordenamentos jurídicos vigentes que são ignorados. Mas acredito que uma sociedade mais educada,com uma boa formação escolar,pudesse de uma vez,ver estas questões com outro olhar,um olhar mais humano e pensando antes de tudo no próximo. Nunca me esqueço quando um certo dia eu estava em minha casa,como sempre numa sexta-feira a noite,assistindo o globo réporter sobre a civilização da Índia,os povos,os costumes,religiões etc. No passar da matéria mencionada pelo apresentador do programa evidenciou-se uma cena interessante: ao sair de uma mesquita indiana aquela multidão de indianos,e entre toda esta multidão um deles perdeu o seu par de chinelos naquele corre-corre da saída da mesquita,e dois dias se passaram deste acontecimento,o cidadão que perdeu seu par de chinelos veio no mesmo local onde tudo aconteceu,e encontrou seu par de chinelos naquele mesmo local intactos e sem ao menos alguém ter mexido. E neste mesmo local tinha bastantes movimentos de pessoas e os mesmos ao passarem naquele local,se quer pararam para ver aquele objeto exposto no chão,a imagem que se passou na mente daqueles povos foi o de que: aquela peça,tinha um dono e ficando ali consequentemente ele viria buscar,e foi o que aconteceu passados dois dias depois,ou seja,houve então a ação de se pensar no próximo e não somente em si próprio como é muito comum na nossa sociedade o individualismo empregnado comraízes focados no meu eu e não no corpo coletivo de um todo.

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  2. Quem dava força para ele, o Ministério Público e Polícia Federal na base do cumpra-se a Lei, doa a quem doer, era, paradoxalmente, o próprio Lula (que, quando era Deputado Federal à época da Constituinte, já havia afirmado, para o espanto geral da mídia hipócrita, que no Congresso Nacional havia MAIS DE 300 picaretas) e tambêm a Dilma em cujo mandato desencadeou-se todo o processo investigatório, só que, concentrado e focado no seu próprio governo e em item AMENO de "descumprimento" de metas orçamentárias, impossíveis de serem cumpridas com tantos rombos desses mais de 300 picaretas que enganaram um bando de coxinhas idiotas e criaram o clima de desestabilização do Governo Dilma, clamando pelo "quanto pior, melhor" e assinando embaixo os votos SIM SIM SIM dos mais de 300 ladrões picaretas que o Lula há anos já denunciara conforme acima exposto.

    O Moro é apenas mais um elemento introduzido nessa equação político partidária e que entrou oportunamente com o fito de focar o PT, o LULA e a DILMA para ajudar a "desesternizar" o "mando de campo" determinado pelo voto e acelerar a conspiração político-intervencionista nacional e internacional na autodeterminação do Brasil no que se refere ao voto e à Democracia, comprovadamente frágil quando se pensava ser consolidada e com os três poderes de uma sociedade difratada e não lamentavelmente prismática.

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