As consequências da retirada norte-americana da Síria
Andrew Traumann*
No final de dezembro de 2018, o presidente norte-americano
Donald Trump, anunciou de forma repentina a retirada das tropas
norte-americanas da Síria alegando que o Daesh ou Estado Islâmico fora
derrotado e que portanto a missão dos EUA na Síria foi cumprida. Trump
desagradou o Pentágono e muitos dos seus assessores militares mais próximos,
inclusive levando à renúncia do Secretário de Defesa Jim Mattis.
Apesar do contingente relativamente reduzido de soldados em
solo (cerca de dois mil), as tropas norte-americanas eram responsáveis pelas fronteiras
norte e leste da Síria. Agora, os curdos, aliados norte-americanos temem
represálias turcas enquanto Rússia e Irã veem a retirada como uma oportunidade
de ganhar território. O presidente Vladimir Putin, em sua entrevista coletiva
anual, não escondeu a satisfação com a notícia da retirada, definindo-a como “a
coisa certa a fazer” e lembrando que os EUA “deveriam também sair do
Afeganistão.
A situação é tão
delicada que o Secretário de Estado Mike Pompeo, teve que ir ao Oriente Médio
tranquilizar seus aliados. No entanto, em visita a Ankara, ao tentar
“consertar” o tuíte de Trump em dizendo que a retirada só se daria se a Turquia
se comprometesse a não perseguir os curdos só obteve a irritação do presidente
turco Tayyip Erdogan. Explico: a Turquia tradicionalmente vê os curdos em geral
como suspeitos e o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), em particular
como um grupo terrorista. O PKK por sua vez, se apresenta como um grupo que
busca a autodeterminação curda por meio da criação do Curdistão, unindo curdos turcos,
sírios e iraquianos.
Maria Zarakhova, porta voz do Ministério das Relações
Exteriores da Rússia, incentivou o diálogo entre os curdos sírios e o governo
de Bashar Al Assad e que assim que os marines
completem sua retirada o território em questão retorne a soberania síria.
Mas por que Trump fez isso e quais as prováveis
consequências desse ato para a geopolítica da região?
Antes de tudo, temos que observar o cenário interno: ano
que vem haverá eleições presidenciais nos EUA e Trump sempre foi um defensor de
uma política ao mesmo nacionalista e isolacionista, ou seja, seu “dever” como
presidente é apenas e tão somente defender os interesses norte-americanos mais imediatos,
o que em seu raciocínio significa por exemplo, retirar-se de pactos como o
Acordo de Paris e trazer para casa os soldados norte-americanos, alegando que
“os outros inimigos do Estado Islâmico como Síria e Irã agora terão que lutar também”,
passando a errônea impressão aos mais desavisados de que os dois mil
norte-americanos têm lutado sozinhos.
Outro argumento de Trump é fortalecer seu exército dentro
dos EUA, na prevenção e retaliação de eventuais ataques do Estado Islâmico em
seu território. Ou seja, isolacionismo puro. Recentemente, pressionado por seus
assessores a dizer algo que tranquilizasse seus aliados curdos, Trump, sutil
como um hipopótamo numa loja de cristais e fã de uma boa hipérbole, prometeu
“devastar a economia turca”, caso a Turquia, membro fundador da OTAN, e um de
seus mais próximos aliados na região, ataque os curdos. O presidente turco
Erdogan, por sua vez não poderá suportar politicamente que os curdos estejam
controlando no momento boa parte da Síria, inclusive a fronteira com a Turquia.
A miopia geopolítica de Trump chega a ser constrangedora,
pois ao contrário do que o presidente têm afirmado não podemos dar o Estado
Islâmico como morto. Apesar do grupo de fato ter perdido território nos últimos
anos para forças sírias e russas, não é verdade que o mesmo esteja acabado.
Especialistas da região afirmam que o EI possui posições em torno da cidade de
Raqqa, sua “ex-capital” e que a retirada norte-americana certamente será vista
como uma vitória e um estímulo ao reagrupamento da organização.
Além disso, do ponto de vista de uma política de poder a
retirada simplesmente abre caminho para a vitória de Bashar Al Assad, Vladimir
Putin e Hassan Rohani na guerra iniciada em 2011, fortalecendo o chamado Arco
Xiita (formado por Síria, Irã, Iraque e Hezzbollah) e enfraquecendo não só o
poderio e influência norte-americana, mas também de seus principais aliados
Arábia Saudita e Israel.
(*Andrew Traumann é Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná, é autor dos livros "Os Militares e os Aiatolás: Relações Brasil-Irã (1979-1985)" e "Os colombianos" e Professor de História das Relações Internacionais no UNICURITIBA).