Artigo realizado na disciplina de Análise em Relações Internacionais e Política Externa, ministrada pela Profa Dra Janiffer Zarpelon. As opinões apresentadas no artigo não refletem o posicionamento da instituição, mas sim dos seus autores.
* Alejandra Alcon Morais
Sistemas
sociais, políticos, culturais e econômicos frequentemente passam por processos
de alteração decorrentes das mudanças na forma de vida e das necessidades das
comunidades. Tal mutação traz consigo alterações não somente para a sociedade
em questão, como também para as que de alguma forma estão ligadas a ela. Este
poder de influência entre os Estados começou a ser nítido a partir do início da
Modernidade, onde os costumes e organização social da Europa no século XVII
difundiram-se para o sistema internacional. Tais influências foram progredindo
para conexões interestatais ligadas por um novo tipo de sistema social, que
começava a passar pelos processos intensificados da globalização.
O desenvolvimento tecnológico advindo do forte
investimento de capital aplicado no mercado com o intuito de agilizar e
facilitar as relações comerciais tanto a nível nacional, quanto a nível
internacional, proporcionou uma grande redução do tempo de produção e uma expansão
na capacidade produtiva nacional. Atualmente, o sistema econômico predominante
no cenário internacional, é o sistema capitalista, que propiciou a aceleração
da globalização, já que, o mesmo tende a expansão para os mercados
internacionais, uma vez esgotada a capacidade dos nacionais. Porém este
processo não trouxe apenas uma maior industrialização nos Estados e uma
facilidade na obtenção de recursos indisponíveis no mercado nacional, o mesmo
também teve resultados negativos para alguns países.
Marx
e Durkheim viam a modernidade como uma era sombria, pois afirmavam
assertivamente que haveria consequências desagradáveis para os países
subdesenvolvidos. Por uma visão marxiana o avanço tecnológico nos países
desenvolvidos acarretaria numa dependência por parte dos subdesenvolvidos
justamente por não ter meios de aprimorar sua tecnologia, deixando-os em uma
posição periférica permanente no sistema internacional, enquanto os Estados
desenvolvidos continuariam na disputa na balança de poder. Falava-se muito das
consequências sociais da modernidade, porém, não foi previsto a potencialidade
destrutiva que esta traria para os recursos naturais em longo prazo.
Num sistema internacional onde as relações comerciais
favoreciam em maior ou menor escala a grande parte da comunidade internacional,
não existia uma preocupação de fato com o meio ambiente, pois este precisava
ser explorado para a obtenção dos recursos e espaços que viriam a gerar lucro e
com isso, poder e desenvolvimento. O avanço que veio de mãos dadas com a modernidade
tem sua dupla face. Por um lado, facilitou a comunicação entre os povos,
possibilitou o fácil acesso às informações, favoreceu a economia e a produção
nacional, dentre outras vantagens. Porém, seu lado negativo é bem evidente.
No
plano ambiental, a degradação humana de uma sociedade industrial é tão alta que
torna a capacidade de auto- renovação da natureza insuficiente para restaurar
os danos sofridos e, no plano social, a desigualdade é um fator agravante para
a situação ambiental. Para Ignacy Sachs (2000), todos os seres humanos degradam
o meio ambiente, seja por necessidade e falta de opção, ou por falta de
consciência e interesse. Logo, estes dois tipos de estragos naturais criados
pelo ser humano tem motivações totalmente distintas, sendo a primeira mera
questão de sobrevivência, e a segunda uma egoísta busca pelo poder.
Os debates sobre o meio ambiente foram impulsados pela
Guerra do Vietnã (1959) que denunciou a questão ambiental e assim auxiliou a
projeção dos debates para a comunidade internacional. Neste período, o sistema
internacional ainda tinha uma visão antropocêntrica baseada no padrão societal
europeu. Começaram a haver mudanças comportamentais favoráveis ao meio ambiente
a partir de casos julgados em câmaras de arbitragem internacional, envolvendo a
questão ambiental.
O
caso Trail Smelter, ocorrido em 1941, é de suma importância para o entendimento
da visão do planeta como um todo, deixando a um lado a visão Estatal
individualista. Uma fábrica de Zinco e Cobre instalada no Canadá jogava seus
dejetos no trecho de Washington, levando a poluição a se alastrar ao território
estadunidense, afetando às pessoas, animais e bens que ali residiam. Os EUA
entenderam o ocorrido como um caso de Estado e recorreram a uma câmara de
arbitragem internacional.
No caso Trail Smelter, o princípio que regia
as relações internacionais foi alterado, pois tecnicamente o Canadá estava
poluindo dentro de seu território, onde gozava de soberania absoluta. Porém, a
resolução arbitrária constatou que em casos como este, o princípio da soberania
absoluta estatal não deveria ser aplicado, pois estaria prejudicando outro
Estado. Então, foi aplicado o princípio da soberania relativa (que se tornou
uma vertente para a ecopolítica internacional), onde o Estado tem liberdade
para atuar como desejar dentro do seu território desde que suas atitudes não
atinjam bens, pessoas e animais de outro Estado.
Diante das mudanças que estavam ocorrendo nos diversos
setores da sociedade e no comportamento das comunidades como um todo, Ulrich
Beck (1998) desenvolveu a teoria da Sociedade de Risco, onde defende a ideia de
que a sociedade está passando por uma reconfiguração, a qual está se
transformando em uma sociedade industrial de risco, geradora também de ameaças
ecológicas.
Beck
define a sociedade de risco como um emaranhado de incertezas construídas,
mediante inovações tecnológicas que induzem a um cenário internacional dominado
pelas incertezas não mensuráveis dos riscos globais, ou seja, uma sociedade de
descontrole por não ter a capacidade de monitorar tais riscos (como a ameaça
nuclear ou até mesmo um desastre natural). A natureza dos riscos os tornam mais
globalizados, quer dizer, pelas grandes proporções de suas consequências,
grande parte do planeta, senão todo sofreria com os resultados da eclosão de
algum risco produzido pelo progresso. Beck não configura mais as ameaças
existentes como riscos de classes, pois tratando-se do meio ambiente, todo o
globo seria afetado, entretanto, não descarta a ideia de que alguns riscos são
mais propensos a tornarem-se uma realidade entre os hipossuficientes
econômicos, porem seriam mais pontuais.
Os
riscos concebidos por Beck (1998) em sua teoria, não apenas poderiam
desencadear em algum desastre, como também são riscos positivos. A modernidade
oferece um maior conhecimento científico, então os riscos decorrentes podem ser
entendidos também como oportunidades de mercado. Considera-se o indivíduo como
elemento central das ações no mundo, ou seja, a responsabilidade quanto ao
nível de exposição a um determinado perigo, é somente do ser humano, sendo
também o responsável pela criação dos riscos.
A
incerteza advinda da Sociedade de Risco representa a forte presença de
inseguranças constantes em todo o globo, sendo estas, militares, ecológicas,
terroristas, financeiras, bioquímicas, etc. A atual possibilidade de conflito
nuclear entre Estados põe a comunidade internacional diante de uma
possibilidade de risco anteriormente inexistente. Pode ser que tais incertezas
nunca sucedam, porém, o comportamento humano molda-se em decorrência ao “perigo
iminente” e passa a agir de forma a retardar ou impedir a concretização do
risco.
Uma vez
deixada no passado à visão dos riscos como resultado de ações divinas, pode-se
analisar mais assertivamente as suas causas. Para Niklas Luhmann (1979 apud Giddens,
1991), sociólogo alemão, foi fundamental o entendimento de que a atividade
humana e suas consequências são socialmente criadas, e não decorrentes da
vontade de Deus ou apenas da natureza para a compreensão de que um dos fatores
mais influentes na ação humana é seu imperativo moral, logo, as consequências
decorrentes dos riscos, são causadas majoritariamente pelo comportamento
humano. Luhmann (1979 apud Giddens, 1991) afirmava que não haveria risco, caso
não houvesse ação individual, posicionamento firmemente criticado por Giddens
(1991), ao declarar que Luhmann não estaria considerando as consequências
globais das ações, pois mesmo que um indivíduo se abstenha de uma atividade,
este ainda pode ser atingido pelo fruto da ação alheia ou até mesmo de
catástrofes naturais.
A quantidade de riscos ecológicos procede da ação humana
transformadora na natureza. Em sua maioria, os perigos gerados são socializados
internacionalmente. A poluição dos mares que afeta consideravelmente a vida
marinha, a radiação emanada pelas usinas, a situação cada vez mais grave da
atmosfera devido aos gases poluentes, o desmatamento de vastas áreas de
florestas, afetam a todos os seres humanos independente de sua localização
geográfica ou classe social, seja pela poluição da água, do ar ou pela
destruição das fontes básicas de produção de oxigênio.
Os riscos de alta consequência não desaparecerão, embora
possam ser minimizados, mesmo tendo passado por um grande período de descaso
pelas comunidades do sistema internacional. Especificamente os riscos
ecológicos, apenas começaram a ganhar espaço na pauta de debate internacional a
partir de meados do século XX com o surgimento de organizações internacionais
que tinham em sua agenda a defesa dos direitos humanos. Existiram convenções
que tratavam de assuntos relacionados com o meio ambiente, porém os Tratados
anteriores a 1972 em sua maioria, ou tinham um cunho econômico, buscando a
proteção da natureza apenas para potencializar os recursos naturais para sua
exploração, ou davam proteção a apenas uma espécie do meio ambiente.
Foi
somente após 1972 que a proteção ao meio ambiente por um viés econômico foi
substituída por uma preocupação real a ser debatida a nível global. A
Conferência de Estocolmo iniciada neste mesmo ano foi a base para a construção
da ecopolítica internacional, onde foram expostos em seu preâmbulo sete pontos
principais, sendo o mais importante deles, a concepção do meio ambiente como essencial
para o Direito Humano. Os demais pontos abordavam questões como o
desenvolvimento, a proteção à biodiversidade, a poluição, o uso da tecnologia e
suas consequências e o desarmamento.
Com a
expansão da preocupação pelas questões ecológicas, surgiram várias correntes
que buscavam uma solução para os problemas ambientais, sendo estas: a corrente
Neomalthusiana, a mais conservadora, que acreditava que a superpopulação era a
culpada pela finitude dos recursos naturais, propondo um controle populacional;
a corrente Ecoanarquista, considerada progressista, questionava o poder do
Estado, da igreja e da propriedade privada. Acreditava na teoria de Gaia e
apoiava o retorno as comunas para que houvesse uma produção de autossuficiência
para evitar o desperdício; a corrente da Ecologia Profunda, preocupada com o
consumo desenfreado dos seres humanos, pois este seria a maior causa de
degradação do meio ambiente, então acreditavam que uma consciência coletiva
baseada na Teoria de Gaia reduziria os impactos dos seres humanos no meio
ambiente; e finalmente a corrente Ecossocialista, convicta de que o capitalismo
seria a única causa dos problemas sobre o meio ambiente, questionando assim, os
meios de produção. Nunca se chegou a uma solução definitiva para reparar os danos
causados ao meio ambiente, principalmente pela divergência de ideais e de
interesses dos Estados no sistema internacional.
Em
detrimento de gerações de negligência com o meio ambiente, os seres humanos
começaram a fazer uso de sua herança global há 48 anos. Existe um nível de
exploração tolerada pelo ecossistema, onde os recursos naturais conseguem
regenerar-se de forma natural e assim possibilitar a existência de um
equilíbrio entre a exploração dos recursos com a auto-renovação natural. Porém,
este cenário de equilíbrio ecológico não acontece desde 1970, quando o dia de
sobrecarga da terra começou a ser antes do fim de um ano. Este dia demarca a
data média em que as populações de todo o globo esgotam os recursos que a Terra
é capaz de regenerar em doze meses, consequentemente, a partir desse dia é
utilizada a herança natural da Terra.
A
exploração dos recursos naturais está tornando-se cada vez mais intensa, e ano
após ano o dia da sobrecarga vem sendo marcado cada vez mais longe do fim do
décimo segundo mês. O consumo atual de recursos naturais equivale a 1,7 Terras.
O preço desse consumo desenfreado torna-se evidente nas marcas deixadas no
planeta, como a poluição do ar e dos oceanos, a erosão do solo, o desmatamento,
e principalmente, a mudança climática. Este ano, o dia de sobrecarga da Terra
foi dia primeiro de agosto, ou seja, gastamos em 8 meses o que o planeta
consegue produzir em 12. Com este padrão de alto dispêndio o planeta sofrerá
consequências devastadoras em longo prazo.
É de
suma importância a conscientização humana sobre a consequência de seus atos no
planeta. A nível individual, a redução do consumo exacerbado de alimentos,
energia e meios de transporte particulares potencialmente produtores de dióxido
de carbono ajudaria a neutralizar os impactos ecológicos. As potenciais
mudanças favoráveis ao meio ambiente são implantadas a nível global, devido a
que sua influência é sumamente maior. Para tentar combater as ameaças vindas
das mudanças climáticas, foi criado o Acordo de Paris, com o intuito de limitar
o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais mediante a
redução das emissões de gases de efeito estufa por meio de medidas implantadas
por cada Estado que tenha ratificado o Acordo. Com compromissos internacionais
de cunho ecológico, seria possível uma neutralização e em longo prazo uma
redução dos danos causados ao meio ambiente.
Para
mitigar os impactos decorrentes da inconsequência humana, deve-se deixar a um
lado a concepção antropocêntrica do mundo para compreender que os recursos
naturais são essenciais para qualquer tipo de vida, e assim entender o ser
humano como uma parte de um todo, e não mais em uma posição de centralidade em
relação ao universo. Se o conhecimento do mundo social e das consequências das
nossas ações melhorasse, os riscos indesejados seriam cada vez mais raros e os
problemas gerados pela falta de recursos naturais seriam amenizados.
Referências
bibliográficas:
BECK, Ulrich. Sociedad de Riesgo: Hacia
una nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998.
_________. “Climate risk
teaches us that the nation is not the centre of the world.” IN: The
Metamorphosis of the World. Cambridge: Polity 2016, p. 06.
GIDDENS, Anthoy. As Consequências da
Modernidade. 1ª ed. São Paulo: Editora UNESP, 1991.
SACHS, Ignacy. Caminhos para o
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Sustentáveis. Organizadora: Paula Yone
Stroh. Rio de Janeiro: Garamond, 2000.
TORRES, Fillipe; DAGNINO, Ricardo;
OLIVEIRA, Antônio. Contribuições Geográficas. Ubá: Ed. Geographica, 2009.
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