A Presidenta Dilma Roussef na cerimônia de posse de seu 2º mandato, ao lado presidente do Congresso, Renan Calheiros, e do vice-presidente da República, Michel Temer
Por. Carlos-Magno Esteves Vasconcellos[1]
Dona Dilma tomou posse para
seu segundo mandato presidencial no primeiro dia deste ano de 2015. Foi
ladeada, nas cerimônias de posse, pelos honoráveis republicanos
Michel Temer, vice-presidente do Brasil, e Renan Calheiros, presidente do
Congresso Nacional. Depois de uma longa fala aos congressistas, subiu a rampa
do Palácio do Planalto para um discurso aos populares, no qual prometeu dias
melhores ao povo brasileiro. Até aí, nada de novo.
Hoje seu segundo mandato já tem quase dois meses de vida. Dona Dilma vai completar quatro anos e dois meses à frente do governo brasileiro. É o 13º ano do PT à frente do executivo nacional. Com base no que fez até aqui, podemos vislumbrar o que fará no tempo que lhe resta. Não se trata de adivinhação, mas de projeção para os próximos anos da proposta político-econômica que tem sido implementada até os dias de hoje.
Antes de avançar nesta
reflexão, justifica-se um esclarecimento quanto à orientação política do autor.
Tenho votado no PT nos sete últimos pleitos para o executivo federal. Votei em
Lula, quando foi derrotado por Collor de Mello; votei em Lula, nas duas vezes
em que foi derrotado por FHC; votei em Lula contra Serra, em 2002, e em sua
reeleição em 2006; votei em Dilma, em 2010, e, de novo, em 2014. Não me
arrependo de minhas escolhas eleitorais, o regime político nacional não me deu
escolhas. Nunca votei no PT por causa do PT, mas por causa das outras opções.
Não me encaixo na definição de inimigo do PT, mas também não sou petista. Não
tenho vinculação partidária.
Tendo dito isto, vamos à
reflexão sobre o futuro próximo do Brasil. Um pouquinho de paciência se faz
necessário, porque para tirar conclusões razoáveis sobre os próximos anos,
vamos revisar panoramicamente nossa histórica econômica.
O Brasil é um país capitalista
por excelência. Fomos introduzidos na história ocidental graças a nossa
anexação orgânica ao modo de produção capitalista que se formava na Europa
ocidental. Desde o início de nossa história somos uma sociedade de classes,
onde alguns vivem do próprio trabalho e outros vivem do trabalho alheio. No
começo de nossa colonização, eram os grandes fazendeiros de um lado e os
escravos de outro. Mais tarde, com o desenvolvimento das forças produtivas
locais surgiram e expandiram-se novas atividades econômicas e, com elas, novas
classes sociais ganharam vida (comerciantes e artesãos livres). O
desenvolvimento econômico nos países centrais do capitalismo internacional e
uma virtuosa imigração europeia fomentou o crescimento do capitalismo no
Brasil. O poder econômico e, por conseguinte, o poder político continuava
concentrado nas mãos da oligarquia latifundiária, ao mesmo tempo que crescia em
importância econômica os outros setores da economia brasileira. O trabalho
escravo que dava vida às atividades produtivas foi abolido, mas mesmo assim a
agricultura de exportação continuava a representar, por assim dizer, a
locomotiva da economia que puxava os demais setores como se vagões de um trem
fossem.
No início do século XX,
chacoalhada pela recessão do capitalismo internacional, a locomotiva
(agricultura de exportação) começou a ratear e colocou em risco o movimento de
toda a economia do país. A deterioração do poder econômico da oligarquia
latifundiária logo minou sua hegemonia política. Em 1930, os diversos segmentos
da classe social dos que viviam às custas do trabalho alheio – fazendeiros
proprietários, empresários manufatureiros e comerciantes (os burgueses
brasileiros) – costuraram uma aliança a fim de restaurarem a força da economia
brasileira. Essa aliança somente se efetivou após a chancela do capital
estrangeiro.
O novo período de expansão do
capitalismo brasileiro esteve alicerçado sobre o tripé capital privado
estrangeiro – capital privado nacional – Estado. A classe dos homens que viviam
do próprio trabalho continuava subordinada e explorada através do trabalho
assalariado. Na década de 1950, o capitalismo brasileiro voltou a se mostrar
incapaz de imprimir um ritmo de crescimento econômico suficientemente forte
para atender aos anseios de toda a burguesia brasileira e da classe
trabalhadora que o sustentava. Naqueles anos inaugurou-se uma nova crise
sócio-política no país que culminou, em 1964, na instauração de um novo regime
político: a ditadura. O capitalismo brasileiro se converteu em capitalismo
ditatorial! Nada de peculiar ao nosso país, esse modo de existência do
capitalismo é muitíssimo comum em países economicamente dependentes. De 1964 a
1984 a burguesia brasileira fundou seu poder econômico e hegemonia política
sobre a força da metralhadora.
Vinte anos de autoritarismo
legaram ao país o oitavo PIB do mundo, um Estado hiper-endividado, e uma
economia altamente oligopolizada, controlada por grandes corporações
transnacionais estrangeiras nos setores de maior intensidade tecnológica,
gigantescas empresas estatais nos setores de minas, energia e telecomunicações,
e grandes empresas de capital privado nacional em setores estrategicamente
pouco importantes. No início da década de 1980, abalada pela nova crise
do capitalismo internacional, que havia se iniciado na década de 1970, o
capitalismo brasileiro começou a agonizar, deixando atônita a burguesia
autóctone.
Diante do colapso eminente, a
burguesia brasileira deu início a sua metamorfose: depois de vinte anos empunhando
metralhadoras, ela se converteu à democracia, a mesma democracia que ela
assassinara vinte anos antes. Nesta metamorfose foi inspirada pela burguesia
transnacional que, na mesma época, e depois de sustentar financeira e
militarmente os mais sanguinários ditadores da América latina, África e Ásia,
iniciara - inescrupulosamente - sua conversão ao “democracismo” (culto à
democracia).
Durante as décadas de 1980 e
1990, assessorada pela burguesia transnacional, a burguesia brasileira gestou e
implantou um ousado plano econômico que pudesse viabilizar sua salvação
política e social. Tal plano consistia, basicamente, em entregar os anéis para
salvar os dedos, ou seja, transferir literalmente toda a riqueza estratégica e
soberania política do país à burguesia transnacional, conservando para si a
função de feitor do capital transnacional. Para tanto, a burguesia brasileira
precisou transferir para os militares – que sempre estivera a seu soldo – toda
a responsabilidade pelo colapso econômico do país.
No início do século XXI, o
programa neoliberal de salvamento da burguesia brasileira colapsou e o poder
político do país foi parar nas mãos do Partido dos Trabalhadores (PT). Formado
ao longo das lutas populares e trabalhistas contra a opressão econômica,
política e social que lhes impunha o regime capitalista, o PT era depositário
das esperanças da classe trabalhadora brasileira. Por isso, a eleição de Lula,
em 2002, trouxe consigo grandes expectativas de mudanças na sociedade. O que
houve desde então?
Consciente de que não
poderia produzir uma revolução socioeconômica no país, Lula anunciou ao povo
brasileiro – em um discurso de posse recheado de metáforas – que seu governo
levaria a cabo um processo de mudanças gradativas, mantendo “sob
controle as nossas muitas e legítimas ansiedades sociais”. Repetindo seus
discursos anteriores, anunciou a missão principal de seu governo: “se, ao final
de meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomarem café da
manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão de minha vida”. (Cf: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/luiz-inacio-lula-da-silva/discursos-de-posse/discurso-de-posse-1o-mandato/view)
Era uma proposta ousada?
Olhando para trás, sim. A história do capitalismo brasileiro é a história do
mais escandaloso desprezo pela classe trabalhadora. Qualquer programa de
governo que se propusesse resgatar um pouco da dignidade desses brasileiros
seria considerado meio-revolucionário. Olhando para frente, não.
Era muito pouco para colocar o país nos trilhos de um desenvolvimento
sustentável que atendesse aos interesses dos trabalhadores.
Daí para a frente, o que se
viu foi um programa de governo assente sobre quatro orientações principais: uma
política social inclusiva (resgate parcial do poder de compra dos salários,
bolsa família, PROUNI, etc.), uma política econômica tipicamente keynesiana
(políticas de expansão da demanda efetiva), uma política externa heterodoxa
(construção de novas parcerias comerciais para além do eixo EUA-Europa), e um
assustador conservadorismo político-partidário (alianças políticas com o que
havia de mais putrefato na burguesia brasileira). O resultado desse samba do
crioulo doido foi, na melhor das hipóteses, muito controverso. A economia
voltou a crescer, com inclusão social, muito gangsterismo político e nenhuma
transformação estrutural. A classe trabalhadora recebeu um afago do governo,
mas continuava na base do sistema de extração de valor excedente apropriado
pela burguesia. O Estado continuava a operar segundo os ditames do capital[2].
Em 2002, quando divulgou a
Carta ao Povo Brasileiro, Lula previa que a “herança maldita” das gestões
precedentes de Fernando Henrique Cardoso não poderia ser superada em um passe
de mágica: “O que se desfez ou se deixou de fazer em oito anos não será
compensado em oito dias” (Cf: http://www.fpabramo.org.br/uploads/cartaaopovobrasileiro.pdf).
Sim, mas quando dona Dilma Rousseff tomou posse para seu primeiro mandato, em
2011, já se havia transcorrido oito anos de governo do PT. Era hora de seguir
em frente, com novas e mais ambiciosas propostas. Mas não foi o que aconteceu.
No discurso de posse de seu
primeiro mandato como presidenta do Brasil, dona Dilma anunciou: “Venho para
consolidar a obra transformadora do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, (...)
A maior homenagem que posso prestar a ele é ampliar e avançar as conquistas do
seu governo” (Cf: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/ULTIMAS-NOTICIAS/391550-%C3%8DNTEGRA-DO-DISCURSO-DE-POSSE-DA-PRESIDENTE-DILMA-ROUSSEFF-NO-CONGRESSO-%2839%2735%27%27%29.html).
Sacudida por uma nova crise internacional (uma crise que vinha castigar um
capitalismo já estruturalmente minado), a economia brasileira voltou a dar
sinais de esgotamento (o ritmo de crescimento da economia retrocedeu
significativamente), os novos avanços sociais no governo Dilma foram bem
modestos (muito embora o governo tenha preservado os trabalhadores de
sacrifícios maiores, mantendo em níveis bastante baixos o desemprego), enquanto
o gangsterismo político se tornara epidêmico ameaçando de imobilização todas as
demais políticas do governo. As alianças político-partidárias do PT com
partidos burgueses degenerados, iniciadas na primeira gestão do presidente
Lula, tornou super oneroso o projeto reformista do Partido para o Brasil.
Não há o que discutir: ainda
que cheio de limitações, os 12 anos de governo do PT foram muito melhores para
a classe trabalhadora e para o país do que qualquer programa que pudesse ter
sido concebido pelos partidos políticos burgueses tradicionais, incluindo aí o
PSDB.
Mas, os sinos dobram para o PT
reformista. A crise estrutural do capitalismo internacional e seus
desdobramentos no Brasil inviabilizam programas reformistas com grandes avanços
sociais. Dona Dilma sabe disso: ela sabe quão importantes foram os avanços
alcançados e quão necessário é avançar, mas ela entende também que há enormes
desafios pela frente. No discurso de posse de seu segundo mandato, expôs aos
congressistas: “O recado que o
povo brasileiro nos mandou [através das urnas] não foi só de reconhecimento e
de confiança, foi também um recado de quem quer mais e melhor. Por isso, a
palavra mais repetida na campanha foi mudança e o tema mais invocado foi
reforma. (...) O povo brasileiro quer mudanças, quer avançar e quer mais. É
isso que também eu quero. (...) Sim, neste momento, ao invés de simplesmente
garantir o mínimo necessário, como foi o caso ao longo da nossa história,
temos, agora, que lutar para oferecer o máximo possível. Vamos precisar,
governo e sociedade, de paciência, coragem, persistência, equilíbrio e
humildade para vencer os obstáculos. E venceremos esses obstáculos” (Cf: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/480013-INTEGRA-DO-DISCURSO-DE-POSSE-DA-PRESIDENTE-DILMA-ROUSSEFF-NO-CONGRESSO.html).
Os obstáculos aos quais dona
Dilma se refere sem identifica-los são os acima enunciados: primeiro, as alianças
político-partidárias e o envenenamento do PT por partidos burgueses
degenerados; segundo, a crise estrutural do capitalismo internacional e suas
repercussões no Brasil. É impossível compatibilizá-los com um programa de
desenvolvimento que atenda às aspirações progressistas dos trabalhadores. A
nova equipe de ministros que Dilma escolheu para seu segundo mandato, e as
orientações iniciais em termos de política econômica e social demonstram que a
escolha foi feita. Infelizmente, em detrimento dos trabalhadores.
O PT não nasceu como um
partido burguês. Nasceu como expressão dos sonhos dos trabalhadores
brasileiros. Sonhos que brotaram de uma experiência de vida marcada pelas
privações e pelo cerceamento de liberdade e criatividade. Mas o PT é uma
entidade social, humana, e sua natureza - assim como a de qualquer pessoa - vai
sendo moldada nos embates da vida real. Essa experiência concreta parece ter
transformado o PT em mais um partido burguês, a exemplo dos tradicionais. Seu
papel como agente de mudanças sociais - mesmo que sejam reformas muito
limitadas - parece ter se esgotado. Por isso, o período que lhe resta de
governo será amargo para o povo brasileiro.
[1]
Carlos-Magno Esteves Vasconcellos é doutor
em Economia pela Escola Superior de Economia de Varsóvia, Polônia, e professor
titular das cadeiras de Economia Política Internacional e Empresas
Transnacionais no Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.
[2]
Do mesmo modo que um dono de escravos não tem sua natureza
definida em razão de sua maior ou menor generosidade em relação à sua
propriedade (o escravo), um Estado não pode ter sua natureza definida em razão das
concessões que faz aos trabalhadores.
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