quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O Segundo Mandato de Dilma Roussef: nossas expectativas para o período 2015-2018.



A Presidenta Dilma Roussef na cerimônia de posse de seu 2º mandato, ao lado presidente do Congresso, Renan Calheiros, e do vice-presidente da República, Michel Temer

Por. Carlos-Magno Esteves Vasconcellos[1]

Dona Dilma tomou posse para seu segundo mandato presidencial no primeiro dia deste ano de 2015. Foi ladeada, nas cerimônias de posse, pelos honoráveis republicanos Michel Temer, vice-presidente do Brasil, e Renan Calheiros, presidente do Congresso Nacional. Depois de uma longa fala aos congressistas, subiu a rampa do Palácio do Planalto para um discurso aos populares, no qual prometeu dias melhores ao povo brasileiro. Até aí, nada de novo.

Hoje seu segundo mandato já tem quase dois meses de vida. Dona Dilma vai completar quatro anos e dois meses à frente do governo brasileiro. É o 13º ano do PT à frente do executivo nacional. Com base no que fez até aqui, podemos vislumbrar o que fará no tempo que lhe resta. Não se trata de adivinhação, mas de projeção para os próximos anos da proposta político-econômica que tem sido implementada até os dias de hoje.
Antes de avançar nesta reflexão, justifica-se um esclarecimento quanto à orientação política do autor. Tenho votado no PT nos sete últimos pleitos para o executivo federal. Votei em Lula, quando foi derrotado por Collor de Mello; votei em Lula, nas duas vezes em que foi derrotado por FHC; votei em Lula contra Serra, em 2002, e em sua reeleição em 2006; votei em Dilma, em 2010, e, de novo, em 2014. Não me arrependo de minhas escolhas eleitorais, o regime político nacional não me deu escolhas. Nunca votei no PT por causa do PT, mas por causa das outras opções. Não me encaixo na definição de inimigo do PT, mas também não sou petista. Não tenho vinculação partidária.
Tendo dito isto, vamos à reflexão sobre o futuro próximo do Brasil. Um pouquinho de paciência se faz necessário, porque para tirar conclusões razoáveis sobre os próximos anos, vamos revisar panoramicamente nossa histórica econômica.
O Brasil é um país capitalista por excelência. Fomos introduzidos na história ocidental graças a nossa anexação orgânica ao modo de produção capitalista que se formava na Europa ocidental. Desde o início de nossa história somos uma sociedade de classes, onde alguns vivem do próprio trabalho e outros vivem do trabalho alheio. No começo de nossa colonização, eram os grandes fazendeiros de um lado e os escravos de outro. Mais tarde, com o desenvolvimento das forças produtivas locais surgiram e expandiram-se novas atividades econômicas e, com elas, novas classes sociais ganharam vida (comerciantes e artesãos livres). O desenvolvimento econômico nos países centrais do capitalismo internacional e uma virtuosa imigração europeia fomentou o crescimento do capitalismo no Brasil. O poder econômico e, por conseguinte, o poder político continuava concentrado nas mãos da oligarquia latifundiária, ao mesmo tempo que crescia em importância econômica os outros setores da economia brasileira. O trabalho escravo que dava vida às atividades produtivas foi abolido, mas mesmo assim a agricultura de exportação continuava a representar, por assim dizer, a locomotiva da economia que puxava os demais setores como se vagões de um trem fossem.
No início do século XX, chacoalhada pela recessão do capitalismo internacional, a locomotiva (agricultura de exportação) começou a ratear e colocou em risco o movimento de toda a economia do país. A deterioração do poder econômico da oligarquia latifundiária logo minou sua hegemonia política. Em 1930, os diversos segmentos da classe social dos que viviam às custas do trabalho alheio – fazendeiros proprietários, empresários manufatureiros e comerciantes (os burgueses brasileiros) – costuraram uma aliança a fim de restaurarem a força da economia brasileira. Essa aliança somente se efetivou após a chancela do capital estrangeiro.      
O novo período de expansão do capitalismo brasileiro esteve alicerçado sobre o tripé capital privado estrangeiro – capital privado nacional – Estado. A classe dos homens que viviam do próprio trabalho continuava subordinada e explorada através do trabalho assalariado. Na década de 1950, o capitalismo brasileiro voltou a se mostrar incapaz de imprimir um ritmo de crescimento econômico suficientemente forte para atender aos anseios de toda a burguesia brasileira e da classe trabalhadora que o sustentava. Naqueles anos inaugurou-se uma nova crise sócio-política no país que culminou, em 1964, na instauração de um novo regime político: a ditadura. O capitalismo brasileiro se converteu em capitalismo ditatorial! Nada de peculiar ao nosso país, esse modo de existência do capitalismo é muitíssimo comum em países economicamente dependentes. De 1964 a 1984 a burguesia brasileira fundou seu poder econômico e hegemonia política sobre a força da metralhadora.
Vinte anos de autoritarismo legaram ao país o oitavo PIB do mundo, um Estado hiper-endividado, e uma economia altamente oligopolizada, controlada por grandes corporações transnacionais estrangeiras nos setores de maior intensidade tecnológica, gigantescas empresas estatais nos setores de minas, energia e telecomunicações, e grandes empresas de capital privado nacional em setores estrategicamente pouco importantes.  No início da década de 1980, abalada pela nova crise do capitalismo internacional, que havia se iniciado na década de 1970, o capitalismo brasileiro começou a agonizar, deixando atônita a burguesia autóctone.  
Diante do colapso eminente, a burguesia brasileira deu início a sua metamorfose: depois de vinte anos empunhando metralhadoras, ela se converteu à democracia, a mesma democracia que ela assassinara vinte anos antes. Nesta metamorfose foi inspirada pela burguesia transnacional que, na mesma época, e depois de sustentar financeira e militarmente os mais sanguinários ditadores da América latina, África e Ásia, iniciara - inescrupulosamente - sua conversão ao “democracismo” (culto à democracia).
Durante as décadas de 1980 e 1990, assessorada pela burguesia transnacional, a burguesia brasileira gestou e implantou um ousado plano econômico que pudesse viabilizar sua salvação política e social. Tal plano consistia, basicamente, em entregar os anéis para salvar os dedos, ou seja, transferir literalmente toda a riqueza estratégica e soberania política do país à burguesia transnacional, conservando para si a função de feitor do capital transnacional. Para tanto, a burguesia brasileira precisou transferir para os militares – que sempre estivera a seu soldo – toda a responsabilidade pelo colapso econômico do país.
No início do século XXI, o programa neoliberal de salvamento da burguesia brasileira colapsou e o poder político do país foi parar nas mãos do Partido dos Trabalhadores (PT). Formado ao longo das lutas populares e trabalhistas contra a opressão econômica, política e social que lhes impunha o regime capitalista, o PT era depositário das esperanças da classe trabalhadora brasileira. Por isso, a eleição de Lula, em 2002, trouxe consigo grandes expectativas de mudanças na sociedade. O que houve desde então?  
 Consciente de que não poderia produzir uma revolução socioeconômica no país, Lula anunciou ao povo brasileiro – em um discurso de posse recheado de metáforas – que seu governo levaria a cabo um processo de mudanças gradativas, mantendo “sob controle as nossas muitas e legítimas ansiedades sociais”. Repetindo seus discursos anteriores, anunciou a missão principal de seu governo: “se, ao final de meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilidade de tomarem café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão de minha vida”. (Cf: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/luiz-inacio-lula-da-silva/discursos-de-posse/discurso-de-posse-1o-mandato/view)
Era uma proposta ousada? Olhando para trás, sim. A história do capitalismo brasileiro é a história do mais escandaloso desprezo pela classe trabalhadora. Qualquer programa de governo que se propusesse resgatar um pouco da dignidade desses brasileiros seria considerado meio-revolucionário. Olhando para frente, não. Era muito pouco para colocar o país nos trilhos de um desenvolvimento sustentável que atendesse aos interesses dos trabalhadores.
Daí para a frente, o que se viu foi um programa de governo assente sobre quatro orientações principais: uma política social inclusiva (resgate parcial do poder de compra dos salários, bolsa família, PROUNI, etc.), uma política econômica tipicamente keynesiana (políticas de expansão da demanda efetiva), uma política externa heterodoxa (construção de novas parcerias comerciais para além do eixo EUA-Europa), e um assustador conservadorismo político-partidário (alianças políticas com o que havia de mais putrefato na burguesia brasileira). O resultado desse samba do crioulo doido foi, na melhor das hipóteses, muito controverso. A economia voltou a crescer, com inclusão social, muito gangsterismo político e nenhuma transformação estrutural. A classe trabalhadora recebeu um afago do governo, mas continuava na base do sistema de extração de valor excedente apropriado pela burguesia. O Estado continuava a operar segundo os ditames do capital[2].
Em 2002, quando divulgou a Carta ao Povo Brasileiro, Lula previa que a “herança maldita” das gestões precedentes de Fernando Henrique Cardoso não poderia ser superada em um passe de mágica: “O que se desfez ou se deixou de fazer em oito anos não será compensado em oito dias” (Cf: http://www.fpabramo.org.br/uploads/cartaaopovobrasileiro.pdf). Sim, mas quando dona Dilma Rousseff tomou posse para seu primeiro mandato, em 2011, já se havia transcorrido oito anos de governo do PT. Era hora de seguir em frente, com novas e mais ambiciosas propostas. Mas não foi o que aconteceu.
No discurso de posse de seu primeiro mandato como presidenta do Brasil, dona Dilma anunciou: “Venho para consolidar a obra transformadora do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, (...) A maior homenagem que posso prestar a ele é ampliar e avançar as conquistas do seu governo” (Cf: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/ULTIMAS-NOTICIAS/391550-%C3%8DNTEGRA-DO-DISCURSO-DE-POSSE-DA-PRESIDENTE-DILMA-ROUSSEFF-NO-CONGRESSO-%2839%2735%27%27%29.html). Sacudida por uma nova crise internacional (uma crise que vinha castigar um capitalismo já estruturalmente minado), a economia brasileira voltou a dar sinais de esgotamento (o ritmo de crescimento da economia retrocedeu significativamente), os novos avanços sociais no governo Dilma foram bem modestos (muito embora o governo tenha preservado os trabalhadores de sacrifícios maiores, mantendo em níveis bastante baixos o desemprego), enquanto o gangsterismo político se tornara epidêmico ameaçando de imobilização todas as demais políticas do governo. As alianças político-partidárias do PT com partidos burgueses degenerados, iniciadas na primeira gestão do presidente Lula, tornou super oneroso o projeto reformista do Partido para o Brasil.
Não há o que discutir: ainda que cheio de limitações, os 12 anos de governo do PT foram muito melhores para a classe trabalhadora e para o país do que qualquer programa que pudesse ter sido concebido pelos partidos políticos burgueses tradicionais, incluindo aí o PSDB.
Mas, os sinos dobram para o PT reformista. A crise estrutural do capitalismo internacional e seus desdobramentos no Brasil inviabilizam programas reformistas com grandes avanços sociais. Dona Dilma sabe disso: ela sabe quão importantes foram os avanços alcançados e quão necessário é avançar, mas ela entende também que há enormes desafios pela frente. No discurso de posse de seu segundo mandato, expôs aos congressistas: “O recado que o povo brasileiro nos mandou [através das urnas] não foi só de reconhecimento e de confiança, foi também um recado de quem quer mais e melhor. Por isso, a palavra mais repetida na campanha foi mudança e o tema mais invocado foi reforma. (...) O povo brasileiro quer mudanças, quer avançar e quer mais. É isso que também eu quero. (...) Sim, neste momento, ao invés de simplesmente garantir o mínimo necessário, como foi o caso ao longo da nossa história, temos, agora, que lutar para oferecer o máximo possível. Vamos precisar, governo e sociedade, de paciência, coragem, persistência, equilíbrio e humildade para vencer os obstáculos. E venceremos esses obstáculos” (Cf: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/480013-INTEGRA-DO-DISCURSO-DE-POSSE-DA-PRESIDENTE-DILMA-ROUSSEFF-NO-CONGRESSO.html).
Os obstáculos aos quais dona Dilma se refere sem identifica-los são os acima enunciados: primeiro, as alianças político-partidárias e o envenenamento do PT por partidos burgueses degenerados; segundo, a crise estrutural do capitalismo internacional e suas repercussões no Brasil. É impossível compatibilizá-los com um programa de desenvolvimento que atenda às aspirações progressistas dos trabalhadores. A nova equipe de ministros que Dilma escolheu para seu segundo mandato, e as orientações iniciais em termos de política econômica e social demonstram que a escolha foi feita. Infelizmente, em detrimento dos trabalhadores. 
O PT não nasceu como um partido burguês. Nasceu como expressão dos sonhos dos trabalhadores brasileiros. Sonhos que brotaram de uma experiência de vida marcada pelas privações e pelo cerceamento de liberdade e criatividade. Mas o PT é uma entidade social, humana, e sua natureza - assim como a de qualquer pessoa - vai sendo moldada nos embates da vida real. Essa experiência concreta parece ter transformado o PT em mais um partido burguês, a exemplo dos tradicionais. Seu papel como agente de mudanças sociais - mesmo que sejam reformas muito limitadas - parece ter se esgotado. Por isso, o período que lhe resta de governo será amargo para o povo brasileiro. 





[1] Carlos-Magno Esteves Vasconcellos é doutor em Economia pela Escola Superior de Economia de Varsóvia, Polônia, e professor titular das cadeiras de Economia Política Internacional e Empresas Transnacionais no Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.
[2] Do mesmo modo que um dono de escravos não tem sua natureza definida em razão de sua maior ou menor generosidade em relação à sua propriedade (o escravo), um Estado não pode ter sua natureza definida em razão das concessões que faz aos trabalhadores. 





 

   




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