terça-feira, 24 de janeiro de 2012

PARA ONDE VAI O IRÃ? Por Robson Valdez


MUNDO

Notícia Postada em 18/01/2012 - 13:01

PARA ONDE VAI O IRÃ?

A resistência iraniana frente às sanções ocidentais desafia o ordenamento político internacional

Dentre os acontecimentos correntes da política internacional, a postura defensiva do Irã frente às acusações ocidentais de que o programa nuclear do país tenha fins bélicos parece ser o pano de fundo de uma série de questões controversas envolvendo o país persa. Desde setembro de 2002, quando técnicos russos iniciaram a construção do primeiro reator nuclear do país, o Irã vem tentando provar que seu programa nuclear tem fins pacíficos.

A acusação de que o país teria tramado a morte de um embaixador saudita nos Estados Unidos, a captura de um avião espião americano no Irã e os últimos exercícios militares da marinha iraniana no Golfo Pérsico inflamam o discurso de todos os atores envolvidos. Enquanto a União Européia, pressionada pela França, demanda o recrudescimento das sanções contra o país de Mahmud Ahmadinejad, a oposição norte-americana acusa o presidente Barack Obama de adotar uma postura branda demais em relação a esse tema.

Dentro desse contexto, o tradicional discurso de negação do Holocausto, o apoio a grupos islâmicos extremistas como o Hezbollah e o Hamas, bem como a apologia à destruição do Estado de Israel, fomentam as preocupações ocidentais em relação ao Irã. Assim, tem-se, de forma generalizada, o discurso ocidental de repúdio ao posicionamento “agressivo” do Irã no cenário internacional.

Levando-se em consideração que a posição ocidental (norte-americana) em relação a esta questão já é amplamente conhecida, qual seria então a visão iraniana de seu programa nuclear e de seu papel estratégico na região? O conflito de interesses envolvendo os membros do Conselho de Segurança da ONU (China, EUA, Inglaterra, França e Rússia) no que diz respeito às sanções econômicas ao Irã, a reconfiguração do poder local nos países que passaram pela primavera árabe e a decisão dos EUA de defender a navegabilidade do Estreito de Ormuz aumentam ainda mais as incertezas sobre o futuro da região.

A posição iraniana 

Para Sílvia Feraboli, doutoranda em Política e Estudos Internacionais da Escola de Estudos Africanos e Orientais da Universidade de Londres, o Irã é somente uma ameaça material, para Israel, e ideológica para a Arábia Saudita. Assim, a presença norte-americana na região é fruto, antes de tudo, da pressão do já conhecido e influente lobby israelense e saudita em Washington. Ainda segundo Silvia Feraboli, “o discurso militante contra Israel e os Estados Unidos expõe a Arábia Saudita – guardiã dos lugares sagrados do Islã – ao ridículo frente às populações muçulmanas”.
Edson Neves Júnior, mestre em Relações Internacionais e doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, lembra que os EUA têm atuado na região desde o final da Guerra Fria, especialmente após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque. No entanto, o especialista argumenta que, desde a formação do Império Persa à adoção do nome Irã (Terra dos Arianos, no sentido étnico), na década de 1930, o país foi alvo de várias forças externas, e mais recentemente, no século XX, de britânicos e russos envolvidos no Grande Jogo pelo domínio da Ásia Central,  “A resistência faz parte da política nacional iraniana”, completa.

Edson Neves lembra que um governo iraniano pró-ocidente propiciaria a integração dos mercados indiano e chinês por via terrestre e facilitaria o acesso da Europa ao petróleo do Mar Cáspio, “o que contraria os interesses russos”. Ainda segundo Edson Neves, “a anuência/apoio/subserviência/submissão do governo iraniano é fundamental para os interesses dos Estados Unidos não só na região, mas no cenário internacional, onde sofre com a projeção e concorrência chinesa e indiana e com o poderio militar russo articulado com um crescimento econômico significativo.

Para Neves, o esgotamento dos canais de negociação deixou o Irã com duas alternativas: “resignação ou enfrentamento”. Neves acredita que “a submissão do governo de Teerã seria vista como sinal de fraqueza pelas potências ocidentais e pelos grupos oposicionistas internos”. No entanto, mesmo contando com o apoio do clero islâmico xiita, o discurso ameaçador de Ahmadnejad “é até certo ponto moderado por ser reativo aos movimentos dos potenciais inimigos”, diz o especialista.

Ao analisar a posição defensiva do Irã, Sílvia Feraboli acredita que Ahmadnejad esteja respondendo no mesmo tom ameaçador de Washington e interpretando a atual situação dos Estados Unidos no Iraque como fator impeditivo para uma ofensiva norte-americana. Feraboli argumenta “que estamos tão acostumados à hierarquia do poder na política internacional que ficamos chocados quando um país menor se autoriza a falar de igual para igual com a (atual, porém decadente) potência mundial”.

Sílvia Feraboli questiona ainda, a legitimidade dos programas nucleares de Israel e Paquistão - aliados tradicionais dos Estados Unidos na região - ao compará-los com o programa nuclear do Irã. Segundo Feraboli, resta saber até que ponto “este circo em torno do Irã está relacionado com uma vontade efetiva de desnuclearização das relações internacionais” ou, por outro lado, “se este não seria mais um caso clássico de racismo na política internacional”.

Dessa forma, tem-se a impressão de que o programa nuclear iraniano é, para muitos, o pano de fundo de uma disputa maior, que envolve a manutenção da forma ocidental se conduzir a agenda das relações internacionais frente a tudo que o ocidente venha a entender como ameaça à estabilidade do sistema mundial.

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