André Braga Carneiro
Guilherme Procópio Merlin
Sistema financeiro pode ser definido como um conjunto de instituições responsáveis por normatizar, supervisionar e executar as operações relativas à circulação da moeda e do crédito.
Há algumas décadas tem-se acreditado que um sistema financeiro forte e bem estruturado, capaz de cumprir com a sua finalidade, é fundamental para o desenvolvimento de um país, uma vez que afeta diretamente a renda e o emprego das famílias. No Brasil, o sistema financeiro cresceu e se desenvolveu num contexto de constante escalada de preços e instabilidade econômica, o que pode ajudar a explicar a falta de desenvolvimento econômico brasileiro por décadas.
A origem do Sistema Financeiro Nacional remete ao ano de 1808, com a instalação do primeiro Banco do Brasil, que executava as funções de banco central e banco comercial. Com o decorrer dos anos, esse banco passou por diversas mudanças, desde a sua extinção, recriação, fusão com o Banco Comercial do Rio de Janeiro até, finalmente, a criação do atual Banco de Brasil, em 1906.
A partir de então, houve uma expansão das atividades de intermediação financeira no país e a primeira tentativa de integração do sistema monetário brasileiro com a criação, em 1920, da Inspetoria Geral dos Bancos, órgão finalizador dos bancos e das casas bancárias. No entanto, esse implemento não supria a necessidade de normatização e ampliação do controle do mercado financeiro, haja visto que o Banco do Brasil cada vez mais assumia o papel de banco comercial, sendo considerado muito mais um competidor no mercado do que como uma instituição governamental.
Sendo assim, em 1945, foi criada a SUMOC, Superintendência da Moeda e do Crédito, com a finalidade de exercer o controle do mercado monetário por meio das seguintes funções: fixação dos percentuais de reservas obrigatórias dos bancos comerciais, das taxas de redesconto e dos juros sobre os depósitos bancários; supervisão dos bancos comerciais; orientação sobre a política cambial e representação do país junto a organismos internacionais.
O sistema financeiro passou a ser controlado, então, pela tríplice:
- SUMOC: órgão normativo e supervisor;
- Banco do Brasil: órgão executor;
- Tesouro Nacional: órgão emissor de papel-moeda.
Esse sistema manteve-se até o ano de 1964, quando ocorreu a “Reforma Bancária” com a promulgação da Lei 4595, que substituiu a SUMOC pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil, criado em abril de 1965 com a função de sempre desempenhar o papel de “banco dos bancos”.
A reforma financeira a partir de 1964/66 foi determinante para o desenvolvimento do Sistema Financeiro Nacional. O sistema anterior era muito limitado por diversas restrições existentes no Brasil, como a Lei da Usura, criada em 1933, que fixava a taxa de juros nominal em 12% aa. Outra restrição era a inflação elevada, que combinada com a lei anterior, desestimulava a intermediação financeira, pois uma inflação maior que 12% implicaria em uma taxa real de juros negativa.
A eliminação da Lei da Usura e a introdução do mecanismo de correção foram condições determinantes para o direcionamento de recursos para o sistema financeiro. Esses mecanismos de correção monetária evitavam que os agentes sofressem perdas geradas pela perda do valor da moeda decorrente da inflação.
Assim, a participação das instituições financeiras no PIB aumentou de forma muito significativa a partir da década de 80. Tal fato ocorreu em virtude da relação inversa dos ativos monetários e do imposto inflacionário. Esse imposto é a perda de poder aquisitivo da moeda, devida à alta inflação, onde o Governo penaliza a população e sai beneficiado. Esse conceito está ligado ao conceito da senhoriagem, onde apenas o BC pode emitir moeda e, ao aumentar a oferta de moeda para cobrir o déficit público, aumenta também o nível geral de preços, gerando um nível maior de inflação. Afeta também a maior participação do setor financeiro na concessão de empréstimos: as financeiras e os bancos de investimento ganham espaço no mercado, em detrimento aos bancos comerciais.
Com a reforma financeira, o processo de concentração bancária, começado no final da década de 50, se intensificou. A intenção das autoridades monetárias pós-64 era buscar uma maior eficiência do setor, ou seja, supondo a existência de economias de escala, a concentração possibilitaria a redução no custo dos empréstimos. Paralelo a esse processo, havia também um processo de segmentação do sistema financeiro. Os bancos passaram a se associar e a criar instituições financeiras sociedades de crédito imobiliário etc.
Os altos ganhos que o sistema financeiro conseguiu obter na década de 80 se deram por meio da operaçã0 de floating. O floating serviu de alavanca para a expansão do sistema financeiro na renda nacional ao canalizar recursos das mais diversas fontes para os cofres públicos. Pode ser entendido como uma permanência de recursos transitórios dos clientes nos bancos, e é por meio dele que tais bancos obtêm parte de sua remuneração pela prestação de diversos serviços.
Explica-se: os bancos sempre têm um volume de recursos transitórios de terceiros circulando sob sua responsabilidade que não são remunerados (ex.: contas correntes). Os bancos podem aplicar esses recursos, ou ao menos parte deles, em instrumentos financeiros de curto prazo com correção monetária mais os juros reais. Assim, de um lado eles têm um custo de captação zero (pois os recursos dos terceiros não são remunerados) e de outro eles tem um ganho da correção monetária mais os juros reais. Como a inflação é alta, a correção monetária também será alta e, dessa forma, os ganhos dos bancos serão altos. Resumindo, ao realizar operações usando os recursos de floating, os bancos se apropriam de parte do imposto inflacionário.
Outra característica importante do Sistema Financeiro ao longo da década de 80 foi a contração de crédito por parte do setor privado, fazendo com que este deixasse de ser o principal financiador da produção e tornando as instituições públicas praticamente as únicas concessoras de crédito.
Os problemas operacionais do governo com as políticas monetária e fiscal criavam repartições do orçamento em “suborçamentos”, mascarando os déficits. O orçamento governamental era dividido em um Orçamento Monetário (OM) e um Orçamento Fiscal (OF). Porém, contas que deveriam estar no OF eram colocadas no OM, permitindo que o OF aparentasse equilíbrio, quando na realidade várias despesas do governo estavam sendo financiadas pelo OM, ou seja, pelo BC, através de endividamento e emissão de moeda – o que gera inflação.
Um exemplo de problema era a Conta Movimento. Era uma conta do OM que permitia a transferência de recursos do BC para o Banco do Brasil. O governo usava o BB para conceder crédito e com isso estimular a economia, forçando o BC a fornecer ao BB os recursos necessários para sustentar essa política. Assim, na prática, o BB tinha poder de autoridade monetária, podendo emitir moeda, aumentando a inflação.
Os bancos estaduais também refletiam essa ilusão fiscal e monetária. Eles tinham à disposição alguns instrumentos financeiros que faziam com que eles pudessem emitir moeda. Traduzindo, o governo central não tinha controle da política monetária. Governos estaduais usavam tais instrumentos de seus bancos para financiar o orçamento estatal, gerando descontrole da política fiscal nacional.
Esses problemas foram sendo resolvidos ao longo do governo Sarney, no fim da década de 80, por meio de algumas medidas:
- Unificação dos orçamentos sob o OGU (Orçamento geral da União);
- Criação da STN (Secretaria do Tesouro Nacional) para controlar o caixa único do Tesouro;
- Extinção da Conta Movimento.
Tais medidas resultaram em maior transparência e controle do orçamento do governo e permitiram que se fechassem os “vazamentos” de dinheiro público, geradores de inflação e déficit. Esses resultados se constituíram em avanços importantes, sem os quais o futuro de sucesso do Plano Real não seria possível.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDREZO, Andréa Fernandes. Mercado Financeiro – Aspectos Históricos e Conceituais. São Paulo: Pioneira, 1999.
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Sistema Financeiro Nacional. Composição e Evolução do SFN. Composição. Disponível em <http://www.bacen.gov.br>.
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro – Produtos e Serviços. 16ª edição – Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 2005.
FRANCO, G. H. B. O Plano Real e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo: Editora Atlas, 2007.
André Braga Carneiro e Guilherme Procópio Merlin são acadêmicos do 5º período do Curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
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