Fernando Archetti
A insurgência, segundo definição do Departamento de Defesa dos EUA, é um movimento organizado que tem por objetivo derrubar um governo constituído, por meio da subversão e do conflito armado (PETRAEUS; AMOS; SEWALL, 2007). Ao contrário do terrorismo, que se assemelha mais, nesse aspecto, aos movimentos anarquistas do século XIX e início do XX, os insurgentes buscam objetivos políticos mais tangíveis, como a conquista de territórios e a subversão dum regime.
É, desde 1949 (PAUL; CLARKE; GRILL, 2010), a forma de guerra – já que em oposição à abordagem tradicional, guerras não se dão exclusivamente entre Estados, mas entre comunidades políticas, incluindo, assim, terroristas e insurgências (OREND, 2005) – mais freqüente, embora não tenha recebido tratamento adequado, que compreenda o fenômeno em sua essência.
Por natureza, a insurgência se apresenta como um conflito assimétrico, o que significa dizer que é praticada por um oponente mais fraco, que usa de táticas não-tradicionais e/ou surpresa para compensar essa assimetria, atacando pontos vulneráveis do inimigo. Isso decorre de sua incapacidade de enfrentar as forças regulares em um conflito convencional. As táticas podem ser não-violentas e violentas, não necessariamente utilizadas separadamente.
É, também, um conflito irregular, ou seja, travado por forças não-regulares, que não tem uma organização militar formal e legitimidade jurídica (VISACRO, 2009).
Relativamente à noção de guerra, o militar prussiano Von Clausewitz diferencia dois componentes: o caráter e a essência da guerra. O primeiro diz respeito a aspectos mutáveis da guerra, variáveis e fatores de cada guerra em particular. O segundo conceito fala de características imutáveis da guerra, propriamente sua essência, aquilo sem o qual ela deixaria de ser o que é, e que lhe é um denominador comum. Embora se afirme que sua essência não muda, seu caráter muda, e reflete o ambiente político-social de um período, o que é natural, já que guerra é uma forma de fazer política.
Também a insurgência, forma recorrente de guerra na atualidade, mudou através do tempo, e o impacto da globalização lhe deu forma distinta das insurgências anteriores, alterando sua estrutura, dinâmica, desenvolvimento e contexto.
O mundo mudou radicalmente, e o caráter da guerra também. Embora haja uma essência que perpassa a insurgência em diferentes momentos da história e que a define, seu caráter é outro. O que dá à guerra um novo caráter são as mudanças sócio-políticas. A guerra reflete uma vontade política, e as operações militares se dão conforme os objetivos políticos; a oposição entre o aspecto militar e o político da guerra é, pois, aparente, já que formam um todo.
Mas no que consiste a essência da insurgência?
Compõe-se de 5 elementos, 8 dinâmicas e 6 estratégias (PETRAEUS; AMOS; SEWALL, 2007). O primeiro é o elemento humano da insurgência, dividido em: líderes, guerrilha (combatentes), o núcleo político ou o partido, auxiliares (são seguidores não armados do movimento) e a ‘’base massiva’’, a população a favor do movimento.
As dinâmicas são o que lhe dá forma, o que lhe estrutura: liderança, objetivos, ideologia, ambiente e geografia, além de fatores culturais e demográficos; auxílio externo e interno, fases (seu desenvolvimento) e padrões de organização e operações.
Finalmente, as estratégias usadas pelos insurgentes variam de conflito urbano, guerra popular prolongada, estratégia militarmente focada, estratégia focada em identidade (cultural, religiosa, de clãs, tribos etc.), estratégia de conspiração (espécie de ‘’infiltração política’’) e estratégia composta e de coalizão (diferentes grupos se unem em torno de um objetivo).
Acrescente-se ainda que a insurgência, embora varie de um conflito para outro, está associada à ‘’fraqueza’’ e ‘’falha’’ de Estados; tende a surgir, portanto, em Estados com profundos problemas, em que grande parte da população se sente alienada do governo.
No entanto, há diferenças fundamentais no caráter das insurgências do período da guerra fria e contemporaneamente.
As insurgências da guerra fria estavam associadas aos conflitos entre superpoderes, às chamadas proxy wars (espécie de conflito indireto entre duas partes), ao nacionalismo, ao nascimento de novas nações e mobilização política de grupos excluídos, além da disputa por espaços controlados.
Hoje, a insurgência é decorrente da falha de antigos métodos de ordem, de controle e de identidade (Estados que não conseguem criar uma identidade para que sua população adira) e de promover desenvolvimento, levando à fraqueza do Estado. Isso, por sua vez, causa incapacidade ou declínio de controlar a situação de segurança, ficando partes do território à margem do poder estatal; a insurgência contemporânea preenche esses espaços onde o Estado não tem controle, e é, fundamentalmente, uma disputa por tais lugares.
Enquanto uma buscava remover o Estado do poder de uma região controlada por ele, a outra é uma competição por espaços não controlados (METZ, 2007).
Seja sob a forma de patrocínio de potências em ‘’guerras por procuração’’ ou resistência desesperada contra invasores, a insurgência é uma forma ancestral de guerra que atravessou toda história mundial. Desde o atentado terrorista do 11 de setembro e as respostas que se seguiram com a invasão do Afeganistão, em 2001, e do Iraque, em 2003, o tema da insurgência ganhou grande importância. Pela natureza desse conflito, que tem no fato de ser prolongado sua característica mais deletéria e que dá origens a tantos outros problemas, diz-se que vivemos uma era dos conflitos persistentes.
Seja como for, a insurgência, caracterizada por ser um conflito sem regras, dinâmico e flexível, tem contrariado o establishment militar, que insiste em tratar esses conflitos aplicando conceitos doutrinários rígidos e com pretensão universalista. As guerras do Afeganistão e do Iraque têm demonstrado o limite do poder militar clássico. A insurgência transcende, em muito, o campo militar e sua solução deve compreender essa premissa. Se a única paz que se pode oferecer é a do túmulo, em outras palavras, matando a todos, tem-se aí, então, o limite da solução militar.
PETRAEUS, David H.; SEWALL, S.; AMOS, James F. Counterinsurgency Field Manual. Chicago: University of Chicago Press, 2007.
METZ, Stephen. Rethinking Insurgency. 2007. 77f. Monografia – US Army College, Strategic Studies Institute, Carlisle.
OREND, Brian. War. Disponível em <http://plato.stanford.edu/entries/war/>. Acesso em: 26 de set. 2010.
PAUL, Christopher; CLARKE, Colin P.; GRILL, Beth. Victory has a thousand fathers – Sources of Success in Counterinsurgency. 2010. 187f. Monografia – RAND Corporation, Santa Monica.
VISACRO, Alessandro. Guerra Irregular. Editora Contexto, 2009.
Fernando Archetti é acadêmico do 3º período de Relações Internacionais no UNICURITIBA.
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