Andrew Traumann
Desde que o regimento da União Européia entrou em vigor no primeiro dia de 2002, contando com a participação de quase toda a Europa Ocidental, iniciou-se um debate acerca das condições políticas e econômicas dos países do leste de adentrar o seleto grupo. Com a chamada “grande adesão” de 2004, formada por Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, Malta, Rep. Tcheca, Eslovênia e Eslováquia e a admissão, em 2007, de Bulgária, e Romênia, continuam em discussão os casos de Croácia, Macedônia e um grande enigma: a Turquia.
Para a Europa, aceitar a Turquia é extremamente complicado. Há vários argumentos contrários à sua entrada. Geograficamente, a Turquia, com apenas 3% de seu território em solo europeu, caracterizar-se-ia como um país asiático. Argumentam também os opositores da candidatura turca que seria sua economia subdesenvolvida. Porém, devemos nos lembrar que países com economia similar, como Chipre e Eslováquia, já foram admitidos. Dizem também os opositores que o código penal turco seria incompatível com a constituição da União Europeia (mesmo os turcos já tendo abolido a pena de morte), além da questão da opressão à minoria curda. Demograficamente, se por um lado a entrada da Turquia ajudaria a pelo menos aliviar a questão da mão de obra na Europa, por outro, muitos europeus não gostariam de ver milhões de turcos transitando livremente pelo continente como cidadãos legítimos.
Mas a grande chave da questão, que em tempos de politicamente correto prefere não se falar, é outra: o motivo real da oposição à entrada turca é racial e religioso. Os turcos não são caucasianos e são muçulmanos. Na extrema direita européia, especialmente na França, na Alemanha e na Áustria, há uma grande preocupação com a imigração islâmica. Hoje, vivem em solo europeu cerca de 12,5 milhões de muçulmanos. Com a entrada da Turquia, poderiam se adicionar mais 70 milhões a esta estatística. Além disso, em poucos anos, a Turquia será o país mais populoso da UE, superando a Alemanha, o que romperia todos os equilíbrios de poder dentro da Europa e seria visto, pela extrema direita, como uma nova conquista otomana do Velho Continente.
Contudo, aqueles que são favoráveis ao ingresso dos turcos no bloco argumentam que, caso ocorra, poderia ser a grande prova de que cristãos e muçulmanos são capazes de coexistir. Os EUA e a Grã-Bretanha, aliados da Turquia na OTAN, crêem que a Turquia, ao optar por um regime democrático e moderado, pode se tornar um exemplo para o restante do Oriente Médio, especialmente quando as vantagens econômicas, como a utilização de uma moeda forte, começarem a ser sentidas pela população. Os turcos teriam acesso ao mercado europeu (no qual a economia turca já está bastante inserida), e a seus fundos de apoio aos países pobres, o que poderia dar o empurrão final a um processo de maior desenvolvimento econômico no país. Politicamente, seria um triunfo para o secularismo turco ver o único país muçulmano laico ser aceito na União Européia. Militarmente, seu exército bem treinado e equipado poderia se tornar um guardião dos interesses europeus no Oriente Médio. Porém, a insistência na busca de uma identidade cultural (branca e cristã) por parte de certos setores da sociedade européia faz com que a admissão dos turcos seja dificultada. Ora, se o mundo hoje se orgulha da queda de fronteiras, do multiculturalismo, da globalização, por que na hora de dar um passo maior rumo à integração dos povos, retorna à nostalgia por uma Europa romântica, idealizada, branca e cristã? Neste embate entre forças conservadoras (algumas decididamente xenófobas) e aqueles que vêem a integração como a melhor forma de lidar com a questão, espera-se que dentro de um debate racional vença a moderação.
Andrew Traumann é professor de História das Relações Internacionais no UNICURITIBA.