quinta-feira, 12 de maio de 2016

Uma Ponte para o Futuro: a mentira, a arrogância e a covardia como argamassa da utopia das elites nacionais.

  Por Carlos-Magno Esteves Vasconcellos*


No final de 2015, dando andamento ao seu traiçoeiro e sórdido plano para afastar a Presidenta Dilma Roussef do Palácio do Planalto, o PMDB divulgou um documento intitulado Uma Ponte para o Futuro, que se pretende um programa para “preservar a economia brasileira e tornar viável seu desenvolvimento, devolvendo ao Estado a capacidade de executar políticas sociais que combatam efetivamente a pobreza e criem oportunidades para todos”. O documento revela a natureza servil e pusilânime do Partido de Michel Temer, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, sempre submisso aos interesses de poderosos grupos de brasileiros e estrangeiros que obram dia e noite para manter o Brasil e seu povo acorrentados. As idéias e propostas ali enunciadas são de uma pobreza assustadora. Não obstante, nesta quinta-feira, 12 de maio, o PMDB deverá, ao que tudo indica, se apossar do poder político federal e assumir o controle e a direção da economia brasileira. É, portanto, oportuno entender com clareza o que quer para o Brasil o PMDB.

Antes de esmiuçar o programa do PMDB, vale advertir que não devemos analisar Uma Ponte para o Futuro como o resultado coerente da ‘concepção de mundo’ do PMDB, pois uma das mais notórias características desse Partido é, justamente, a mais absoluta insignificância programática. Para aqueles que desconhecem essa verdade, vou mencionar aqui, um exemplo simples e categórico extraído dos princípios básicos do Novo Programa Doutrinário do PMDB (disponível em http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-estatuto-do-partido-de-15-4-1996-resolucao-tse.563): Princípio 13 - “O PMDB continuará movendo implacável combate à corrupção e sonegação. Denunciará às autoridades competentes cada caso que lhe chegar ao conhecimento, para apuração da responsabilidade dos envolvidos. Apoiará também as iniciativas da comunidade em resguardo do erário e do interesse público”. Para o bom entendedor, as palavras do Partido dispensam comentários.
Despido de seu disfarce ideológico, podemos, agora, encarar o PMDB e seu programa de governo com mais segurança, sabendo que suas idéias centrais não são inspiradas em princípios básicos, mas no mais absoluto fisiologismo político.  

Uma Ponte para o Futuro: a utopia das elites nacionais

Como entende o PMDB a situação atual vivida pela sociedade brasileira?
Deixemos que o Partido fale por si mesmo, através do seu programa Uma Ponte para o Futuro:

O Brasil encontra-se em uma situação de grave risco. Após alguns anos de queda da taxa de crescimento, chegamos à profunda recessão que se iniciou em 2014 e deve continuar em 2016. Dadas as condições em que estamos vivendo, tudo parece se encaminhar para um longo período de estagnação, ou mesmo queda da renda per capita. O Estado brasileiro vive uma severa crise fiscal, com déficits nominais de 6% do PIB em 2014 e de inéditos 9% em 2015, e uma despesa pública que cresce acima da renda nacional, resultando em uma trajetória de crescimento insustentável da dívida pública que se aproxima de 70% do PIB, e deve continuar a se elevar, a menos que reformas estruturais sejam feitas para conter o crescimento da despesa. (...) Isto nos leva a discutir a questão fiscal. No Brasil de hoje a crise fiscal, traduzida em déficits elevados, e a tendência do endividamento do Estado, tornou-se o mais importante obstáculo para a retomada do crescimento econômico. O desequilíbrio fiscal significa ao mesmo tempo: aumento da inflação, juros muito altos, incerteza sobre a evolução da economia, impostos elevados, pressão cambial e retração do investimento privado. Tudo isto somado significa estagnação ou retração econômica. Sem um ajuste de caráter permanente que sinalize um equilíbrio duradouro das contas públicas, a economia não vai retomar seu crescimento e a crise deve se agravar ainda mais. Esta é uma questão prévia, sem cuja solução ou encaminhamento, qualquer esforço para relançar a economia será inútil. Nenhuma visão ideológica pode mudar isto.

A passagem acima é reveladora. O entendimento que o PMDB tem da atual situação vivida pelo país é equivocada e medíocre. Nossos problemas atuais não têm absolutamente nenhuma relação com déficit público, não se trata de crise conjuntural. É crise ESTRUTURAL!  É uma crise de longa duração, que abarca todo o sistema capitalista internacional desde a década de 1970! Em países de capitalismo periférico como o Brasil, as primeiras manifestações dessa crise tiveram lugar na década de 1980 com a chamada “crise das dívidas”. A redemocratização, a moratória da dívida externa e, posteriormente, a introdução de políticas econômicas neoliberais foram as primeiras reações do país àquela crise. O colapso do neoliberalismo em nosso país abriu caminho para a ascensão de Lula e do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder. No plano internacional, a crise econômica forçou os Estados Unidos a lances ousados em termos de política internacional em defesa de sua condição de potência hegemônica: defesa intransigente do neoliberalismo e da globalização econômica, fabricação da guerra ao terror, avanço estratégico para o controle de regiões do mundo ricas em recursos naturais e energéticos, e fragilização de seus principais antagonistas: Rússia e China. Os insucessos acumulados pelos norteamericanos na luta contra a crise econômica facilitaram a ascensão do primeiro afro-americano à Casa Branca, com a eleição de Barack Obama, em 2008. Nem Lula, nem Obama conseguiram superar a crise econômica em que seus países se encontravam. Mas, tanto um como o outro lutaram, desesperadamente, para mitigar os efeitos mais deletérios provocados pelas desastrosas políticas de seus antecessores, travando o ímpeto das forças globalistas e neoliberais. A crise brasileira de hoje é, portanto, a continuidade da crise sistêmica iniciada na década de 1970; mas é também o resultado das frustrantes políticas econômicas adotadas para contê-la.
O entendimento do PMDB sobre a crise brasileira atual não é apenas equivocado, ele é também arrogante. No final do trecho citado, o Partido diz que “Nenhuma visão ideológica pode mudar isso (mudar esse entendimento)”. Ou seja, o PMDB virou o dono da verdade! É uma aula de democracia! Ou nos conformamos com as platitudes de suas idéias, ou somos todos lunáticos. Esta é uma característica comum à todo sujeito incapaz de convencer seus interlocutores pelo poder dos argumentos. Sua atitude é desqualificar seu oponente!
Não podemos nos intimidar. Vamos em frente. Diz o texto supracitado que o endividamento do Estado (crise fiscal) é obstáculo ao crescimento econômico, e é também, gerador de inflação, juros altos, impostos elevados, retração de investimentos privados, etc...
Uma mentira atrás da outra!!! Os juros altos é o que provocam retração de investimentos; os juros altos é o que geram aumento generalizado dos preços (inflação); os juros altos é o que obriga o Estado a elevar os impostos; os juros altos é o que sufoca o crescimento da economia! Mas, a quem remuneram os juros altos? À uma elite da burguesia que compreende poderosos grupos econômicos brasileiros e estrangeiros que não têm o menor interesse no desenvolvimento do Brasil. E porque o PMDB adulterou a realidade econômica em benefício dessa elite burguesa? Porque ele é um representante dos interesses desses grupos poderosos junto ao Estado brasileiro!
E qual o remédio que propõe o PMDB para curar o Brasil de sua “crise fiscal”? Como anuncia o texto supracitado: “um ajuste de caráter permanente que sinalize um equilíbrio duradouro das contas públicas ... sem cuja solução ou encaminhamento, qualquer esforço para relançar a economia será inútil”.
O detalhamento desse “ajuste de caráter permanente” é apresentado ao longo do documento do PMDB e pode ser resumido da seguinte maneira:
1º -  Evitar aumento de impostos, pois isto afeta a competitividade das empresas que operam em território nacional, no capitalismo internacional.
2º - Flexibilizar o orçamento público, de modo a torna-lo constantemente adaptável às necessidades de realização de superávits primários (recursos destinados ao pagamento de juros).
3º - Reduzir as despesas primárias do Governo (aquelas que não se relacionam com o pagamento de juros), principalmente através de redução do funcionalismo público, eliminação de programas sociais desnecessários, supressão das vinculações orçamentárias institucionais estabelecidas em relação aos gastos com saúde e educação e, fundamentalmente, uma severa reforma previdenciária que descole os benefícios dos aposentados dos ganhos reais do salário mínimo e estabeleça uma idade mínima para aposentadoria.
4º - Flexibilizar a legislação trabalhista, privilegiando as negociações diretas entre trabalhadores e patrões em detrimento dos direitos adquiridos (as leis trabalhistas são reputadas, no documento do PMDB, o segundo maior obstáculo à competitividade da economia brasileira).  
5º - Submeter o poder do Estado totalmente aos interesses de poderosos grupos privados através da execução de “uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de transferência de ativos (públicos) que se fizerem necessários ...; desoneração das exportações e dos investimentos...; a racionalização dos procedimentos burocráticos... com ênfase nos licenciamentos ambientais; (uma rápida) abertura comercial que torne nosso setor produtivo mais competitivo, graças ao acesso a bens de capital, tecnologia e insumos importados”. 
Neste artigo não temos espaço para discorrer sobre cada uma dessas medidas, mas é fácil perceber que, no conjunto da obra, a proposta do PMDB é a síntese da covardia política. Os trabalhadores devem se preparar, se mobilizar, se organizar para a luta política, pois em defesa dos interesses inconfessáveis de poderosos grupos econômicos nacionais e estrangeiros o PMDB se prepara para agredi-los em nome de “um novo ciclo de crescimento” que acredita será alcançado pelo apoio “ao investimento privado e aos ganhos de competitividade do setor externo, tanto do agronegócio, quanto do setor industrial”.
O entendimento que o PMDB tem da situação atual vivida pelo Brasil é um equívoco consciente, é uma mentira. Sua Ponte para o Futuro é uma utopia que tenta vender aos trabalhadores brasileiros como alternativa para o seu desenvolvimento. A verdadeira Ponte que o PMDB está prestes a construir não é para fazer transitar a sociedade brasileira para uma situação de prosperidade material e bem-estar social, mas para restaurar as condições à continuidade do processo de acumulação capitalista mundial ao qual estamos inseridos.
Trabalhadores: vocês são MEIO, jamais o OBJETIVO!!!     
  


 
 
 


   






* Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Superior de Economia de Varsóvia, professor titular das disciplinas de Economia Política Internacional e Empresas Transnacionais do Curso de graduação em Relações Internacionais e do módulo em Economia Política do Capitalismo da pós-graduação em Diplomacia e Relações Internacionais do UniCuritiba.

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