quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Mulheres de Destaque: Janiffer Zarpelon, professora do UNICURITIBA e estudiosa do feminismo nas Relações Internacionais


Por Ligia Maffessoni



Professora da UNICURITIBA desde 2012, ficando fora um ano devido ao Doutorado e retornando em 2015, Janiffer Zarpelon é bacharel em Relações Internacionais, Mestre e Doutora em Sociologia Política. Desde cedo, trilhou uma carreira longa com diferentes experiências: primeiro trabalhou com projetos ambientais; depois na área de comércio exterior realizando atividades relacionadas à exportação; e na área de marketing e negociação internacional. Em todas essas experiências aproveitou para divulgar o campo das Relações Internacionais entre seus empregadores, muitos que não conheciam as vantagens e competências do curso, mas se impressionaram com sua capacidade de negociação internacional, devido à complexidade interdisciplinar e ampla compreensão acerca do sistema internacional.



Seus esforços começaram cedo: quando se nasce num contexto de opressão, percebê-lo e querer fazer diferente pode se tornar um objetivo. No seu caso, esse objetivo foi a independência, começou a trabalhar com quinze anos em uma loja de roupas. Quando cursou o curso de Relações Internacionais, seus professores foram na sua maioria homens. Foi no mestrado que teve maior contato com pesquisadoras, momento em que pode questionar a realidade sobre a desigualdade de gênero no Brasil e no mundo e enxergar ainda mais as assimetrias sociais envolvendo as mulheres, motivando a pesquisa, ainda de forma tímida, sobre as teorias de gênero no campo da Sociologia e das Relações Internacionais. Sua orientadora, que também era jovem, foi um exemplo para se identificar profissionalmente.



Seus temas de pesquisa foram: na graduação, sobre a escassez de água e os problemas transfronteiriços no uso do Aquífero Guarani ( um dos maiores reservatórios subterrâneos de água doce do planeta) pelos países do Mercosul, na Especialização pela UFPR, sobre Meio Ambiente, Educação e Desenvolvimento, quando realizou um estudo sobre a importância da Educação Ambiental no Aquífero Guarani. No mestrado em Sociologia Política pela UFSC, realizou um estudo sobre os conflitos e os impactos socioambientais do uso e gestão da água no Aquífero Karst em Colombo.



Passou a lecionar em 2006, ano em que tinha apenas 26 anos. Por ser nova, passou pela dificuldade de ser reconhecida no trabalho, visto que muitos dos seus alunxs eram mais velhos do que ela. Com objetivo de ganhar experiência e amadurecer em alguns temas, levou 5 anos para decidir fazer o doutorado. Sua pesquisa no doutorado no programa de Pós Graduação em Sociologia Política pela UFSC foi sobre a política externa brasileira e como o Brasil se transformou de um receptor para um doador em cooperação técnica internacional na área da saúde.



Tem buscado participar em diversos congressos e seminários a fim de atualizar suas pesquisas e trocar ideias com outros pesquisadores da área. Recentemente participou do 7º Encontro da ABRI  e do Congresso Latino-americano de Ciência Política no México. A professora também tem livros publicados, sendo o mais novo da coleção Os Grandes Julgamentos da História, com o título “Ruanda, o julgamento de Pauline Nyiramasuhuko”, que que analisa o papel do Tribunal de Ruanda para julgar os acusados do genocídio de Ruanda e sobre a primeira mulher julgada pelo crime de genocídio perante uma corte penal internacional em que relaciona as teorias de gênero a fim de analisar esse caso.

Quando lá atrás se sentiu inspirada pela presença feminina na academia, talvez não imaginava que se tornaria tamanha inspiração. Janiffer já orientou diversas publicações, mas também orientou diversas pessoas com seu exemplo, inteligência e força. Essa publicação é também uma comemoração de seu aniversário, e principalmente um agradecimento, à essa mulher de destaque.
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segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Em pauta: Regulamentação da profissão de internacionalista e a adesão ao conselho profissional de Economia.







Por Igor Brandão



Regulamentação da profissão de internacionalista e a adesão ao conselho profissional de economia.

No dia 27 de maio de 2019, o presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Wellington Leonardo da Silva, nos usos de suas atribuições, decide pela Resolução Nº 2.011[1], criar o registro do egresso de Relações Internacionais como profissional vinculado com Conselho. Esta foi publicada no Diário Oficial da União no dia 05 de julho deste ano (DOU nº 128, Seção 1, p.167[1]) e gerou uma polêmica de muita especulação a respeito dos possíveis benefícios que o internacionalista poderia ter ao portar a carteira de identidade profissional emitida pelo conselho.

Logo após tomar ciência do caso, a partir do Diário Oficial, no mesmo dia da publicação, a Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), emitiu nota[2] destinada principalmente aos internacionalistas, onde repudiou com veemência a iniciativa do Cofecon e ressaltou a impossibilidade do referido conselho de regulamentar a profissão (em oposição ao Art. 1 na resolução[1]), assim como em delimitar as prerrogativas referente as atividades exercidas por estes profissionais.

Entretanto, vale ressaltar que a elaboração e estabelecimento de regulamentos profissionais independem da criação de lei, possibilitando as iniciativas de terceiros (como é o caso da decisão do Conselho), estas estando sujeitas as leis quando existirem, o que não é o caso para a profissão de internacionalista - hoje havendo apenas projetos de lei[3] ainda não votados em demais instâncias -, sendo a profissão de economista um caso oposto, onde a Lei Federal nº 1.411/51[4] estabelece as normas ao exercício laborativo.  

Vale ressaltar que as sanções possíveis para os profissionais de relações internacionais na esfera do Cofecon, só teriam abrangência institucional, no que se refere a participação e ao efetivo registro, não excedendo aos profissionais que optarem pela não adesão (como destacado no subitem 1° do Art., 2 e no Art. 3 da resolução[1]).

Em acréscimo, a Associação foi enfática em destacar que "o único efeito prático que a referida resolução traz é que aquelas e aqueles profissionais de Relações Internacionais que se registrarem nos Conselhos Regionais de Economia terão que pagar uma anuidade para terem uma carteira do Conselho, em que se lerá a palavra “Internacionalista””[2].

No subitem 1° do ART. 4[1], a referida resolução descreve claramente que o profissional internacionalista não poderá exercer as atividades conferidas aos economistas, da mesma forma que descreve sucintamente os principais benefícios que os membros teriam dentro do conselho: a carteira profissional diferenciada (ART. 5°[1]) e a disponibilização de espaços e a organização para reuniões dos profissionais (ART. 6°[1]), tendo o Cofecon e os Corecons (Conselhos Regionais de Economia) como uma espécie de coach e ponte para efetivação das idealizações destas reuniões.

Para embasar ainda mais esta discussão, que é muito recente para ser dada como finalizada, o Internacionalize-se foi ouvir a opinião da professora das disciplinas de Teoria Econômica, Economia Brasileira e coordenadora do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba, além de egressa de Economia, Patrícia Tendolini Oliveira:

“Tenho acompanhado a reunião dos coordenadores de graduação dos encontros da ABRI nos últimos anos e a percepção que tenho é que essa regulamentação, caso acontecesse agora, seria precoce, uma vez que faz menos de dois anos que o curso passou a ter DCNs (Diretrizes Curriculares Nacionais). Muitos cursos ainda estão se adaptando às DCNs (de 2017) e a regulamentação, por hora, seria um passo adiante em relação a algo que ainda não se consolidou. A regulamentação em si é controversa uma vez que pode proporcionar segurança aos internacionalistas (em especial quando se pensa na candidatura a vagas, concursos e afins) mas também pode acabar criando amarras a sua atuação profissional – dado que hoje a atuação dos internacionalistas é muito ampla e diversificada.”

Agradecimentos em especial ao professor Gustavo Blum, que em muito colaborou para chegar até as referências sobre o assunto.

Referências:

1. ABMES - Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior - http://www.abmes.org.br/arquivos/legislacoes/Resolucao-CFE-2011-2019-05-27.pdf
2. ABRI - Associação Brasileira de Relações Internacionais - https://www.abri.org.br/informativo/view?TIPO=26&ID_INFORMATIVO=792
3. e-Democracia - Câmara dos Deputados - https://edemocracia.camara.leg.br/expressao/t/aprovacao-da-regulamentacao-da-profissao-relacoes-internacionais/59303
4. Planalto - Online - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/L1411.htm
5. Corecon/PR - https://www.coreconpr.gov.br/wp-content/uploads/2018/11/10-2018.pdf
- Educação Conteúdos Educacionais - https://www.educacao.cc/profissional/o-que-sao-profissoes-regulamentadas.html
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sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Opinião: O descaso com a nossa Amazônia







Eram três horas da tarde e o céu de São Paulo estava escuro, mas não foi apenas a chuva que fez o dia virar noite. Uma frente fria que atingiu São Paulo somada com partículas da fumaça provenientes de incêndios florestais fez com que a capital paulista ficasse na escuridão no meio da tarde. 


Desde o fim de julho, a região amazônica no estado de Rondônia vem sofrendo com incêndios. Especialistas dizem que o clima seco é propício para as queimadas, mas há um agravante: o incêndio intencional. Nos dias 10 e 11 de agosto, fazendeiros no Sudoeste do Pará promoveram o que foi chamado de Dia do Fogo, um ato que consistiu em queimar pastos e áreas em processo de desmate para “mostrar apoio às palavras” do presidente Jair Bolsonaro, que por sua vez, anunciou em julho que não confiava nos dados divulgados sobre o desmatamento da Amazônia pelo Inpe, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, um dos órgãos de mais credibilidade do Brasil. Hoje, em 12 de agosto, Bolsonaro comentou sobre os incêndios, alegando que eles foram promovidos por ONGs para “chamar atenção” contra o governo brasileiro. 


            Você deve estar se perguntando: não há nenhum projeto que auxilie e preserve a Amazônia? Ele existe e se chama Fundo Amazônia. Gerido pelo BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, seu objetivo é captar recursos e doações junto aos países desenvolvidos para investimentos em operações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento. Desde o começo, a Noruega era foi a principal doadora, seguida da Alemanha. O atrito com o governo brasileiro e os dois países começou quando foram surgiram desejos de alterar a configuração do COFA, o Comitê Orientador do Fundo Amazônia que determina as diretrizes e acompanha os resultados obtidos. O COFA é formado pelo governo federal, governos estaduais e sociedade civil. O governo Bolsonaro deseja aumentar a participação de representantes próprios; logicamente, Alemanha e Noruega se opuseram.


            As doações dos dois países europeus são condicionadas ao índice de desmatamento - ou seja, quanto menos Amazônia, menos dinheiro. Foi por isso que, na última semana de agosto, a Alemanha decidiu cortar o apoio financeiro para o Fundo Amazônia, dizendo que tem dúvidas quanto ao empenho em proteger a floresta do desmatamento e preservar o meio ambiente. Em resposta à chanceler alemã Angela Merkel, o presidente do Brasil disse “Pega essa grana e refloreste a Alemanha, tá ok?”.


            Seguindo o exemplo da Alemanha, a Noruega também cancelou repasses para o Fundo. O ministro do Clima e Meio Ambiente norueguês Ola Elvestuen afirmou que o Brasil quebrou um acordo com os dois países europeus supracitados, fazendo referência ao fato de que o Brasil suspendeu a diretoria e o comitê técnico do Fundo Amazônia sem concordância da Alemanha e da Noruega. “O que o Brasil fez mostra que eles não querem mais parar o desmatamento.", disse o ministro.


            A Amazônia queima, mas a atenção se volta para ela apenas quando chega nas capitais. Cidades em Rondônia já haviam experienciado a escuridão que os paulistas viram nesta terça-feira, mas isso não foi noticiado. O Brasil vive a maior onda de incêndios dos últimos cinco anos, com quase 72.000 focos, segundo o Instituto de Pesquisas Ambiental da Amazônia e o Inpe. O nível de queimadas é tão grande que as fumaças são visíveis pelo satélite da NASA. A Amazônia é de extrema importância para o equilíbrio e estabilidade ambiental do planeta. Apesar de voltar atrás na decisão de extinguir o Ministério do Meio Ambiente, o governo deixou a pasta ficar praticamente vazia. A decisão de se retirar do Acordo de Paris, que rege medidas de redução de emissão de gases estufas, foi também infeliz e cruel. Reservas indígenas e animais estão sofrendo e pouco se fala sobre eles. 


            A Amazônia está morrendo. E nada está sendo feito.



Referências











https://br.sputniknews.com/brasil/2019082014413370-temos-cidades-em-rondonia-cobertas-pela-fumaca-das-queimadas/






*A opinião expressa no artigo pertence à autora - e não necessariamente reflete um posicionamento institucional.
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quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Acontece no UNICURITIBA: Grupo de Competição do Sistema ONU do UNICURITIBA é destaque internacional e está com inscrições abertas.




O Grupo de Pesquisa participa da competição Nelson Mandela Human Rights Moot Court, que acontece anualmente, em Genebra.
As inscrições estão abertas e podem participar alunos de Direito e de Relações Internacionais.

Saiba mais sobre o assunto no Blog Unicuritiba Fala Direito.


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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Acontece no UNICURITIBA: Visita do Embaixador da Ucrânia e um panorama sobre a situação atual do país






O embaixador da Ucrânia no Brasil, Rotyslav Tronenko, esteve na terça feira, dia 06/08, na Unicuritiba para falar sobre a Ucrânia como oportunidade para intercâmbios, comércio e turismo. Estava acompanhado do cônsul honorário da Ucrânia em Curitiba, Mariano Czaikowski; do presidente da Representação Central Ucraniano Brasileira, Vitório Sorotiuk; e de Sérgio Maciura. Tronenko começou a palestra falando sobre Jan Koum, empreendedor e programador cofundador do Whatsapp, que é uma personalidade conhecida por todos e é ucraniano. A Ucrânia é expressiva exportadora de óleo de girassol e grãos em geral: isso porque sua terra, chamada de terra negra, é extremamente fértil.

A Ucrânia nos traz diversos aprendizados e personalidades como os famosos ucranianos que viveram no Brasil: Clarice Lispector, uma das mais importantes escritoras do século XX, Gregori Warchavchik, arquiteto que criou a primeira casa modernista do país, em São Paulo, e o filho de ucranianos, Miguel Bakum, pintor considerado um dos pioneiros da Arte Moderna no Paraná.

 A região tem tensões como na Crimeia e em Donbass, muito sérias, já que envolvem desacordos históricos com a Rússia.Nessas regiões, ambas de fronteira, há disputa entre os países, e medidas como diversificação de fontes de energia estão sendo utilizadas para evitar os produtos russos.

Política recente

Viktor Yanukovytch foi o presidente durante a Revolução Ucraniana de 2014, no período que a Ucrânia se aproxima da União Europeia, inclusive com perspectiva de participação no bloco. A Rússia, entretanto, pede a Yanukovytch para não assinar o Acordo de Associação UE-União Europeia, o presidente aceita, além de um empréstimo russo. Dessa forma, a população se desagrada e se revolta no episódio chamado de Euromaidan, retratado no documentário “Inverno em Chamas”, ganhador do Oscar de Melhor Documentário de Longa Metragem em 2016 e disponível no Netflix, que foi gravado durante o episódio. Muitas pessoas acabam morrendo com a repressão do governo; o presidente se refugia e o parlamento vota pela sua saída. Nesse momento de muita confusão e instabilidade, a Rússia anexa a península da Crimeia, e é sancionada pelos Estados Unidos e União Europeia.

Quem assume agora é Petro Poroshenko, empresário formado em relações internacionais e em direito que criou seu grande negócio baseado no cacau. Sua característica é o compromisso de manter a unidade territorial da Ucrânia, lutando pela Crimeia e portanto se opondo ao governo Russo. Seu governo, porém, não consegue recuperar o país da crise que vinha desde o governo de Yanukovytch, financeira e de corrupção, o que faz com que o padrão de vida das pessoas baixe muito. Tenta a reeleição, mas acaba perdendo.

Não foi só Reagan que saiu das telas para a presidência do país: o atual presidente da Ucrânia, Vododymir Zelenski, interpretou no Netflix um professor de história que, através de um discurso compartilhado nas redes sociais, entrou para política e se tornou presidente. A série se chama Servo do povo, e o nome do partido do ator na vida real acabou sendo o mesmo. A trajetória se repetiu e o ator, hoje presidente, ficou conhecido através das redes sociais.

O atual governo foi o primeiro a dissolver o parlamento, já que não havia unidade. O novo parlamento assumirá no final de agosto. O tanto de poder que Zelenski acumula é expressivo e o que fará com este poder é algo que os ucranianos estão curiosos, como nós, por saber.


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sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Opinião: Trabalho escravo e trabalho análogo ao escravo








Recentemente, uma nova polêmica em torno de uma declaração do Presidente Jair Bolsonaro tomou conta das redes. Em breve resumo do que aconteceu:

1.    Na terça feira, dia 30/07, ele oficializou as mudanças em três normas de segurança e saúde do trabalho;

2.    Na mesma cerimônia, ele defendeu a “adaptação” de regras de fiscalização do trabalho análogo à escravidão;

3.    Entre as diversas falas polêmicas, ele afirmou ter juristas que entendem que “trabalho escravo” e “trabalho análogo ao escravo” é a mesma coisa;



Claramente, o Sr. Presidente desconhece o tema escravidão e sequer o  estudou antes de fazer esta declaração. Importante, no entanto, esclarecer alguns conceitos para que os colegas (apoiadores ou não do atual governo) não repliquem o equívoco.



Trabalho escravo x análogo ao escravo[[i]][[ii]]

          Antes de tudo, já adianto: as duas expressões são sinônimas, ou seja, falam da mesma coisa!

          No Brasil uma história conhecida por “caso Zé Pereira” foi o divisor de águas no reconhecimento do trabalho escravo. Em setembro de 1989, José Pereira Ferreira (17 anos) e um companheiro de trabalho, ao tentar fugir da fazenda em que trabalhavam de maneira forçada e sem remuneração, junto a outras 60 pessoas, foram emboscados pelos funcionários da propriedade. Na ocasião, acertaram com tiros a mão e o rosto de José Pereira, e mataram seu colega, de alcunha “Paraná”.

          Devido às lesões permanentes que sofreu, Zé, já em tratamento e longe da fazenda, resolveu denunciar à Polícia Federal as condições de trabalho a que foi submetido, visto que ainda havia inúmeros outros trabalhadores presos no local. Todos foram resgatados e receberam dinheiro para voltar para casa, mas nada foi feito pelo Estado Brasileiro no sentido de punir os responsáveis.

          Pois bem, ante a omissão estatal, o caso foi parar na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 22/02/1994. Foi somente em 2003 que o Estado Brasileiro reconheceu sua responsabilidade e assinou um Acordo de Solução Amistosa, estabelecendo compromissos a serem assumidos pelo país.

Foi só a partir dessa denúncia que diferentes países e segmentos da sociedade brasileira reconheceram a existência, a gravidade e a peculiaridade do trabalho forçado no país. Vale ressaltar que em 1992 o então representante do Governo Brasileiro negou a existência do trabalho escravo no país, indicando que os casos mencionados constituíam apenas violações na legislação trabalhista.

Apenas em 1995 a atitude do Governo passou a mudar, reconhecendo oficialmente a existência de trabalho escravo no país. O que acontece é que preferiu-se adotar a terminologia “trabalho análogo ao escravo”, em uma tentativa de demonstrar que, embora contenha elementos um pouco diferentes da antiga escravidão (em especial a negreira), as vítimas também tem seus direitos violados, em especial o direito à vida, à liberdade, à segurança e integridade pessoal e o direito à proteção contra a detenção arbitrária.



No âmbito nacional, vários e diferentes termos podem ser usados para designar o trabalho forçado. No Brasil, o termo mais utilizado para se referir as práticas coercitivas de recrutamento e emprego é “trabalho escravo”. A escravidão contemporânea brasileira afeta principalmente o trabalhador no meio rural, em diferentes atividades ligadas à pecuária, às lavouras de algodão, milho, soja, arroz, feijão, café, à extração do látex (matéria-prima da borracha) e de madeira, à criação de porcos e à produção de carvão [...]



          Desde o “caso Zé Pereira”, a expressão “escravidão” passou a ser utilizada para designar todas aquelas formas de trabalho não-livre, de exploração exacerbada e desigualdade entre os homens. A partir daí, o trabalho forçado se tornou crime na legislação brasileira (art. 149, CP).



Pode-se definir trabalho em condições análogas à condição de escravo como exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à liberdade do trabalhador ou quando não são respeitados os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do trabalhador.



          Ou seja, as duas expressões não causam qualquer confusão aos empregadores, visto que tratam sobre, exatamente, a mesma coisa! Além disso, dentro da definição, encontram-se o trabalho forçado, o trabalho degradante e a servidão por dívidas.

          Ainda, apesar de, em sua fala, Jair Bolsonaro defender que é uma “minoria insignificante” que explora seus trabalhadores, entre 1995 e 2018, 54 mil trabalhadores foram resgatados em situação análoga à escravidão, sendo 42 mil no campo e 12 mil em áreas urbanas.



Legislação

          São inúmeras as legislações que tratam sobre o tema, como, por exemplo, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador), em seus artigos 6º e 7º, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), em seu 6º artigo, além da própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, mais especificamente nos arts. 5º, 23º e 24º, além de diversos outros, como as regulações da OIT sobre a matéria.

          Internamente, o já mencionado art. 149 do Código Penal é o responsável pela tipificação, mas também é possível encontrar disposições do próprio Ministério do Trabalho e Emprego, como a Instrução Normativa 139/2018. Também, a Emenda Constitucional nº 81, criticada por Bolsonaro por determinar a expropriação dos terrenos utilizados com essa finalidade exploratória.

          Desta forma, ao contrário do que acredita o ilustre governante, não há o que se falar em alteração ou “adequação” da lei para à evolução e para “dar garantias ao empregador”. Quem precisa de garantias é o trabalhador, explorado diariamente tanto na zona rural como urbana, que tem seus direitos mais básicos ignorados, enquanto trabalha exaustivamente, sem receber seus salários, tem ter acesso às mínimas condições de existência e impedidos de sair do local.

          Vale ressaltar que, assim como é no campo a maior incidência do crime, é lá também que seria o maior impacto negativo em caso de alteração legislativa, para relativização ou suavização das normas. Isso porque é lá onde estão os mais vulneráveis à vitimização, tendo em vista a trajetória agrária e de escravidão no Brasil. Além disso, haveria um enorme risco para o país, inclusive nas suas relações internacionais, visto que é signatário de inúmeros acordos e tratados de combate ao trabalho escravo.



Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde[iii]



Registro da carteira dos trabalhadores (foto: Lunaé Parracho/Repórter Brasil)



          A gravidade da fala do presidente nos faz lembrar a denúncia feita para a Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro no caso dos Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde. A propriedade agrícola, que pertencia aos Irmãos Quagliato, escravizou milhares de homens entre os anos 1980 e 2000. Foi apenas em 2017 que a procura pelas vítimas começou, para que a indenização fosse paga. A CIDH pôde apenas intervir após um longo processo interno, que não foi eficaz no momento de evitar a situação precária dos trabalhadores, e tampouco conseguiu punir os responsáveis.


Isto porque o Direito Internacional dos Direitos Humanos requer o que se chama de esgotamento dos recursos internos, isto é, uma demonstração de que a Justiça do país não foi capaz de resolver o problema sozinha. Importante lembrar que a sentença da corte sobre trabalho escravo foi a primeira aplicada a um país e é a quinta vez que o Brasil é condenado pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

          Diversas recomendações foram feitas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas infelizmente não foram cumpridas até hoje. Uma feliz notícia é que no começo do ano passado, a Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, assinou a determinação da criação de uma força-tarefa composta para identificar, denunciar, processar e punir os responsáveis no caso Fazenda Brasil Verde. 

          Esse caso serviu para nos mostrar como os trabalhadores da Fazenda Brasil Verde foram renegados por quase 3 décadas, deixados à margem e sem nenhuma salvação. A demora da Justiça brasileira para ajudar essas pessoas e a fala do Presidente da República fazem um paralelo temporal e deixam explícita a falta de importância do trabalhador e a tolerância ao trabalho escravo  no Brasil. 







[i] COSTA, Patrícia Trindade Maranhão. Combatendo o trabalho escravo contemporâneo: o exemplo do Brasil. Brasília: OIT Brasil, 2010.
[ii] MACIEL, Giovanna de Freitas Maciel. Tráfico de Pessoas: uma violação à dignidade humana. Trabalho de conclusão de curso apresentado no curso de Direito do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Orientadora: Profa. Dra. Karla Pinhel Ribeiro. 2019.
[iii] BARBOSA, Manuela. Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde. 2019. Trabalho bimestral para a disciplina de Direitos Humanos apresentado ao curso de Relações Internacionais. Professor: Thiago Assunção. Disponível em: https://docs.google.com/document/d/1z-3PODi07amhqhNar07sv4XdT73upyLZ3S355MKux5Y/edit?usp=sharing 


** Artigo produzido em uma parceria entre o Blog Internacionalize-se e o Blog Unicuritiba Fala Direito. As opiniões aqui constantes pertencem às autoras e não necessariamente refletem o posicionamento do UNICURITIBA.
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terça-feira, 13 de agosto de 2019

Mulheres de Destaque: Angela Moreira – 20 anos dedicados a docência





Por Maria Letícia Cornassini
*Texto escrito a partir de entrevista com a Professora.

Pelos corredores do UNICURITIBA, circula uma das 100 primeiras formadas de Relações Internacionais do país. Descendente de uma família de imigrantes, a professora Angela Moreira foi inspirada pela história dos pais, seu gosto por cinema – e com isso o conhecimento de culturas de outros países- e suas habilidades com idiomas para embarcar na jornada das Relações Internacionais. Não só isso, a professora conta que seu desejo por trabalhar com uma coisa que a fizesse feliz pelo resto da vida e o respeito pelas diferenças- cultivado desde cedo dentro de sua família- foram também fatores contribuintes na escolha de seu curso, mesmo que ele fosse tão novo.

Ativista desde cedo, a professora lutava pela redemocratização já antes de iniciar a faculdade. Chegou a ir ver Fernando Gabeira no dia de sua colação do segundo grau. Em seus tempos de UNB, conta que havia um respeito maior pelas críticas de lados opostos dentro do meio acadêmico. Após a faculdade, estava num mercado que rapidamente absorvia os profissionais de R.I. que não iam para o Itamaraty, devido a alta demanda. Durante a faculdade, a professora dava aulas particulares de apoio à crianças, mas começou de fato sua carreira como internacionalista formada na Secretaria de Assuntos Internacionais com a UNESCO.

Com vontade de falar Francês, a professora buscou nos jornais da época bolsas que a oferecessem essa oportunidade, se candidatou e foi aceita no programa de bolsas para francofonia ofertado pelo Governo do Quebec, no Canadá. Ela conta que sempre teve encorajamento dos pais para que buscasse esse tipo de experiência e como não queria seguir o padrão que ainda era imposto às mulheres no Brasil, embarcou rumo a um novo país. Mesmo não falando direito o idioma, a vontade de crescer a fez persistir e cursar o mestrado no Canadá.

Ainda no Canadá, trabalhou na Organização da Aviação Civil Internacional e, além da experiência de trabalho em uma Organização das Nações Unidas, conta que a experiência a deu muita autoconfiança e oportunidades de convivência com diferentes pessoas e culturas – até mesmo dentro dos elevadores. Suas experiências no país não pararam por aí, participou de um programa da rádio comunitária em que toda semana, por três anos, ajudava a divulgar o Brasil em francês. Também fez trabalho voluntário auxiliando o governo como tradutora nos atendimentos à crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade vindos da Ilha da Madeira e dos Açores.

Com uma carreira que nunca foi planejada, e sim guiada pelas oportunidades, a professora voltou para o Brasil e foi trabalhar na UFPR, logo em seguida indo trabalhar na Renault, quando a empresa começou a ser instalada em Curitiba. Sua carreira na docência começou com um convite de seu chefe da UFPR para incorporar o curso de Relações Internacionais em uma outra faculdade, já que naquela época Angela era a única internacionalista de formação em Curitiba. Sua carreira no UNICURITIBA começou com as aulas de Política Internacional Contemporânea nos primórdios do curso de R.I. na instituição. Logo em seguida foi convidada a assumir a Coordenação do curso, e, em meio à circulação entre diversas universidades - a professora chegou a trabalhar em quatro universidades ao mesmo tempo - e participações em bancas, foi conhecendo e chamando professores para compor o corpo docente do curso.

Nestes anos como internacionalista, conta que percebeu dificuldades na carreira acadêmica por ser mãe, já que muitas vezes a dupla jornada não deixava tempo para dedicação a produção acadêmica. Além disso, conta que muitas vezes o fato de ser mulher acaba não gerando convites para convivência nos círculos sociais em que circulam as oportunidades.

Quanto aos objetivos futuros, a professora diz que planeja continuar a aprender e sair de sua zona de conforto.

Após toda sua trajetória, a professora Angela não é apenas uma internacionalista com um currículo ilustre. Ela é uma mulher que durante toda sua carreira sempre esteve disposta a enfrentar o medo. Que ousou quebrar padrões numa época em que já se tinha pré-estabelecido qual seria seu papel. Que estabeleceu as fundações de um curso inteiro, proporcionando oportunidades a centenas de alunos que almejavam uma carreira de internacionalista. Acima de tudo, uma grande mulher que - muitas vezes inconsciente disso - ali de cima do tablado inspira tantas outras a traçarem grandes histórias.
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