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quarta-feira, 6 de maio de 2020

Opinião: O que a atual pandemia tem a nos dizer sobre nossa relação com o meio ambiente e nossos hábitos de consumo?



Não se trata de uma teoria da conspiração, mas de uma constatação da qual a comunidade científica há muito tempo vem tentando alertar o Sistema Internacional e vem sendo sistematicamente ignorada: os surtos epidêmicos ocorridos nas últimas décadas estão diretamente ligados a devastação ambiental (The World Economic Forum). A maneira como estamos lidando com o meio ambiente justifica a crise que estamos vivendo, e faz com que situações como essa possam se tornar cada vez mais comuns se não mudarmos os nossos hábitos e a nossa relação com o meio ambiente. 
A dinâmica é simples: para satisfazer a ânsia capitalista do consumo exacerbado, habitats naturais até então isolados são explorados para o uso dos seus recursos para sustentar os mercados, as indústrias e os comércios legais e ilegais. Acontece que nesse processo, seja de extração de recursos, de desmatamento, de queimadas ou da caça, entra-se em contato com diversos organismos vivos como bactérias e vírus dos quais o ser humano não tem conhecimento. 
De acordo com o ECOA, vertente da UOL para o meio ambiente, esse contato ocorre de várias formas: pela evasão dos animais silvestres que, tendo seu território invadido, migram para outras regiões ou passam a conviver em centros urbanos; pelo contato direto das pessoas com a natureza; através do consumo e manejo da carne de animais e seus derivados; pelo tráfico de animais silvestres - terceira maior atividade ilícita do mundo, ficando atrás apenas do tráfico de drogas e do tráfico de armas, movimentando cerca de 10 a 20 bilhões de dólares por ano – dentre outras.
Para exemplificar, podemos citar o caso da gripe aviária: as investigações científicas apontam que a mudança no ciclo migratório natural das aves selvagens fez com que elas entrassem em contato com aves domésticas em granjas industriais, o que levou ao surto da gripe na Ásia - com uma taxa de mortalidade de 50% - e ao abate em massa de cerca de 1,5 milhões de aves. Também estima-se que o contato com os chimpanzés pelo consumo e manejo da carne tenha sido o responsável pela evolução de vírus como o HIV e o ebola. Este último, por sua vez, nos dois últimos surtos epidêmicos no continente africano, matou cerca de 13 mil pessoas. 
A gripe suína nos Estados Unidos, o SARS na China, MERS na Ásia e a “doença da vaca louca” são também alguns dos casos de zoonoses (doenças humanas causadas por agentes infecciosos que geralmente atingem animais) mais conhecidos. O medo é que esses vírus que permanecem em constante contato com animais e seres humanos continuem se recombinando e fazendo mutações cada vez mais poderosas. 
O COVID19 é, também, mais uma zoonose que se tornou mundialmente conhecida devido o fato de já ter atingido milhões de pessoas em todos os continentes, pondo-nos em estado de alerta e preocupação. O coronavírus, no entanto, não é, definitivamente uma novidade para os cientistas. 
Nesse contexto específico, existem três possíveis origens do vírus: pelas cobras, morcegos ou pangolins. Acredita-se que o manejo desses animais silvestres em feiras abertas, presos em gaiolas e amontoados uns sobre os outros vivendo nos seus próprios dejetos e secreções munido ao estresse e calor, a baixa no sistema imunológico e falta do uso de equipamentos adequados, proporcionou um ambiente perfeito para a interação e evolução desse microrganismo que já era conhecido, mas acabou sofrendo modificações até se tornar o vírus altamente infeccioso e com potencial fatal aos seres humanos. 
No entanto, essa não é uma realidade apenas nas culturas em que é comum a caça e o consumo de animais silvestres. A criação extensiva de animais domésticos para as indústrias da carne, do ovo, do leite, da pele e seus derivados também proporcionam um cenário perfeito para a proliferação e evolução de vírus e bactérias, como foi o caso de alguns exemplos anteriormente citados. Há ainda um agravante nesse cenário: para proteger os animais domésticos das condições sanitárias deploráveis em que são criados, uma quantidade absurda de antibióticos são injetados neles a cada nova geração. 
A resistência e mutação das bactérias ocorrem de maneira gradativa e natural no meio ambiente, tornando possível que o organismo dos animais e dos seres humanos se adaptem. No entanto, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a resistência dessas bactérias aos antibióticos devido ao seu mau uso em animais e pessoas está acelerando esse processo. A velocidade de mutação dos vírus e bactérias está sendo muito maior do que a nossa capacidade tecnológica de encontrar soluções como remédios e vacinas em tempo hábil de evitar a morte de milhares de pessoas. O mesmo pode ser dito sobre o nosso organismo e sistema imunológico, que não estão preparados para lidar com microrganismos novos de forma tão abrupta. Além disso, uma nova preocupação dos cientistas é o fato de que, com o aquecimento global e o derretimento das geleiras, vírus que até então estavam conservados e inativos, possam se tornar uma ameaça, sendo mais uma fonte de doenças causadas pelos impactos ao meio ambiente.
Diante de tudo isso, com o fato de que produção e o consumo exacerbado de matérias primas, dos animais e outros recursos naturais tem nos levado a cenários de constantes crises econômicas, ambientais e de saúde pública, há de se perguntar: afinal, o que pode ser feito?
A nível nacional e internacional falta ouvir o que a natureza e os técnicos têm a nos dizer; falta justapor os Direitos Humanos aos interesses comerciais e oligárquicos e responsabilizar quem deve ser responsabilizado. Encontrar, também, através da cooperação, formas de travar o arbítrio de quem lucra em cima da miséria e da destruição ambiental, afinal, os problemas ambientais não respeitam fronteiras, nenhum dos países está isento de ser afetado por eles e tampouco são capazes de superar esses desafios sozinhos. A nível individual é preciso se atentar para que tenhamos um consumo mais consciente. Reduzir ou mesmo interromper o consumo de animais e seus derivados é a principal forma que temos de diminuir a possibilidade de novas zoonoses e consequentemente de novas pandemias.
É preciso pensar no ódio e desrespeito com o qual estamos tratando nossa natureza e os animais só para que tenhamos um bife no jantar, um calçado de couro ou o mais novo smartphone lançado.  Todos esses mercados existem e continuam a produzir exageradamente por que existe uma demanda, porque somos constantemente incentivados a consumir mais e mais sem necessidade, em razão da obsolescência programada ou percebida. 
Nossos hábitos são responsáveis pelo aquecimento global, pelo desmatamento, pelo derretimento das geleiras, pelas doenças e todos os efeitos provenientes disso. É claro que num cenário de globalização e constante evolução tecnológica, não é possível retroceder e pensar num consumo a nível rudimentar ou elementar, mas pensar em meios mais sustentáveis de se viver, se alimentar e de consumir, pôr a tecnologia ao nosso favor não contra nós, são objetivos perfeitamente possíveis de se alcançar se pusermos valores como o consumismo e o lucro acima de tudo de lado em favor da nossa sobrevivência na terra.
Nesse sentido, as perguntas que ficam são: vamos continuar a fazer vista grossa ou vamos nos prevenir e sair da nossa zona de conforto? Vamos ter que pedir desculpa aos nossos netos porque um hambúrguer era muito difícil de resistir ou porque não poderíamos viver sem a roupa da moda ou vamos tentar deixar um mundo melhor para as próximas gerações?

Referências
https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/antibiotic-resistance


*As opiniões contidas no texto pertencem ao(à) autor(a) e não refletem, necessariamente, a posição do UNICURITIBA.

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sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Mulheres de Destaque: Dorothy Stang, o “Anjo da Amazônia”.



Figura 1: Dorothy Mae Stang (Fonte: Sisters of Notre Dame de Namur) [1]


Por Igor Vieira Pinto

Dorothy Mae Stang, freira norte-americana que mais tarde naturalizou-se brasileira, era chamada de Irmã Dorothy por conta do ofício, mas o apelido carinhoso de “Anjo da Amazônia” é inegavelmente o mais marcante. Seja por sua bondade destinada a todos, principalmente aos necessitados, ou pela luz de esperança que trouxe ao Brasil de forma geral em sua luta contra a desigualdade social e desmatamento, Dorothy foi e continua sendo personagem a ser destacada quando é discutida a impunidade frequente que dribla a justiça brasileira e a destruição das florestas brasileiras por interesses gananciosos.
Desde muito nova, aproximadamente partir dos 36 anos, iniciou sua atividade missionária no Brasil, com reivindicações em favor de trabalhadores rurais que tiram da terra seu próprio sustento e moradia, para que as propriedades públicas não fossem apossadas por grandes agricultores que usufruíam ilegalmente do espaço – por intermédio de “grilagem”, termo utilizado para descrever a falsificação de documentos de posse de terras - para o estabelecimento de serrarias, gerando grande impacto negativo na estabilidade da preservação ambiental. A Irmã Dorothy carregou essa “bandeira” ao passar dos anos, com predominância na cidade de Anapu, no estado do Pará, ganhando cada vez mais apoio de muitos e desgosto destes grandes empresários e seus funcionários... Fato este que culminou em seu assassinato em 12 de fevereiro de 2005, aos 73 anos de idade, com 6 tiros por arma de fogo, sendo cinco ao redor do corpo e um na cabeça – o tiro fatal.
O projeto central que formaliza as atividades de Dorothy, é chamado de PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável), criado anos atrás por iniciativa do governo federal, mas que apenas “saiu do papel” pela ação de Dorothy, tendo o reconhecimento do Estado em 2003 e sendo acrescido da palavra Esperança, para fazer alusão a primeira implementação do projeto. A ideia central, seria destinar 20% de dada parte das terras públicas para que agricultores familiares- principalmente os sem-terra- produzissem suficientemente para seu próprio mantimento e os 80% restantes para a preservação da biodiversidade que ali existisse, estabelecendo assim, nas próprias palavras de Dorothy, uma “harmonia com o que já existe na natureza”[2]. Como muitos projetos com caráter social no país, as colaborações governamentais eram precárias, sejam em fundos, como até mesmo em ordem administrativa, uma vez que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), autarquia federal, mostrava-se incapaz de intermediar os conflitos que ocorriam.
Pela extensão geográfica da área florestal de Anapu, esta era dividida em lotes, sendo alguns de propriedade privada e outros propriedades do Estado. O lote 55, era considerado o coração do assentamento do PDS Esperança e foi protagonista do impasse de Dorothy com o latifundiário Regivaldo Pereira Galvão, mais conhecido como "Taradão", que se denominava dono do lote, e com o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, chamado de "Bida", que seria o comprador e, portanto, novo dono desta terra. Como principais suspeitos, foram acusados de encomendar a morte de Irmã Dorothy a pistoleiros conhecidos, sendo ela vista como uma barreira frente a seus delitos. O STF determinou recentemente a prisão de Regivaldo, após longas incertezas de seu destino, e Vitalmiro cumpre, desde 2015, prisão em regime domiciliar. O atirador, Rayfran das Neves Sales, foi condenado e cumpre pena de 27 anos. Já os dois outros cúmplices, cumprem regime domiciliar e liberdade provisória.
Dorothy Stang não representa apenas a força feminina, mas também a força de vontade de uma cidadã que busca mudanças em prol da sociedade em geral, chegando a derrubar seu sangue como ferramenta de suas reinvindicações. Soma-se a isso a situação atual da floresta amazônica que é devastada muitas vezes por queimadas que visam o desenvolvimento ilegal do agronegócio, mas que, principalmente, mostram o poder de ação destes agricultores criminosos. Quando defende-se a natureza, defende-se a nação em que ela está inserida e o mundo. Que a morte/sacrifício da Irmã Dorothy não seja em vão. As pessoas, em especial os brasileiros, precisam “acordar” para a situação inaceitável de desmatamento e, dentre outras coisas, devem cobrar o Estado.
Este texto foi amplamente inspirado e referenciado pelo filme “Mataram Irmã Dorothy” (2008), um filme de Daniel Junge, que retrata com maestria e muitos detalhes a luta de Dorothy Stang. Esta é sem dúvida uma grande opção de filme, fica, também, aqui indicado.

Bibliografia
1. Sisters of Notre Dame de Namur – About Sister Dorothy Stang - https://www.sndohio.org/sister-dorothy/
2. “Mataram Irmã Dorothy” (2008), um filme de Daniel Junge.
- Estadão – Blogs - Fausto Macedo – Repórter – “Polícia prende 'Taradão', mandante do assassinato de Dorothy Stang” - https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/policia-prende-taradao-o-mandante-da-morte-de-dorothy-stang/
- G1 – Rede Liberal (Pará) – “Mandante do assassinato de Dorothy Stang divide cela com seis presos em Altamira” - https://g1.globo.com/pa/para/noticia/mandante-do-assassinato-de-dorothy-stang-divide-cela-com-seis-presos-em-altamira.ghtml
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