Jéssica RayelPara entender os recentes acontecimentos em relação às Coréias e a difícil possibilidade de reunificação entre elas, primeiro deve-se compreender a história na penísula Han, onde se localizam tais países, e como foi a separação entre esses Estados. A maior parte da história recente da Coréia foi marcada pelo domínio estrangeiro, primeiro sobre domínio chinês e, posteriormente, a Guerra Russo-Japonesa de 1904, com a presença do Japão. Mas, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a rendição japonesa, houve reconhecimento da independência da Coréia, a partir de uma resolução firmada na Conferencia do Cairo em 1943. Nova reviravolta ocorreu no final da 2ª. Grande Guerra, quando as duas conferências mais importantes, de Yalta e Potsdam, definiram a divisão da Coréia pelo paralelo 38, em duas zonas de influência: o norte estaria sob influência soviética e o sul sob a estadunidense.
Essa divisão e a ocupação militar refletia o início da Guerra Fria, ou seja, o início da disputa imperialista entre as duas superpotências. Ao ocupar a região norte, os soviéticos pretendiam expandir seu modelo sócioeconômico e político, enquanto os EUA pretendiam consolidar sua influência em regiões consideradas estratégicas no extremo oriente. Já era possível prever que a unificação não ocorreria, os interesses das potências separariam os coreanos.
Em 1947, formaram-se dois governos, sendo que apenas o do sul foi reconhecido pela O.N.U. No ano seguinte, constituíram-se dois Estados autônomos: A República Popular Democrática da Coréia (ao norte, com o sistema comunista) e a República da Coréia (ao sul, com o sistema capitalista). Em 1948, as tropas soviéticas se retiraram do norte e, em 1949, os americanos saíram do sul.
Em 1950, China e União Soviética ajudaram os norte-coreanos a invadir a Coréia do Sul. Tropas estadunidenses enviaram socorro ao seu território de influência, dando início à Guerra da Coréia. O conflito durou até 1953, quando foi assinado um armistício, devido aos gastos com a guerra e à elevada mortalidade, assim suspendendo o conflito, mas não as hostilidades. As Coréias permaneciam separadas.
A Coréia do Norte é, ainda hoje, um país socialista, sendo um dos mais fechados e repressivos do mundo, controlando a mídia e impedindo a circulação de seus cidadãos para o exterior; além de possuir uma economia considerada precária, uma vez que o fim da União Soviética significou a diminuição da possibilidade de realizar parcerias comerciais, o que aprofundou as dificuldades econômicas do país, processo que tem conseqüências até a atualidade. Enquanto isso, a Coréia do Sul passou por regimes militares ditatoriais por 20 anos, mas, hoje, é novamente, uma república democrática e um país em rápido desenvolvimento.
Apesar de terem se tornado dois países muito diferentes, a separação das Coréias ainda pode ser considerada recente e os dois países estão mais próximos de um acirramento das confrontações do que de uma aproximação. No momento, a Coréia do Norte ameaça toda a comunidade internacional com testes de armas nucleares e mísseis balísticos, o que cria um potencial de que seja iniciado um conflito na região, mesmo que o país do norte tenha grandes dificuldades para sustentar um conflito de longa duração na região. O governo de Pyongyang é muito isolado e hoje não há nenhum interlocutor que possa negociar com o país.
Não se pode descartar a possibilidade de conflito após as últimas tensões na região. É possível, ainda, que a Coréia do Norte tente usar seu poder nuclear para barganhar por mais privilégios e até pela possibilidade de negociar diretamente com os Estados Unidos. Porém, se as conversações não trouxerem resultados e os norte-coreanos iniciarem uma guerra, o perigo é que a confrontação não fique restrita apenas à Ásia. Se houvesse o conflito, a China provavelmente se colocaria ao lado do norte, enquanto os Estados Unidos defenderiam o Sul. Seria a segunda maior economia do mundo enfrentando a primeira, o que traria conseqüências para todo o mundo. Apesar de possível, um conflito dessas proporções é improvável, pois seus altos custos, tanto financeiros quanto militares, seriam elevadíssimos e caro, segundo Mearsheimer em
The Tragedy of Great Power Politics, pois o nível de incerteza, os elevados custos de guerra e o impacto nas relações tanto sócio-políticas e econômicas fazem com que essa conjuntura seja improvável, sendo que dentro dos condicionalismos do sistema internacional a estratégia usual é manter o equilíbrio de poder, pois se o poder militar for mantido constante acabará por conduzir à hegemonia sistêmica na região.
Apesar de tudo isso, será possível imaginar que um dia as Coréias possam se reunificar? No momento, não há nenhum indício de que isso venha a acontecer, mas o fim da divisão traria vantagens para os dois países. Na conjuntura atual, quem ganharia mais seria a população norte-coreana, uma vez que unir-se a uma economia desenvolvida e bem estruturada poderia trazer grandes ganhos ao país. Por outro lado, para os sul-coreanos a unificação significaria paz e maior representatividade na região. Atualmente, a Coréia do Sul e os países da região vivem sob o perigo constante de um ataque norte-coreano. Se Seul conseguisse eliminar essa ameaça, conquistaria um status mais interessante frente à comunidade internacional, ainda podendo se tornar uma possível potência forte econômica e militarmente, além de haver a possibilidade de manter o armamento nuclear ativo.
Apesar dessa forte tendência ao conflito e da inexistência de fatores que possibilitem afirmar que a reaproximação é a tendência, há sinais de que ela também pode ser possível. A reaproximação ocorreria como forma de permitir a normalização das relações da Coréia do Norte com a comunidade internacional, de modo a manter a estabilidade regional e a cooperação econômica mutuamente vantajosa. O norte precisa garantir sua sobrevivência e o sul visa a buscar uma nova configuração para o comércio e os investimentos no exterior, como forma de recuperar-se da crise. Vale lembrar que o sul já investe no norte há algum tempo, o que deve se ampliar. No essencial, porém, as diferenças e rivalidades permanecem, embora sob formas ligeiramente alteradas, e a separação de ambos Estados continuará, ao menos no médio prazo.
Jéssica Rayel é acadêmica do 5º período de Relações Internacionais do UNICURITIBA