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sexta-feira, 12 de agosto de 2022

CÁTEDRA: Direito Internacional à reunião familiar

Por Eduardo Pimentel dos Santos Peres*

    Podemos dizer que as primeiras décadas do século XXI estão sendo marcadas por sucessivas crises migratórias e estas não estão restritas a uma única região. Nas Américas, os principais fluxos migratórios encontram-se na fronteira México/Estados Unidos e na imigração de venezuelanos e haitianos ao Brasil. 
    Já no continente europeu, os fluxos migratórios estão espalhados pelas diversas nações que compõem a Europa, sendo os imigrantes vindos de diversos países, e como principais, advindos da Síria, Afeganistão, dos diversos países africanos e agora também da Ucrânia.
    Pode-se dizer que existe uma causa comum para que estas pessoas saiam de seus países, e em resumo, as crises migratórias são causadas por uma séria crise institucional ou econômica que está ocorrendo no país de origem. Por consequência, aqueles que imigram se deslocam em busca de oportunidades e de condições melhores para suas vidas, ou até mesmo, para permanecerem vivos.
    Infelizmente, nem todos os imigrantes conseguem trazer toda família consigo, sendo um dos objetivos, após se estabelecerem, a busca de meios e capital para trazerem os entes queridos que ficaram para trás.
    Entretanto, além da dificuldade na mudança de paradigmas (por conta da cultura e oportunidades diferentes em relação ao país que tem origem) e no arrecadar do capital necessário para custear a viagem de seus familiares ao novo país, ocorre que as solicitações de refúgio podem, muitas vezes, serem morosas e ou excessivamente complicadas. 
    O direito à reunião familiar, direito considerado fundamental, está previsto no Pacto de San José da Costa Rica em seu Artigo 17, referente à proteção da família, no Artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Artigo 8 da Convenção Europeia de Direitos Humanos e também no Artigo 18 da Carta de Banjul

Artigo 17 da CADH A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado. 
Artigo 16 da DUDH A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. 
Artigo 8 da CEDH Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência. 
Artigo 18 da Carta de Banjul A família é o elemento natural e a base da sociedade. Ela tem que ser protegida pelo Estado, que deve zelar pela sua saúde física e moral. 

    Verificado nas normas internacionais supracitadas, o direito de família, e em específico, o direito de reunião familiar é fundamental para a dignidade da pessoa humana, sendo o núcleo da sociedade, e deve ser respeitado pelos Estados, principalmente aqueles que são signatários destes tratados. 
    Isso significa que os Estados que dificultam a reunião familiar por morosidade, complexidade excessiva ou omissão na prestação de serviços relacionados com este direito seriam passíveis de responsabilização internacional.
         No entanto, frequentemente são visíveis desrespeitos ao direito;

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/06/criancas-morrem-no-haiti-enq uanto-esperam-visto-para-morar-com-os-pais-no-brasil.shtml


    No início de 2022, Raynju Riguelme, uma criança de apenas 2 anos acabou morrendo no Haiti enquanto esperava com sua mãe o processo de Reunião Familiar para o Brasil. O pai da criança, Jameson Blanc, mal conheceu seu filho, migrou ao Brasil em 2019 em busca de oportunidades para proporcionar melhores condições de vida para sua esposa e filho, lamentavelmente, este objetivo não poderá ser atingido. 
    A morte da criança não foi causada pela demora no processo, mas poderia ter sido evitada se este fosse célere. O Haiti se encontra em uma crise sócio-política gravíssima e, em razão disso, não possui um sistema de saúde abastado, se a reunião familiar tivesse sido concretizada, Raynju Riguelme, poderia ter tido um destino diferente, uma vez que o Brasil possui um sistema único de saúde, que é gratuito, universal e dispõem de mais recursos para o tratamento de doenças de forma geral, os quais poderiam ter sido usados para salvá-lo. 
    Ainda, segundo a matéria da FOLHA DE SÃO PAULO, a dificuldade para obter um visto no Haiti é crítica, pode levar até 1 ano e meio ou mais para que seja expedido; além da dificuldade em conseguir a documentação necessária, há um problema logístico para viajar do Haiti para o Brasil.
    Inobstante, o Brasil é um dos principais destinos do povo haitiano (a partir de 2010 em decorrência ao terremoto que atingiu o país e mais recentemente em 2021, com assassinato do presidente haitiano Jovenel Moïse) visto os procedimentos de acolhidas brasileiros e o conhecimento geral da crise. Considerando que houve um movimento empático na adoção de medidas para auxiliar a aflição humanitária utilizando de ferramentas específicas de acolhimento e o reconhecimento de longa duração para os processos, é no mínimo questionável que medidas de solução ainda não tenham sido levantadas. 
    No dia 20 de abril de 2022, foi publicado a decisão do Presidente Ministro Humberto Martins, quanto a suspensão da liminar e de sentença ajuizada pela União e Outros contra diversas decisões proferidas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em que é notório a consciência de dificuldades, como a) há uma crise humanitária, b) as vagas para agendamento para solicitação de visto na Embaixada brasileira em Porto Príncipe estão indisponíveis; c) haveria um esquema de corrupção na embaixada no processo de concessão de vistos; d) e que tentando ingressar no Brasil, os haitianos buscam pela via judicial (ultrapassando a etapa consular), em detrimento à garantia da reunião familiar e à acolhida humanitária, insculpidas nos art. 3º, incisos VI e VIII, da Lei de Migração e que por isso caberia ao Poder Judiciário assegurar o ingresso desses migrantes em território brasileiro. Na decisão em questão, em preservação da soberania e protocolos da União, não foram estendidas as exceções ao povo haitiano. 
    Lastimavelmente, em consideração as exposições, as situações como as ocorridas pela família de Raynju e outras são frequentes, por este e outros motivos é indispensável que seja exigido aos Estados o fornecimento de condições dignas para a realização da Reunião familiar, fazendo o possível para garantir a fruição deste direito humano e possibilitando a conservação da dignidade da pessoa humana. 

*Graduando em Direito pelo Centro Universitário Curitiba

REFERÊNCIAS 
CONSELHO DA EUROPA. Convenção Europeia dos Direitos dos Homens, 1950; 
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), 1969; 
MANTOVANI, Flávia. Haiti: Crianças morrem esperando vistos para o Brasil. Folha de São Paulo, 26 de junho 2022; 
Assembleia Geral da ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos, (1948); 
CONSELHO DA EUROPA. Recomendação 1686 - Human mobility and the right to family reunion.






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quarta-feira, 6 de julho de 2022

CÁTEDRA: A vacinação contra Covid-19 para imigrantes, refugiados e apátridas

Foto tirada no dia 17 de novembro mostra seringa e frasco com etiqueta 'vacina Covid-19' escrita em inglês. — Foto: Joel Saget/AFP 

Por Ana Cristina Cercal dos Santos*

    Com o início da pandemia, muitos países voltaram suas preocupações a um objetivo: o fechamento das fronteiras. Com a limitação do trânsito de pessoas, assim também limitariam a transmissão do vírus. Viagens à trabalho foram canceladas, férias foram adiadas. Para alguns, foram mudanças de planos, para outros, mudanças de vida, infelizmente, no mau sentido da expressão. 
    A vida ficou suspensa no tempo, todos na espera da vacina que fosse mudar a situação. Porém, há situações em que a espera não tem lugar no tempo-espaço, como é o caso dos refugiados. Diante das restrições impostas pelos países, os deslocamentos de refugiados foram prejudicados e muitos foram impedidos de ultrapassar as linhas imaginárias. Aqueles que já estavam em abrigos encontraram condições de isolamento inadequadas, falta de acesso a água e serviços de saúde, bem como a falta de orientações sobre a prevenção de contágio, o que levou o risco de infecção entre migrantes a ser duas vezes maior do que entre os nacionais em alguns países. 
    A partir da criação da vacina muito se esperou por todos ao redor do mundo por uma melhora, uma salvação. No entanto, a salvação não deu a volta de 360o pelo globo. A primeira desigualdade escancarada foi entre países com maiores rendas e países de renda baixa, onde a distribuição de vacinas atrasou e não foi suficiente. Dados mostram que até agosto de 2021, os países de alta renda possuíam quase 60% da população vacinada, enquanto que nos de baixa renda a porcentagem não chegava a três. Agora, quase um ano depois, os primeiros contam com mais de 200% de doses aplicadas na população, ao passo que boa parte dos últimos têm apenas 20% de sua população vacinada. 
    Essa situação afetou diretamente os refugiados. Dados colhidos pela Oxfam Internacional em novembro de 2021 mostram que em torno de 85% dos refugiados se encontram nos países de média e baixa renda. Logo, a não distribuição de doses nos países com poucos recursos financeiros significa, também, a não proteção desses migrantes. 
    Por outro lado, ter a vacina no país não foi sinônimo de ter as suas doses disponíveis. Outra desigualdade que imigrantes e apátridas tiveram que enfrentar foi o resultado das campanhas de vacinação dos países, que, por muitas vezes, deixaram de fora da prioridade ou nem mencionaram aqueles que mais estavam vulneráveis pela situação. 
    Essa vulnerabilidade decorreu principalmente da falta de documentação legal, o que impediu a vacinação em alguns casos. As restrições e exigências sanitárias nas fronteiras impossibilitaram muitos imigrantes de entrarem nos países pela via regular. Por estarem como irregulares no território, muitos imigrantes não procuraram as autoridades de saúde por medo de uma possível deportação. 
    Diante da ausência de documentos, também foram afetados por questões administrativas que condicionaram a vacinação àqueles com registro no sistema de saúde do país ou com permissão de residência, por exemplo, de forma que muitos não puderam tomar a dose. Esse foi o caso de refugiados em Marrocos, dos quais apenas 35% haviam sido vacinados até setembro de 2021. 
    Além disso, questões como barreiras linguísticas e desinformação sobre a segurança das vacinas também foram um empecilho para as campanhas de vacinação. Essa conjuntura acarretou na impossibilidade, demora ou dificuldade da vacinação, o que levou a prejuízos para além das questões de saúde. Sem estarem vacinados, as empresas não estavam os aceitando para trabalhar, e, para piorar, em alguns lugares não foi fornecida a certificação das doses, prejudicando também seu deslocamento. 
    Esses problemas evidenciaram que a frase propagada pela Organização Mundial da Saúde “ninguém está seguro até que todo mundo esteja” não estava tendo efeitos na prática. Logo, organizações internacionais e sociedades civis formularam diversas recomendações a fim de apontar as falhas e dar diretrizes de como superá-las. Com a pressão internacional, vários países alteraram suas campanhas de vacinação para incluir os migrantes e refugiados e fazer valer a máxima contra o Covid-19. 
    Documentos internacionais sobre a distribuição de vacinas reforçam os princípios de equidade global e bem-estar humano, estes que, conectados ao princípio de solidariedade, lembram o ensinamento do escritor africano Mia Couto de que “encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras, mas só há duas nações - a dos vivos e dos mortos”. Afinal, o vírus desconhece as divisas do homem. 

*Ana é advogada, pós-graduanda em direitos humanos e voluntária na Cátedra Sérgio Vieira de Mello - Unicuritiba.

Referências
OXFAM International. A people’s vaccine for refugees: ensuring access to covid-19 vaccines for refugees and other displaced people. Disponível em: <https://oxfamilibrary.openrepository.com/bitstream/handle/10546/621312/bp-peoples-vaccin e-refugees-301121-en.pdf;jsessionid=BB8762A5921B6791882CCFAF589BD85E?sequence =4>. Acesso em 19/06/2022.
OPAS. Imunização contra COVID-19 em refugiados e migrantes: princípios e principais considerações Orientação provisória 31 de agosto de 2021. Disponível em: <https://iris.paho.org/handle/10665.2/55674>. Acesso em: 16/06/2022.
UNDP Covid-19 Vaccine Equity Dashboard. Vaccine doses receiveid (% of population). Disponível em: <https://data.undp.org/vaccine-equity/explore-data/>. Acesso em 16/06/2022.
UNHCR Covid-19 vaccine access report 2021. Disponível <https://www.unhcr.org/623b18244/unhcr-covid-19-vaccine-access-report-2021>. Acesso em 12/06/2022.
HOWARD, Sally. KRISHNA, Geetanjali. The world’s refugees remain last in line for covid-19 vaccines. Publicado em 29/03/2022. Disponível em: <https://www.bmj.com/content/376/bmj.o703>. Acesso em 12/06/2022. 


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quinta-feira, 23 de junho de 2022

CÁTEDRA: Como o sentimento anti-imigrantista se manifesta na Europa (ou não) – reflexões sobre a atuação da União Europeia em crises migratórias

Homem exibe cartaz com a frase 'Ajude, Europa' enquanto centenas de imigrantes esperavam permissão para embarcar em trens em Budapeste 

Por Vítor Isac Gomes*

    A chegada de imigrantes ucranianos aos países europeus durante a guerra russo-ucraniana, que se estende desde fevereiro deste ano, nos leva a grandes questionamentos acerca da atuação da aliança europeia em situações de crises humanitárias e migratórias que, não por acaso e especificamente desde 2015, lida com ondas de imigração vindas do Oriente Médio e norte africano, principalmente sírios que há mais de uma década continuam em guerra civil. 
    Vítimas de um conflito há quase 4 meses no leste europeu e levada à frente pelo regime de Putin, milhões de ucranianos deixam suas casas e cruzam a fronteira principalmente em direção à Polônia. A União Europeia, logo após o início do conflito, adotou por unanimidade proteção temporária para pessoas que estão fugindo da Ucrânia e ampliou a decisão tanto aos cidadãos ucranianos bem como aos estrangeiros que estavam no território. Apátridas que tenham proteção internacional na Ucrânia e seus familiares que estivessem no país até 24 de fevereiro de 2022 – primeiro dia da invasão russa – também foram incluídos. É importante lembrar que apátridas são pessoas que não tem sua nacionalidade reconhecida por nenhum país e, portanto, não possuem direitos humanos básicos, e que a partir deste mecanismo, puderam ser reconhecidos no continente europeu com maior flexibilidade. 
    Em contra partida, desde o início dos protestos civis que reivindicavam maiores direitos democráticos ocorridos no mundo árabe e particularmente na Síria num período que ficou conhecido como Primavera Árabe, milhões de refugiados sírios se deslocavam para a Turquia, país que não faz parte da União Europeia, cruzavam o mediterrâneo e tentavam chegar à Europa pela Grécia que, ao contrário dos ucranianos, não foram recebidos de forma amigável, tão pouco com a formalização de mecanismos emergenciais com o objetivo de amparar os árabes fugidos da guerra. Episódio que explicita a escalada das políticas anti-imigração no velho continente se deu no acordo entre Turquia e o bloco europeu em 2016, fazendo com que todos os imigrantes que tentavam chegar à Europa pelas fronteiras com a Grécia, fossem mandados de volta ao território Turco, local que anteriormente em 2015 foi encontrado o corpo de um menino sírio morto na praia, chamando atenção não apenas da mídia ocidental, como também comoveu celebridades, líderes mundiais e o mundo todo. 
    Se de um lado a atual crise no leste europeu é aguda, movida pela comoção ocidental, com fluxo intenso de imigrantes em um curto período de tempo se deslocando para o leste da Europa e principalmente para países fronteiriços, do outro lado a crise árabe é crônica, com milhões de sírios se deslocando dentro e fora de seu território durante mais de uma década, enfrentando altíssima resistência de países europeus quanto ao seu acolhimento repousando em justificativas embasadas no medo do aumento de ataques terroristas, além de demonstrações preconceituosas em relação ao islamismo. Assim, em contraste com os ucranianos, segundo o premier búlgaro, Kiril Petkov, "os refugiados não são como os anteriores. Essas pessoas são europeias. Essas pessoas são inteligentes. São educadas. Não é como nas ondas anteriores. Não sabíamos sobre as suas identidades, dos seus passados. Podiam até ser terroristas". 
    O histórico europeu em crises migratórias é vergonhoso, marcado por declarações xenofóbicas de líderes e governos europeus reforçando o sentimento anti-imigrantista presente na Europa durante os anos de 2015 e 2016, mas que ainda hoje, se manifesta em pequenos grupos ultranacionalistas interessados em manter a identidade europeia tradicional. Há expectativa que a atual crise resultante da guerra entre Rússia e Ucrânia possa vir acompanhada de perspectivas positivas acerca da receptividade europeia caso outra crise maior se manifeste posteriormente. 

*Vítor faz parte da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, membro auxiliar do Centro Acadêmico de Relações Internacionais (CARI), membro do programa de Multiplicadores “Politize!” e escreveu o presente texto através da parceria entre o Internacionalize-se e a CSVM. 

Referências
TORTELLA, Tiago. União Europeia concede proteção temporária a refugiados da Ucrânia. CNN Brasil. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/uniao-europeia-concede-protecao-t emporaria-a-refugiados-da-ucrania>. Acesso em: 15 jun. 2022. 
PINOTTI, Fernanda. Como a Europa trata de forma diferente refugiados da Ucrânia e do Oriente Médio. CNN Brasil. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/como-a-europa-trata-de-forma-difer ente-refugiados-da-ucrania-e-do-oriente-medio/>. Acesso em: 15 jun. 2022. 
Agência da ONU para refugiados. Síria. Disponível em: <https://www.acnur.org/portugues/siria/>. Acesso em: 15 jun. 2022.
Da EFE. Acordo entre UE e Turquia sobre refugiados entra em vigor. G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/03/acordo-entre-ue-e-turquia-sobre-r efugiados-entra-em-vigor.html>. Acesso em: 15 jun. 2022. 
CHACRA, Guga. Qual a diferença entre refugiados sírios, ucranianos e afegãos?. O Globo. Disponível em: <https://blogs.oglobo.globo.com/guga-chacra/post/qual-diferenca-entre-refugiad os-sirios-ucranianos-e-afegaos.html>. Acesso em: 15 de jun. 2022. 




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quinta-feira, 2 de junho de 2022

CÁTEDRA: Entre desesperos e esperanças - a atual situação dos refugiados afegãos no Brasil

Afegãos que moram em São Paulo durante protesto na porta do escritório do Itamaraty - Eduardo Anizelli/Folhapress. Disponível aqui.
Por Ana Cristina Cercal dos Santos*

    Em agosto de 2021, o grupo extremista Talibã retornou ao poder no Afeganistão logo após a saída da ocupação estadunidense do território. A potência ocidental havia se instalado lá 20 anos atrás com o propósito de retirar do poder o grupo que havia permitido a ocultação de Osama Bin Laden, responsável pelo ataque terrorista de 11 de setembro de 2001.
    Com a retirada do exército norteamericano, os fundamentalistas viram a oportunidade de recuperar o território afegão. Logo nas primeiras horas após o anúncio da volta do Talibã, muitos tentaram sair do país pelo aeroporto, gerando imagens de desespero que impactaram o mundo todo. Para os que ali estavam, o retorno dos extremistas significou o retorno de restrições e supressões de direitos, além de perseguições contra opositores. 
    Não bastasse essa conjuntura, o povo afegão ainda está pagando por um crime que não cometeu. No ano passado, os Estados Unidos anunciaram o confisco de 7 bilhões de dólares das contas do Afeganistão, alegando que o dinheiro seria redirecionado para compensar as vítimas do ataque de 11 de setembro. Com isso, a crise humanitária afegã aumenta ainda mais, uma vez que esse posicionamento contribui para o declínio econômico do país. Tais fatos combinados com desastres naturais, pobreza e insegurança alimentar ocasionaram a migração de 2,6 milhões de pessoas apenas em 2021. 
    Aqueles que permanecem no território afegão enfrentam agora o resultado de interferências do mundo exterior, além das medidas forçadas pelo Talibã. Dentre as restrições impostas pelo grupo, as mais conhecidas são as direcionadas às mulheres. Em um primeiro momento, os extremistas haviam declarado que não iriam interferir nos seus direitos como antigamente, a fim de tentar amenizar a imagem perante à comunidade internacional. Contudo, recentemente as mulheres foram proibidas de viajar sem a companhia de um homem, e o uso da burca tornou-se mais uma vez obrigatório, inclusive para as apresentadoras de televisão que agora devem cobrir o rosto durante a transmissão do programa. 
    No meio de um conjunto de medidas que vêm para suprimir direitos e liberdade de escolha, a restrição que pode trazer consequências mais duradouras talvez seja a proibição de estudar. Foi nesse contexto que a paquistanesa Malala foi alvo de um atentado quando estava retornando da escola em 2012 e, desde então, tornou-se uma defensora assídua do direito à educação das meninas, tendo demonstrado sua preocupação pela volta do regime ao poder no Afeganistão. Após falsas promessas de que não haveriam restrições nesse sentido, os temores de Malala foram confirmados pela não abertura das escolas de meninas, que deveria ter ocorrido em março deste ano. 
    Diante deste cenário de restrições, ameaças e perseguições, para muitos não há alternativa senão migrar do território afegão. Dada as circunstâncias, o Brasil passou a conceder vistos para acolhida humanitária de afegãos, que é uma das modalidades de visto temporário dirigido aos apátridas ou estrangeiros de países que se encontram em instabilidade institucional, conforme Lei no 13.445/2017, conhecida como Lei de Migrações. O visto humanitário abarca questões de conflito armado, calamidades ambientais, violações de direito humanitário e grave violação de direitos humanos, sendo neste caso um meio para depois requerer o reconhecimento como refugiado. 
    Em dezembro do ano passado, o governo brasileiro concedeu mais de 300 vistos humanitários para a acolhida dos afegãos. Infelizmente, afegãos relatam dificuldades com burocracias inoportunas das embaixadas brasileiras em países próximos ao Afeganistão, o que ocasionou atrasos para a concessão do visto, crítica plausível uma vez que a ideia desse visto é justamente possibilitar a acolhida daqueles que precisam mudar de localização com urgência e que muitas vezes não portam consigo documentos básicos. 
    Além da permissão legal para ingressar no território brasileiro, os refugiados podem encontrar outras barreiras no caminho, como por exemplo o deslocamento por terra e o cuidado que devem ter para não serem abordados pelo Talibã. Para alguns, o trajeto desde a saída do Afeganistão até a chegada no Brasil durou mais de dois meses. Ainda, alguns refugiados relataram dificuldades ao usarem uma rota de passagem pelo Paquistão, onde quase foram deportados ao passarem pela migração do país, circunstância em que seriam enviados de volta ao Afeganistão. 
    Após tantas dificuldades e sofrimentos, a chegada ao Brasil representa um momento de esperança. Em outubro de 2021, um grupo de juízas afegãs e seus familiares foram acolhidos em Brasília, totalizando 27 pessoas. Esse primeiro acolhimento foi realizado com apoio de psicólogos e assistentes sociais do programa de apoio ao migrante do Distrito Federal (Getpam - Programa Pró-Vítima e servidores da Gerência de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Apoio ao Migrante), momento em que foi viabilizado a vacinação contra a Covid-19, a matrícula de crianças em escolas e a emissão de documentos para a regularização dos refugiados em território nacional, conforme esclarecido em contato com a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus/DF). 
    Desde então, vários outros grupos de afegãos chegaram ao Brasil. Depois dos protocolos iniciais mencionados, as famílias de refugiados estão sendo acolhidas por grupos de igrejas que se comprometeram a ajudar com despesas até que eles sejam devidamente inseridos na sociedade e no mercado de trabalho brasileiro. Os refugiados também contam com a ajuda da Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados com parcerias com a sociedade civil, ONGs e centros acadêmicos, como é o caso da Cátedra Sérgio Vieira de Mello do Centro Universitário Curitiba. 
    Não obstante a acolhida pelo governo brasileiro, há ainda o desafio da adaptação em uma nova cultura, do aprendizado do português, da validação de suas profissões, e também, dentre outros, o desafio de superar o que ficou para trás. Nesse contexto, cabe às instituições e à população a contribuição para que a esperança de um futuro melhor e digno se concretize para os refugiados. 

*Ana é advogada, pós-graduanda em direitos humanos e voluntária na Cátedra Sérgio Vieira de Mello - Unicuritiba.

Referências
G1. Afegãos desesperados invadem aeroporto de Cabul e se agarram a avião para fugir do Talibã. 16/08/2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/08/16/afegaos-desesperados-inva dem-aeroporto-de-cabul-e-se-agarram-a-aviao-para-fugir-do-taliba.ghtml>. Acesso em: 24/05/2022.
The Intercept Brasil. EUA cometem equivalente a ‘assassinato em massa’ ao congelar dinheiro do Afeganistão. 18/02/2022. Disponível em: <https://theintercept.com/2022/02/18/eua-bloqueio-dinheiro-afeganistao/>. Acesso em: 25/05/2022.
Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados Brasil. Afeganistão. Disponível em: <https://www.acnur.org/portugues/afeganistao/#:~:text=O%20Afeganist%C3%A3o% 20est%C3%A1%20passando%20por,pobreza%20cr%C3%B4nica%20e%20insegur an%C3%A7a%20alimentar>.
CNN. Taliban decree orders women in Afghanistan to cover their faces. Disponivel em: <https://edition.cnn.com/2022/05/07/asia/afghanistan-taliban-decree-women-intl/inde x.html?utm_source=thenewscc&utm_medium=email&utm_campaign=referral>. Acesso em: 15/05/2022.
G1 Mundo. Talibã ordena que apresentadoras de TV cubram o rosto. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/05/19/taliba-ordena-que-apresentadoras- de-tv-cubram-o-rosto.ghtml>. Acesso em: 19/05/2022.
G1 Mundo. ‘Estou profundamente preocupada com as mulheres afegãs’, diz Malala enquanto o Talibã cerca Cabul. 15/08/2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/08/15/estou-profundamente-preocupada- com-as-mulheres-afegas-diz-malala-enquanto-o-taliba-cerca-cabul.ghtml>. Acesso em: 16/05/2022.
RFI Mundo. Em dia de volta às aulas, Talibã fecha escolas e manda alunas afegãs para casa. Disponível em: <https://www.rfi.fr/br/mundo/20220323-em-dia-de-volta-%C3%A0s-aulas-talib%C3% A3-fecha-escolas-e-manda-alunas-afeg%C3%A3s-para-casa>. Acesso em: 20/05/2022.
BRASIL. Lei 13.445 de 24 de maio de 2017. Lei de Migração. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm>. Acesso em: 17/05/2022.
Governo Federal. Ministério das Relações Exteriores. Vistos humanitários para afegãos. Nota à imprensa no 164, publicado em 01/12/2021. Disponível em: <https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/vistos -humanitarios-para-afegaos-1deg-de-dezembro-de-2021>. Acesso em: 15/05/2022. Agência Senado. Em comissão, afegãos se queixam de burocracia excessiva do itamaraty para acolher refugiados. Senado Notícias, 19/11/2021. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/11/19/em-comissao-afegaos-s e-queixam-de-burocracia-excessiva-do-itamaraty-para-acolher-refugiados>. Acesso em: 15/05/2022.
G1 Globonews. Filhos afegãos reencontram pais no Brasil após seis meses de fuga do Talibã. São Paulo, 13/02/2022. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/02/13/filhos-afegaos-reencontram-p ais-no-brasil-apos-seis-meses-de-fuga-do-taliba.ghtml>. Acesso em: 16/05/2022. CNN Brasil. Em fuga do regime Talibã, grupo de afegãos chega ao Brasil. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/em-fuga-do-regime-taliba-grupo-de-afeg aos-chega-ao-brasil/>. Acesso em: 15/05/2022.
G1. Juízas afegãs ameaçadas pelo Talibã e recebidas em Brasília fazem CPF. Distrito Federal, 28/10/2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/10/28/juizas-afegas-ameacadas -pelo-taliba-e-recebidas-em-brasilia-fazem-cpf.ghtml>. Acesso em: 18/05/2022.
CNN Brasil. Em fuga do regime Talibã, grupo de afegãos chega ao Brasil. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/em-fuga-do-regime-taliba-grupo-de-afeg aos-chega-ao-brasil/>. Acesso em: 15/05/2022. 
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terça-feira, 9 de novembro de 2021

CÁTEDRA: Fogo no campo de refugiados de Mória completa um ano

Por Amanda Souza*

    Vindos da Europa e do Oriente Médio, é muito comum que os refugiados sonhem e busquem uma vida digna e salubre, porém a maioria passa grande parte do período de pós migração morando nos campos de refugiados, que são lugares construídos por ONGs, Estados ou Organizações Internacionais para acolher essas pessoas até que sejam aceitas por algum país, ou seja, um lugar de passagem. Entretanto, os campos de refugiados acentuam cada vez mais as vulnerabilidades da comunidade refugiada. 
    Os campos de refugiados funcionam como uma verdadeira cidade. Possuem espaço para comércio, escola, enfermaria e um conjunto enorme de cabanas que abrigam seus moradores. Olhando desse modo parece ser um ótimo lugar para se viver, mas a insalubridade presente no local é muito grande. As cabanas não são preparadas para receber famílias tão grandes e se tornam apertadas; há poucos banheiros e não possuem água encanada. Além das condições físicas, muitos dos direitos não são garantidos, como a educação, a liberdade e a proteção. Crianças de vários níveis escolares têm aulas conjuntas - quando possível - pois na maior parte dos campos há falta de professor e material. 
    Os campos de refugiados funcionam como uma verdadeira cidade. Possuem espaço para comércio, escola, enfermaria e um conjunto enorme de cabanas que abrigam seus moradores. Olhando desse modo parece ser um ótimo lugar para se viver, mas a insalubridade presente no local é muito grande. As cabanas não são preparadas para receber famílias tão grandes e se tornam apertadas; há poucos banheiros e não possuem água encanada. Além das condições físicas, muitos dos direitos não são garantidos, como a educação, a liberdade e a proteção. Crianças de vários níveis escolares têm aulas conjuntas - quando possível - pois na maior parte dos campos há falta de professor e material.
    Um dos maiores campos de refugiados do mundo foi o Campo de Mória, que se situava na Ilha de Lesbos, na Grécia. O fato de sua existência está no passado, pois em 2020 houve um incêndio decorrente de uma briga entre os moradores que colocou o campo abaixo e, por isso, o governo teve de construir outro campo para abrigar todos aqueles que perderam o lar temporário. Após o desastre, a Grécia recebeu dinheiro da União Europeia para construir um novo campo, mas o mesmo ainda não foi finalizado. Esse campo promete ser moderno e suprir todas as necessidades dos refugiados, mas já encontra dificuldades em sua construção em relação a luz, água encanada e demais exigências. O atual Mória 2.0 está sendo construído próximo ao mar, o que não é muito vantajoso, visto que é uma região com maré alta e fortes ventos, que em determinadas épocas do ano podem impactar diretamente na construção. Diante disso, muitos dos 17 mil refugiados que viviam em Lesbos antes do incêndio já foram realocados em outros campos, e hoje restam cerca de 3,5 mil refugiados na ilha, segundo a ACNUR. 
    O Campo de Mória foi criado em 2015 para abrigar pessoas que buscavam entrar na Europa continental através da Turquia. O campo foi, então, estabelecido em uma ilha grega, onde estavam sem a permissão de sair até que fossem aceitos na Grécia continental. Entretanto, essa permissão demorou e demora muito tempo para ser efetivada, fazendo com que o acampamento atingisse um limite de moradores além do limite, visto que cada vez mais pessoas eram abrigadas. O acampamento foi projetado para ser um lar temporário de cerca de 2.800 pessoas, mas a população de Mória atingia quase quatro vezes esse número, portanto a comida era racionada, os banheiros eram divididos para cerca de 150 pessoas e os chuveiros para 500. O campo foi considerado o mais insalubre de toda a Europa. Mas, além da insalubridade, é um lugar muito violento, ainda que abrigue muitas crianças, resultando em relatos de menores que não dormem por medo das brigas. A violência tem diversos motivos, um exemplo é a xenofobia entre xiitas, sunitas, árabes, afegãos e curdos. A presença de diversas culturas convivendo diariamente em um lugar sem a garantia de seus direitos não tem sido positiva. Outro exemplo da situação de agravamento dos campos são moradores que desenvolveram doenças relacionadas ao uso do gás lacrimogêneo, pois o artifício é utilizado para dispersar as brigas. 
    A crise de refugiados na Europa perdeu o controle e a ilha de Lesbos se transformou em uma verdadeira prisão para muitas pessoas que buscam se refugiar em algum país europeu visando a proximidade com seu país anterior, mas as exigências e o interesse no fechamento das fronteiras européias dificulta a saída do campo e a busca de uma vida próspera fora de seus países. E infelizmente, os campos de refugiados se tornaram um local de moradia a longo prazo, quando na verdade deveriam ser um local de passagem para uma nova vida. 

*Amanda é estudante do curso de Relações Internacionais do UniCuritiba e faz parte da Cátedra Sérgio Vieira de Mello - UniCuritiba.

Referências
GRÉCIA afirma que novo campo para migrante em Lesbos estará pronto em cinco dias. G1. 13 set. de 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/09/13/grecia-afirma-que-novo-campo-para-migrant es-em-lesbos-estara-pronto-em-cinco-dias.ghtml.
GALERIA de fotos: O antes e o depois do incêndio no campo de refugiados de Mória. El País. 17 set. de 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020/09/15/album/1600155951_785104.html.
TRAGÉDIA no campo de refugiados em Mória completa um ano com os mesmos problemas. Dom Total. 09 set. de 2021. Disponível em: https://domtotal.com/noticia/1538254/2021/09/tragedia-no-campo-de-refugiados-em-moria-c ompleta-um-ano-com-os-mesmos-problemas/


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terça-feira, 19 de outubro de 2021

CÁTEDRA: Abdulrazak e Mohamad - Conheça Nobel de Literatura 2021 e o sírio que terminou seu mestrado na UFPR

Mohamad e Abdulrazak, nesta ordem.
Por Maria Bortoni*
    As últimas semanas foram de muitas conquistas no âmbito científico mundial. Mais especificamente, no início de Outubro foram anunciados os vencedores do Prêmio Nobel de 2021. Entre eles está o ganhador do Nobel de Literatura, Abdulrazak Gurnah, tanzaniano que foi para a Inglaterra como refugiado na década de 1960. O romancista tanzaniano começou a escrever ainda jovem, suas obras são conhecidas por retratar a realidade dos efeitos do colonialismo na África, em especial a obra “Paradise”, que se passa no período em que a elite árabe governava o sultanato de Zanzibar por mais de 200 anos é derrubado, abrindo espaço para diversos massacres e perseguições. O secretário permanente da Academia Sueca de Letras, Mats Malm, ressalta ainda a presença da temática do refúgio, sempre abordado em conjunto à dualidade entre continentes e culturas nas obras de Gurnah. Essa conquista vai além da representatividade de refugiados em outros cenários que não envolva a narrativa de pena e "empobrecimento" do refugiado - que muitas vezes, apesar do status de refúgio, o mesmo possui alto grau de instrução e formação - mas sim por Gurnah ser o primeiro escritor negro africano à receber o prêmio desde 1986, totalizando o 5o africano a receber o Nobel de Literatura. 
    Para além da pequena ilha que foi palco para a guerra mais rápida da história mundial, podemos celebrar a conquista de Mohamad Feras Al-lahham, um médico sírio que em Setembro deste ano pode terminar e defender sua tese de mestrado pela UFPR, em Curitiba. Em 2013, Mohamad chegou na cidade com sua mãe e mais três irmãos. A guerra cívil na Síria fez com que não apenas ele, mas centenas de outras pessoas abandonassem suas carreiras e vidas em busca de um novo destino. A barreira do idioma é apenas um dos desafios enfrentados por aqueles que buscam a validação do diploma, por isso, inicialmente todos buscam um curso de língua portuguesa que possa ajudar na comunicação e na trajetória de validação da profissão em território brasileiro, e não foi diferente com Mohamad. Além de todas as barreiras burocráticas nacionais, a falta de documentos e altos custos para a tradução dos mesmos, a validação só pode ser feita em universidades públicas, a qual cada curso possui suas particularidades e sobrecarrega o sistema pela alta demanda e falta de agilidade no processo. Em 2017, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) firmou uma parceria com a Compassiva (ONG) para que a isenção das taxas na validação do diploma fosse implementada em alguns estados brasileiros, atuando também com advocacy - ato de defesa e argumentação a favor de uma causa - em conjunto às universidades. Para Mohamad, tanto a UFPR quanto a seu colega de profissão e chefe do serviço de otorrinolaringologista do Completo de Clínicas da universidade, Rogerio Hamerschmidt, que o apoiou, orientou e acolheu durante todo o processo.
    Atualmente o Brasil possui mais de quarenta e três mil refugiados, o número de solicitações aumentou durante a pandemia, mas ao mesmo tempo tivemos um número grande de bloqueios de entradas no território brasileiro. Além de todo o esforço nacional, é necessário o engajamento populacional para que essas pessoas sejam inseridas e reconhecidas na sociedade, seja das pessoas que chegam em Curitiba ou daquelas que saíram da pequena ilha de Zanzibar, porque como bem retratou Gurnah em seus livros e pontuou a Academia Sueca de Letras, é imprescindível a compreensão do “destino dos refugiados no abismo entre culturas e continentes.” 
*Maria é estudante do curso de Relações Internacionais do UniCuritiba e faz parte da Cátedra Sérgio Vieira de Mello - UniCuritiba.

Referências:
QUEM é Abdulrazak Gurnah, Nobel de Literatura 2021. DW Brasil. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/quem-%C3%A9-abdulrazak-gurnah-nobel-de-literatura-2021/a-594 49481.
MÉDICO sírio que interrompeu estudos para fugir da guerra conclui mestrado na UFPR. Plural Curitiba. 30 set. 2021. Disponível em: https://www.plural.jor.br/noticias/vizinhanca/medico-sirio-que-interrompeu-estudos-para-fugir -da-guerra-conclui-mestrado-na-ufpr/.
COMEMORAÇÃO! 5 anos do projeto de revalidação de diplomas de refugiados no Brasil - Parte 2. Compassiva. 07 abr. 2021. Disponível em: https://compassiva.org.br/comemoracao-5-anos-do-projeto-de-revalidacao-de-diplomas-de-r efugiados-no-brasil-parte-2/.
NÚMERO de refugiados no Brasil aumenta mais de 7 vezes no semestre; maioria é de venezuelanos. G1. 09 jun. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/06/09/numero-de-refugiados-no-brasil-aumenta-ma is-de-7-vezes-no-semestre-maioria-e-de-venezuelanos.ghtml


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sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Equipe Olímpica de Refugiados - a equipe esportiva mais corajosa do mundo

Por Amanda Victória Souza*

    As Olimpíadas de 2020, em Tóquio, marcam a segunda participação da Equipe Olímpica de Refugiados. A primeira,  nas Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro,  foi composta por 10 atletas provenientes de diversos países. Neste ano, a equipe é composta por 29 atletas de 10 países competindo nos mais diversos esportes. 
    Anteriormente, esses atletas que não possuem um país para representar podiam participar dos Jogos Olímpicos como atletas independentes, também sem qualquer tipo de representação do seu país de origem. Nesta categoria, porém, enquadram-se pessoas oriundas de países vetados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) por diversas questões, e não exclusivamente refugiados. 
    A delegação de atletas independentes surgiu em 1992 motivada pelo veto à Iugoslávia em relação ao massacre ocorrido na Guerra da Bósnia. Diferentemente, a Equipe Olímpica de Refugiados foi criada em 2015 durante a Assembléia Geral das Nações Unidas, quando o presidente do COI, Thomas Bach, anunciou a criação em meio a cada vez mais altos números de refugiados pelo mundo inteiro, mas também como uma forma de honrá-los e prover esperança, além de um meio para o combate a xenofobia, afinal, os jogos são uma forma de integração de países e nações para cultivar a paz. Depois disso, diversos eventos esportivos internacionais aderiram a ideia e também criaram uma equipe especialmente para acolher os refugiados. 
    Para selecionar os atletas, o COI criou um programa de bolsas, que, atualmente, beneficia 56 atletas refugiados no mundo todo e a partir desses, baseado no seu desempenho esportivo e no seu antecedente pessoal, são selecionados para participar das Olimpíadas. Este ano, participam 25 atletas que foram selecionados desta forma e mais 4 outros que foram selecionados através da Federação Internacional de Judô. Depois da adesão e do sucesso nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, o COI, com o apoio da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), criou a Fundação Olímpica para Refugiados que pretende promover o esporte em comunidades de refúgio em diversos países como um meio de inserção de pessoas na comunidade, uma ajuda na criação de identidade, além de claro, incentivo à prática, o que já é feito em muitos campos de refugiados, como o que Anjelina Nadai Lohalith morou, no Quênia e que a incentivou a praticar corrida. Hoje, ela corre em sua segunda olimpíada. 
    Os atletas, naturalmente, são exemplos de superação. Superação ainda maior é a daqueles que motivados por perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, tiveram que deixar seus países, onde, em alguns casos, já tinham até certo reconhecimento em seu esporte, e migrar para outro país, pelo qual não podiam competir internacionalmente. A paixão pelo esporte, porém, não os deixava parar de treinar. É o caso de Abdullah Sediqi, um atleta olímpico de taekwondo que foi morar na Bélgica em 2017, mas já havia conquistado inúmeros prêmios internacionais competindo pelo Afeganistão; ou, Aker Al Obaidi, lutador de luta livre que pela influência de seu pai, dono de um clube de luta, iniciou seus treinos, mas recebeu proteção na Áustria, em 2016, quando fugiu do Iraque. 
    Representando os refugiados que vivem no Brasil, está o atleta judoca Popole Misenga, que disputa pela segunda vez um prêmio nos Jogos Olímpicos e que vive em terras latinoamericanas desde que disputou o Campeonato Mundial de Judô no Brasil, em 2013. Ele começou a praticar o esporte em um centro para crianças no Congo que o abrigou após a morte da sua mãe e afirma que o judô o ajudou a ter comprometimento e disciplina quando não tinha uma família para lhe apoiar. Popole mostra que o esporte traz esperança de um futuro melhor a todos, não só para refugiados recomeçarem uma nova vida em um local distinto e distante, mas também a quem precisa de inspiração para continuar. Além disso, em um futuro melhor, é essencial que a comunidade de refugiados do mundo se solidifique através da sua inserção na comunidade internacional como verdadeiros cidadãos apoiados por direitos como, inclusive, o de competir. 
    Se quiser acompanhar a equipe competindo, a ACNUR preparou um calendário com horários, atletas e modalidades: 

Referências
SEDA, Vicente. Após sucesso de iniciativa no Rio, COI cria Fundação Olímpica para Refugiados. Globo Esporte, 2019. Disponível em: <https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/apos-sucesso-de-iniciativa-no-rio-coi-cria-fundacao-olimpica-para-refugiados.ghtml>. Acesso em: 30 de jul de 2021.
GIANOLLA, Giulia. Tóquio 2020: 4 curiosidades sobre a abertura das Olimpíadas. Guia do Estudante, 2021. Disponível em: <https://guiadoestudante.abril.com.br/noticia/abertura-das-olimpiadas-de-toquio-2020/>. Acesso em: 30 de jul de 2021.
NETO, Virgílio Francesch. Atleta Olímpico refugiado acolhido pelo Brasil, Popole Misenga dá o recado: é preciso acreditar. Olympics, 2021. Disponível em: <https://olympics.com/pt/noticias/atleta-olimpico-refugiado-acolhido-pelo-brasil-popole-misenga-da-o-recado-e-prec>. Acesso em: 30 de jul de 2021.
Conheça os atletas refugiados que competem nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio 2020. ACNUR, 2021. Disponível em: <https://www.acnur.org/portugues/2021/07/09/conheca-os-atletas-refugiados-que-competem-nos-jogos-olimpicos-e-paralimpicos-de-toquio-2020/>. Acesso em: 30 de jul de 2021.
Página Oficial Time de Refugiados no Site da ACNUR. ACNUR, 2021. Disponível em: <https://www.acnur.org/portugues/timederefugiados/#_ga=2.267201870.1322478843.1627673431-1536856287.1621289205> Acesso em: 30 de jul de 2021.

*Amanda é estudante do curso de Relações Internacionais no UniCuritiba e faz parte da Cátedra Sérgio Vieira de Mello.


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segunda-feira, 19 de julho de 2021

Projeto Integrador do Curso de Marketing ajuda empreendedores imigrantes


    O curso de Marketing do Unicuritiba lançou o Projeto Integrador para auxiliar imigrantes empreendedores no Brasil, neste ano de 2021. O projeto tem como objetivo contribuir com o processo de integração dos imigrantes empreendedores no Brasil. Os alunos do módulo C do curso de Marketing participam da ação voluntária “Primeira Consultoria Gratuita de Marketing para Imigrantes e Refugiados”, conduzida pelo Professor Marcelo Ludvich. Na disciplina do Projeto Integrador no primeiro semestre de 2021, sob a orientação dos professores da casa, as atividades foram direcionadas para o aprimoramento da experiência da marca. Além disso, a equipe que obteve o melhor projeto na disciplina ganhou a premiação ao final do semestre. O Internacionalize-se conversou com Sean Basso, participante do grupo vencedor.

Internacionalize-se: Como foi participar do Projeto Integrador e o contato com os imigrantes?
Sean: Este é meu terceiro Projeto Integrador do curso de Marketing, e tenho certeza que de todos até agora foi a experiência mais completa. Tivemos um grande desafio, pois se já é difícil para nós brasileiros desenvolvermos um projeto empreendedor, agora imagine para quem não conhece o ambiente, está longe de casa, de seus conhecidos e tudo mais, a dificuldade é ainda maior. É extremamente gratificante você sentir que o seu processo evolutivo academicamente e profissionalmente, também está produzindo frutos para essas pessoas extremamente corajosas.
Internacionalize-se: A sua equipe venceu a premiação do Projeto Integrador. Conte-nos um pouco sobre o seu projeto, suas motivações e os resultados.
Sean: Além de fornecer um estudo de qualidade para o empreendedor e poder ajudá-lo a se desenvolver no meio das dificuldades impostas pelo momento, nós tínhamos desde o começo em mente o objetivo de sair com essa premiação e foi muito recompensador todo o esforço, estudo e a trajetória resultar no prêmio para a equipe. Nós trabalhamos com Paraskeví Kotta, imigrante grega, que chegou ao Brasil pela primeira vez como turista e se apaixonou pelo nosso país, o que ascendeu nela a vontade de vir para cá, e após alguns anos de pesquisa conseguiu encontrar uma forma de emigrar com seu marido. Uma pessoa incrível e com diversas histórias para contar, tivemos a oportunidade de desenvolver o projeto para sua empresa, Delícias Gregas, uma doceira que trabalha com a tradição e originalidade dos doces da Grécia. Realizamos diversos estudos para entender mais sobre a empresa, como ela trabalha e principalmente descobrir quem é Paraskeví e a sua essência que é a cara da empresa. Fizemos também diversas análises ambientais, estudando todo o mercado para compreender como podemos encaixá-la de forma a desenvolver o seu potencial e atingir seu público alvo. O projeto foi construído com base em criar e fortalecer a marca da empresa, trabalhando aspectos como a identidade visual e todo o planejamento integrado de comunicação. Embora seja muito gratificante a premiação, a recompensa maior acabou por ser a experiência proporcionada a nós, além de contribuir para a história de uma pessoa, pudemos abrir nossos olhares sobre algumas realidades que fogem das que conhecemos. Alguns integrantes da equipe até se voluntariaram para o projeto da UniCuritiba de ensinar o nosso idioma aos imigrantes, então com certeza os frutos desenvolvidos aqui ainda estarão rendendo para muitas outras pessoas.
Internacionalize-se: Qual a importância desse projeto na vida dos imigrantes e sua integração em um novo país através do empreendedorismo?
Sean: O empreendedorismo para muitos imigrantes sempre é a forma que a maioria encontra no país, quando o mercado não os oferece uma oportunidade, seja ela por conta da dificuldade do idioma ou preconceito com pessoas vindas de países que alguns consideram menos qualificados que o Brasil, empreender acaba sendo um recurso valioso e os permitem trabalhar naquilo que gostam e melhoram sua qualidade de vida. Paraskeví, por ter vindo de um país europeu, não encontrou tanta dificuldade quanto a outros casos de pessoas da Venezuela, Haiti e entre outros. 

    O professor que conduziu o projeto, Marcelo Ludvich, também expressou seu orgulho com os resultados da iniciativa.

Internacionalize-se: Qual foi a inspiração- ou motivação - que levou ao início do Projeto Integrador?
Professor Marcelo: A motivação para a temática partiu da necessidade de promover um ambiente de experimentação prática, integrado com uma perspectiva de inserção social da comunidade acadêmica. Em uma análise preliminar, os principais desafios envolvendo a atuação dos empreendedores imigrantes/refugiados no País foram compreendidos. Também é importante ressaltar que os professores do módulo foram convidados a participar da condução do projeto. Orientados ao objetivo comum de contribuir com propostas de soluções para aprimorar a experiência da marca, os alunos foram engajados na condução de uma consultoria voluntária. Os resultados do grupo superaram as expectativas e a qualidade das entregas reconhecida pelo cliente final. 
Internacionalize-se: qual a importância de auxiliar os imigrantes na questão do empreendedorismo?
Professor Marcelo: Entendo que os imigrantes desempenham um papel fundamental no incremento da economia brasileira. É notável a participação ativa desta comunidade em aspectos culturais, acadêmicos, políticos e sociais. Adicionalmente, o momento atual é propício para que sejam iniciadas discussões e reflexões sobre o empreendedorismo inclusivo. Novos negócios são vitais para a prosperidade dos centros urbanos. 
Internacionalize-se: nos conte um pouco sobre os resultados mais significativos do Projeto.
Professor Marcelo: Ao término do Projeto, as equipes compartilharam os materiais desenvolvidos com os clientes imigrantes, que absorveram e implementaram as melhorias nas suas empresas. Os depoimentos dos alunos indicam o sentimento de realização pessoal e a motivação que sentiram ao participar do Projeto. Em relação a entrega, destaco os pontos mais significativos: aprimoramento da experiência da marca do empreendedor imigrante/refugiado; valor agregado para os alunos que tiveram a oportunidade de participar de um laboratório teórico/prático; aplicação de técnicas e ferramentas de consultoria; integração acadêmica com a comunidade em época de isolamento social; promoção de um ambiente favorável ao aprendizado coletivo. 

    Os resultados obtidos enfatizam os valores teóricos e práticos agregados ao negócio, a imersão em análises dos processos estratégicos e os apontamentos de possíveis oportunidades para confirmação dos propósitos empresariais. O Internacionalize-se deixa aqui seu parabéns aos alunos e professores do projeto pela iniciativa em tornar o mundo um lugar melhor. 



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