Gustavo Glodes Blum *
Desde o
assassinato do general iraniano Qassem Soleimani no início do mês por parte de
um ataque estadunidense em solo iraquiano, alguns usuários de redes sociais
ocidentais no país têm percebido um comportamento não-usual das mesmas. De
acordo com diversos relatos, posts relacionados à imagem de Soleimani, sobretudo
em apoio ao general morto e às ações internacionais da força de elite Quds, que ele liderava, têm sido
apagados de contas privadas e públicas do Instagram e do Facebook. O site
CodaStroy (inglês), relata
detalhadamente esse processo, que levanta várias questões.
Ao mesmo
tempo, a Rússia anunciou no final de 2019 que tinha tido sucesso num teste de
desconexão com a internet mundial. O teste, que ocorreu quase um ano após o
anúncio oficial do Kremlin da tentativa, foi liderado pelo Ministério
de Desenvolvimento Digital, Comunicações e Mídia de Massa da Federação Russa,
órgão federal responsável por “propor e implementar
políticas governamentais e regulação jurídica” em
áreas como a tecnologia da informação, telecomunicações, imprensa escrita,
rádio e outras.
Segundo reportagens
locais, o vice-ministro afirmou, após os testes, que “tanto
as autoridades quanto os operadores [de internet] estão prontos para
efetivamente responder a possíveis riscos e ameaças e garantir o funcionamento
da Internet e da rede de comunicação unificada na Rússia”. É
interessante notar que, enquanto um Ministério do governo russo, e embora os
resultados dos testes sejam apresentados ainda neste início de ano ao
presidente do país, Vladimir Putin, eles estão sob responsabilidade o
Primeiro-Ministro, Dmitry Medvedev.
Ainda no
ano passado, também, o Twitter, uma das principais redes sociais utilizadas no
Ocidente e países de outras regiões como América Latina e Ásia, anunciou
detalhes sobre sua nova política de propaganda política. Embora
o anúncio tenha sido feito em meados de outubro de 2019, apenas em novembro a
rede apresentou os detalhes, que envolvem a restrição de circulação de
propaganda “sobre qualquer candidato, partido, governante, pesquisa eleitoral
ou medida legislativa ou judiciária feita por qualquer usuário do sistema”,
segundo o jornal Estado de Minas. A reportagem ainda indica que a arrecadação
com anúncios políticos na eleição de 2018 dos EUA foi de US$ 3 milhões, o que
representa “menos de 1% dos US$ 824 milhões declarados como receita do terceiro
trimestre” da empresa.
O quê
estes casos representam para as Relações Internacionais? Muita coisa, como
demonstra o recente tweet do presidente estadunidense Donald
John Trump em farsi, a língua oficial do Irã, no qual insta os
líderes do país a não agir contra os protestos locais contra a derrubada de uma
avião ucraniano em meio às tensões com os Estados Unidos.
Vinte
anos atrás, a internet era apresentada como “o novo espaço de interação
social”, o espaço virtual que, inclusive, foi elencada por Thomas Friedmann
como a principal força por trás da “planificação do mundo” – demonstrando que a
teoria da Terra Plana tem sua adesão em outras variações também entre as elites
intelectuais do mundo. A facilidade de comunicação, o fato de botar em contato
pessoas de diferentes países e as oportunidades econômicas que se abriam eram
elencados como representantes máximos da “nova era”, “despolitizada” e “livre”
que a Internet representava no imaginário social.
Neste
espaço de tempo, muita coisa mudou, mas principalmente a utilização política da
internet em diversos assuntos, sobretudo naqueles relacionados à política e à
segurança dos países ao redor do mundo. Ao menos desde o Ato Patriótico –
legislação antiterror promulgada pelos Estados Unidos que lhes concedia acesso
a todas as comunicações que passassem pelo território americano – estamos observando,
como
sempre aponta o grande pesquisador David Lyon, que “a nuvem não é fofa”.
Composta
por uma série de redes técnicas, está submetida também às legislações
territoriais de cada país, como demonstra não apenas a Grande
Muralha Virtual da China, também chamada de “Projeto Escudo Dourado”, mas também
os esforços do Google em desenvolver tecnologia em energia renovável – e
assim, no futuro, potencialmente colocar os seus servidores em águas
internacionais e impedir que governos nacionais possam regular sua atuação ou
os dados que registra e armazena.
A grande
inovação e o desafio que enfrentaremos nessa não-tão-nova disposição de poder no
cenário internacional é conseguir lidar com a atuação não apenas de entes
governamentais, mas também de entes privados nessas novas disputas
geopolíticas. Afinal, o Instagram respondeu que apagou os posts sobre
Soleimani, em resposta às novas sanções aplicadas pelo governo estadunidense ao
Irã. Ao mesmo tempo, a extensão territorial das jurisdições estatais pode
encontrar alongamentos nas redes sociais, criando uma nova situação que lembra
a tese conspiratório das “guerras híbridas”, criando o que foi chamado por Guilherme
Sandoval Góes de “judicialização da geopolítica”, um
movimento muito importante de ser observado nas Relações Internacionais.
É
difícil afirmar o quê nos espera – e exercícios de futurologia sempre são
condenados ao fracasso, como bem demonstram Samuel Huntington e Francis
Fukuyama. Porém, acredito que acompanhar essas movimentos a partir de uma
perspectiva mais ampla pode nos permitir observar mudanças que não são
relatadas cotidianamente no noticiário internacional, mas causam
silenciosamente mudanças “tectônicas” na estrutura e prática do Sistema
Internacional que habitamos.
*
Gustavo Glodes Blum é internacionalista e professor de Geografia Política,
Política Internacional Contemporânea e Segurança Internacional do curso de
Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA).
Atualmente, é doutorando em Geografia das Relações Internacionais pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).