segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Jogada de Mestre

Andrew Traumann

Recentemente, o Itamaraty anunciou que reconhece a eventual criação de um futuro Estado Palestino nas fronteiras pós Guerra dos Seis Dias em 1967. Neste conflito, Israel capturou a Cisjordânia, Faixa de Gaza, as Colinas de Golã, a península do Sinai e a cidade de Jerusalém. A primeira se mantém sob ocupação até hoje, e a construção de assentamentos para os colonos judeus, considerados ilegais pelas leis internacionais, continua sendo o calcanhar de Aquiles das negociações entre os dois povos. Gaza foi desocupada unilateralmente em 2005 pelo então primeiro-ministro Ariel Sharon e hoje é governada pelo Hamas. A península do Sinai foi devolvida ao Egito em 1980 e Golã e Jerusalém, sagradas para judeus, muçulmanos e cristãos, definitivamente anexadas, sendo esta última declarada “capital eterna e indivisível” do povo judeu, mesmo que política e administrativamente a capital israelense continue sendo Tel Aviv.
O apoio brasileiro à causa palestina não é novidade. Vale lembrar que o estabelecimento de relações formais entre Brasil e a Autoridade Palestina data de 1975, quando a OLP foi autorizada a montar uma representação em Brasília, com sede na então existente Liga dos Estados Árabes. No ano anterior, o chanceler brasileiro Francisco Azeredo da Silveira discursou na ONU a favor da soberania e autodeterminação do povo palestino, opondo-se à guerra de conquista perpetrada por Israel. Em 1993, a representação foi elevada à categoria de "Delegação Especial da Palestina", com status diplomático semelhante às organizações internacionais credenciadas no Brasil, de acordo com os termos de um acordo concluído em novembro desse ano entre o governo brasileiro e a OLP por um intercâmbio diplomático. Agora, a representação palestina terá status oficial de embaixada, coisa que na prática já ocorre desde 1998.
Hoje, mais de cem países reconhecem o Estado Palestino, inclusive China, Rússia e Índia, os países que juntamente com o Brasil formam o BRIC, bloco dos principais países emergentes. Seguindo a iniciativa brasileira, Argentina e Uruguai também reconheceram o Estado Palestino e os três governos fizeram questão de enfatizar que tal gesto em nada muda suas relações com Israel e seu direito de viver em paz e segurança com seus vizinhos.
Mas, afinal, o que quer a Autoridade Palestina com esses pedidos de reconhecimento de seu Estado, sendo que na prática seu território continuará sob ocupação? Na verdade, pode-se notar uma mudança de estratégia dos palestinos sob a liderança de Mahmoud Abbas, no sentido de buscar as vias diplomáticas, já que décadas de violência em nada adiantaram, mas, pelo contrário, só prejudicaram a causa de seu povo. Mesmo sabendo que uma resolução sobre o reconhecimento da Palestina fatalmente seria vetada pelos EUA no Conselho de Segurança da ONU, os palestinos então levariam o caso à Assembléia Geral, onde certamente obteriam a maioria. Israel não teria como se opor, já que foi criado da mesma forma, em 1947 (numa sessão presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha), e os palestinos teriam a seu favor o peso do reconhecimento do mais importante organismo internacional para utilizar nas negociações com Israel. Em maio deste ano, os países árabes, a Turquia e o Irã aprovaram um adendo ao TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares) que propõe um Oriente Médio livre de tais armas até 2012, obviamente com o intuito de fazer com que Israel, a única potência atômica da região, o assine. São os árabes  aprendendo a jogar pelas vias diplomáticas.

Andrew Traumann é professor de História das Relações Internacionais pelo Unicuritiba,mestre em História e Política pela UNESP e doutorando em História,Cultura e Poder pela UFPR.
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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

As Dimensões da Segurança

Jéssica Rayel
 
            As ameaças que afetam a segurança internacional, atualmente, não são mais incipientes, como pode se pensar. Tais perigos aparecem estar mais difundidos do que antes e são visíveis diariamente, em artigos de jornal e em revista.  Mas há, hoje, um conjunto de condições que faz com que algumas dessas ameaças sejam agravadas, como o crime organizado e o terrorismo, pois seu crescimento se dá em uma velocidade muito acelerada últimos anos, aparecendo englobadas em um grupo de riscos, o que remete à criação de um tipo de geopolítica do terror.
            Para se perceber melhor o que está em discussão, deve-se analisar as várias dimensões que existem dentro da segurança internacional, mas visar uma possível prioridade temática entre as ameaças que sobre ela impendem.
            A globalização, ao traduzir a crescente interligação e interdependência entre os países, ao manifestar uma clara idéia de otimismo e de progresso internacionais, também permite, a par da evolução da tecnologia destrutiva, o aumento da atuação transfronteiriça e do grau de violência das associações criminosas e dos grupos terroristas. Muitas vezes associados aos conflitos, aproveitando-se deles ou estimulando-os, assistimos à sedimentação de  ameaças muito importantes nos nossos dias: o crime organizado e o terrorismo.
            Nas últimas décadas, houve um crescimento exponencial das atividades realizadas pelo crime organizado, sendo o exemplo mais notório o tráfico de drogas e de outros produtos, como diamantes. Recentemente, e aproveitando os espaços de livre circulação de pessoas, bens e capitais, bem como as oportunidades criadas pela desregulamentação em certos Estados, como foi o caso do desmembramento da antiga União Soviética, o crime organizado tem alargado as suas áreas de atividade. Tal expansão, muito rentável, por exemplo, para o mercado do armamento,  fez com que as indústrias precisassem se adaptar às novas realidades, desenvolvendo tecnologias sofisticadas e capazes de serem aplicadas em guerras assimétricas e de contra-insurgência, mas que também servem bem a grupos extremistas e terroristas em geral, o que inclui, dentre outros, materiais químicos e nucleares.
Outros casos já conhecidos de crime organizado, principalmente na Europa, são o tráfico de seres humanos, em especial mulheres, bem como a exploração de redes de imigração ilegal e o tráfico de órgãos e, além desses, é notável a emergência da pirataria marítima estruturada à escala internacional, o que aparece no caso dos piratas somalianos.
            Infelizmente, as organizações criminosas e os grupos terroristas também encontraram na globalização o ambiente favorável à expansão. Os terroristas e os criminosos movimentam pessoas, dinheiro e armas em um mundo em que tais fluxos, em escala cada vez maior, fornecem cobertura para as suas atividades.
            A interligação deste tipo de crime, internacionalizado ou globalizado, aos conflitos regionais e a modelos de ação violenta, nomeadamente aos grupos terroristas, converte-os em uma ameaça que lhes altera a qualidade: deixam de ser meros crimes comuns para se tornarem ameaças globais à segurança. Os métodos sofisticados que hoje utilizam, bem como o recurso a modelos de lavagem de dinheiro, apoiados em áreas de atividade econômica muito diversificadas, com recurso de paraísos fiscais, estão a conduzir, como reação, a acelerados esforços de aperfeiçoamento e cooperação judicial e policial à escala regional, como é o caso da União Européia, bem como à cooperação institucional em escala internacional.
            No entanto, apesar de que os ataques de 11 de Setembro de 2001 deixaram claro que o sucesso da luta contra a criminalidade organizada e o terrorismo teria de passar por uma maior internacionalização dos serviços de informações e pela criação de parcerias estratégicas, beirando um maior caminho sobre a cooperação internacional, esse resultado ainda está longe de ser atingido por completo.
            Se antes a cooperação era pontual, com maior ênfase em cenários de conflitos de tradicional simetria, agora é necessário que se torne permanente e com difusos olhares, face ao manifesto aumento das ameaças assimétricas ressurgidas no processo de globalização e de sua grande volatilidade. Espera-se que as grandes potências do sistema internacional percebam, o quanto antes, essa necessidade e liderem o processo.


Jessica Rayel é acadêmica do 5º período de Relações Internacionais do UNICURITIBA.
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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A agenda democrática da política externa brasileira contemporânea (1990-2010). Parte I: Elementos empíricos

George Sturaro

Nas últimas duas décadas, no bojo das mudanças em curso nos ambientes externo e interno, a agenda da política externa brasileira transformou-se qualitativamente. A agenda tradicional do desenvolvimento introvertido e da autonomia pelo distanciamento deu lugar à agenda da abertura econômica e do engajamento na construção da ordem mundial do pós-Guerra Fria, agenda esta mais alinhada com o pensamento liberal-democrático que se afirmava na cena política doméstica e na Chancelaria. Entre as pautas que compuseram essa nova agenda, figura a da promoção e da defesa da democracia no exterior, que recebeu grande atenção nos anos 1990, em especial do governo Cardoso (1995-2002).
A promoção e a defesa da democracia no exterior constituíram-se em dimensão de atividade significativa da política externa brasileira. No entanto, paradoxalmente, essa dimensão foi pouco investigada. A literatura que a aborda diretamente é formada de uns poucos artigos (GÓMEZ, 1991; HOFFMANN, 2005; SANTISO, 2002; VILLA, 2004 e 2006; VIGEVANI et al, 2001). Tendo isso em vista, e tencionando contribuir para o debate do tema, elaboramos esta nota de pesquisa, na qual repertoriamos os elementos empíricos da ‘agenda democrática’ da política externa brasileira. Com base em compilações de dados e em cronologias (FOUTOURA, 1999; GARCIA, 2005; SANTISO, op. cit.), apresentamos as iniciativas e as medidas de promoção e de defesa da democracia efetivamente realizadas, indicando os instrumentos utilizados e os tipos de ação implementadas. (Por hora, não nos ocupamos das causas materiais e das razões estratégicas e ideológicas que motivaram a política externa brasileira a promover e a defender a democracia no exterior. Isso será feito em outro momento, num artigo subsequente.)
As iniciativas e medidas inscritas na agenda democrática da política externa brasileira contemporânea podem ser classificadas em dois grandes conjuntos: (1) iniciativas e medidas de defesa da democracia, que incluem (i) iniciativas e medidas contra golpes ou tentativas de golpes de Estado e (ii) iniciativas e medidas contra a manipulação de eleições; e (2) iniciativas e medidas de promoção da democracia, que incluem (i) declarações de posição ou de condição, promovidas ou apoiadas, (ii) proposta de criação ou adesão a dispositivos jurídicos, (iii) políticas nacionais com implicações internacionais relacionadas à ‘agenda democrática’, (iv) participação em missões de state-building da ONU, enviando apoio técnico à realização de eleições, e (v) criação de mecanismos regionais de fortalecimento da democracia.
Iniciativas e medidas contra golpes ou tentativas de golpes de Estado foram levadas a cabo em dez ocasiões.

(1) Entre 1991 e 1995, o governo brasileiro envolveu-se, por meio do CSNU, da OEA e do Grupo do Rio, nas gestões da comunidade internacional pela restauração da normalidade política e da regra democrática no Haiti e pela recondução ao cargo do presidente deposto, Jean Bertrand Aristide.
 (2) Entre 1992 e 1993, por meio da OEA e do Grupo do Rio, o governo brasileiro protestou contra o presidente do Peru, Alberto Fujimori, que, entre outros atos arbitrários, havia suspendido a Constituição e dissolvido o Parlamento.
 (3) Em 1993, por meio da OEA e na condição de membro do Grupo de Apoio a Contadora (de intermediação do processo de paz da América Central), o governo brasileiro condenou as medidas do então presidente da Guatemala, Jorge Serrano Ellías, que acabaram por restabelecer a autocracia no país.
 (4) Em 1996, por meio da OEA, do Grupo do Rio e do Mercosul, assim como fazendo uso da diplomacia tradicional e da diplomacia presidencial, o governo brasileiro engajou-se na resolução da crise institucional que abalou o Paraguai, então presidido por Carlos Wasmosy. (5) Em 1999 e (6) 2000, quando de outras duas crises, ambas precipitadas por maquinações do ex-General Lino Oviedo, exonerado por Wasmosy em 1996, o governo brasileiro atuou decisivamente, apoiando o estamento político paraguaio contra Oviedo e seus correligionários.
 (7) Entre 1998 e 1999, por meio do CSNU e da CPLP e acionando a diplomacia presidencial, o governo brasileiro jogou papel importante na reconciliação política, na reconstrução das instituições de governo e na democratização da Guiné-Bissau.
 (8) Em 2000, por meio da OEA, do Grupo do Rio e do Mercosul, o governo brasileiro protestou contra a derrubada do presidente democraticamente eleito do Equador, Jamil Mahuad, e exigiu o restabelecimento da regra constitucional.
 (9) Entre 2002 e 2003, por meio da OEA, do Grupo de Amigos da Venezuela, do Grupo do Rio, da Cúpula de Presidentes da América do Sul (futura CASA/UNASUL), assim como por meio da diplomacia tradicional e da diplomacia presidencial, o governo brasileiro atuou decisivamente pela recondução ao cargo do presidente democraticamente eleito, Hugo Chávez Frias.
 (10) Em 2003, por meio da CPLP, o governo brasileiro condenou a sublevação militar ocorrida em São Tomé e Príncipe e instou os revoltosos a restabelecer a ordem constitucional e a legalidade democrática.

Iniciativas e medidas contra a manipulação de eleições foram levadas a cabo em duas ocasiões.

(1) Em 2000, na OEA, o governo brasileiro questionou a validade das eleições parlamentares realizadas, sob condições suspeitas, no Haiti.
 (2) Também em 2000, na OEA e por meio do Grupo do Rio, o governo brasileiro protestou contra o modo como se conduziram as eleições à presidência do Peru e endossou as recomendações de reforma democrática feitas por missão técnica da OEA àquele país.

Quanto às declarações em prol da democracia no exterior, promovidas pelo próprio governo brasileiro ou por ele apoiadas, cabe ressaltar, pela relevância e pelas consequências práticas, as seguintes:

Declaração de Guadalajara da I Cúpula Ibero-Americana de 1991, que, entre outros objetivos, afirma o compromisso dos países participantes com a democracia e condena o autoritarismo;

Declaração Presidencial de Las Lenãs de 1992, sobre a indispensabilidade da plena vigência das instituições democráticas para o desenvolvimento do Mercosul;

II Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena de 1993, que consagra a inter-relação entre democracia, direitos humanos e desenvolvimento.

Acordo-Quadro de Cooperação Inter-Regional entre o Mercosul e a União Europeia de 1995, que estipula como um dos seus elementos essenciais o respeito aos princípios democráticos e aos direitos humanos fundamentais;

Declaração de Quito do Grupo do Rio de 1995, sobre o compromisso do grupo com a democracia;

Convenção Interamericana contra a corrupção da OEA de 1995, a qual reconhece que a corrupção atenta contra a democracia representativa;

Declaração Presidencial sobre o Compromisso Democrático dos Países do Mercosul de 1996;

Declaração Constitutiva da CPLP de 1996, que evoca os valores da democracia, do Estado de Direito e dos direitos humanos;

Declaração de Assunção do Grupo do Rio de 1996, sobre o compromisso do grupo com a democracia;

Declaração a respeito da Manutenção da Democracia do Grupo do Rio de 1997;

Declaração Política do Mercosul, Bolívia e Chile como Zona de Paz de 1998, a qual, pronunciada na AG da OEA, reitera que o fortalecimento da democracia representativa, o respeito aos direitos humanos e a garantia das liberdades fundamentais são elementos essenciais da garantia da paz e da segurança na região;

Compromisso de Cartagena com a Democracia do Grupo do Rio de 1998;

Declaração da Cidade de Québec da III Cúpula das Américas de 2000, que estabelece o compromisso democrático dos participantes do fórum;

Declaração de Brasília da I Cúpula dos Presidentes da América do Sul de 2000;

Declaração de San José da OEA de 2000, sobre direitos humanos e democracia;

Acordo-Quadro Mercosul-Comunidade Andina de 2002, que estipula que a vigência das instituições democráticas constitui um elemento essencial para o desenvolvimento do processo de integração regional;

Consenso de Guayaquil sobre Integração, Segurança e Infraestrutura para o Desenvolvimento, da II Cúpula dos Presidentes da América do Sul de 2002, que reitera e ressalta o compromisso das partes com a democracia e os princípios democráticos consagrados pelo direito internacional e em vigor no sistema interamericano;

Declaração de Santiago sobre Democracia e Confiança Cidadã da OEA de 2003;

Declaração sobre Segurança nas Américas da OEA de 2003, que reconhece que a democracia representativa é condição indispensável para a paz e a estabilidade do hemisfério e que as medidas de construção da confiança em matéria de segurança contribuem para a sua consolidação.

Convenção da ONU contra a Corrupção de 2003, que exorta as partes contratantes a combater a corrupção, tendo em vista os danos que ela provoca às instituições democráticas e ao Estado de Direito;

Declaração de Nuevo Léon da Cúpula Extraordinária das Américas de 2004, que reitera o compromisso democrático estabelecido na Cúpula do Québec e afirma a interdependência entre crescimento econômico, desenvolvimento social e governabilidade democrática;

Declaração de Cusco da III Reunião de Presidentes da América do Sul de 2004, que consagra, entre outros valores compartilhados pela CASA, a democracia, os direitos humanos e a liberdade;

Declaração de Ayacucho da III Reunião de Presidentes da América do Sul de 2004, que, entre outras coisas, afirma o compromisso da CASA com a efetiva aplicação da Carta Democrática Interamericana, assim como com a promoção e a defesa deste mecanismo.

            No subgrupo dos mecanismos jurídicos, que o governo brasileiro propôs, promoveu ou a eles aderiu, estão incluídos:

A Resolução 1080 da OEA de 1991, sobre a proteção da democracia no hemisfério;

O Protocolo de Washington da OEA de 1992, que reafirma o compromisso da organização com a promoção, a proteção e a consolidação da democracia representativa no hemisfério e prevê a possibilidade de aplicação de sanções aos desvios;

O Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul, Bolívia e Chile de 1998, que cria a cláusula democrática que vincula os membros plenos e associados do bloco;

A Resolução 1753 da OEA, sobre a necessária credibilidade do processo eleitoral;

A Carta Democrática Interamericana da OEA de 2001, que reconhece que a democracia representativa é indispensável à estabilidade, à paz e ao desenvolvimento da região; estipula que um dos propósitos da organização é promovê-la, respeitando-se o princípio da não intervenção; e prevê a suspensão temporária do Estado-membro que não respeitar o compromisso democrático.

            Quanto às políticas nacionais com implicações internacionais, cabe citar duas:

(1) A Política de Defesa Nacional de 1996, que na parte introdutória relaciona a democratização regional com a reversão do padrão de rivalidade e com a redução da ocorrência de conflitos.
 (2) O I Programa Nacional de Direitos Humanos de 1996, que contém seção reservada ao tratamento das ações internacionais de promoção e defesa dos direitos humanos.

            O subgrupo da participação do Brasil em missões de state-building da ONU engloba o envio de peritos e observadores eleitorais. Desde 1992, o Brasil enviou pessoal técnico à África do Sul, a Angola, ao Camboja, ao Chipre, ao Congo-Zaire, a El Salvador, ao Haiti, a Moçambique, ao Oriente Médio e ao Timor-Leste.
Por fim, registramos a vertente mais recente de atuação do Brasil em prol da democracia no exterior, que é a criação de mecanismos regionais de fortalecimento do regime democrático de governo. Em 2004, o governo brasileiro, junto dos seus sócios no Mercosul, criou a Reunião das Altas Autoridades nas Áreas de Direitos Humanos e o Centro Mercosul de Promoção do Estado de Direito. Em 2006, foi criado o Observatório da Democracia do Mercosul.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTOURA, P. R. C. T. O Brasil e as Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1999.
GÓMEZ, J. M. Democracia Política, Integração Regional e Contexto Global na América Latina (Repensando Alguns “Nós Problemáticos”). Contexto Internacional, vol. 13, n° 2, p. 227-245, 1991.
GARCIA, E. V. Cronologia das Relações Internacionais do Brasil. 2° ed. Rio de Janeiro: Contraponto; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2005.
HOFFMANN, A. R. Avaliando a influência das organizações regionais de integração sobre o caráter democrático dos regimes de seus Estados-partes: O caso do Mercosul e o Paraguai. Cena Internacional, ano 7, n° 2, p. 83-92, 2005.
SANTISO, C. Promoção e Proteção da Democracia na Política Externa Brasileira. Contexto Internacional, vol. 24, n° 2, p. 397-341, 2002.
VILLA, R. D. Brasil: Política externa e agenda democrática na América do Sul. Trabalho apresentado no 4° Encontro Nacional da ABCP – Associação Brasileira de Ciência Política. Área: Relações Internacionais. Painel: Política Externa Brasileira. 21-24 de julho de 2004 – PUC – Rio de Janeiro.
_____. Política externa brasileira, capital social e discurso democrático na América do Sul. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 21, n° 61, p. 63-89, 2006.
VIGEVANI, T.; MARIANO, K. P.; OLIVEIRA, M. F. Democracia e atores políticos no Mercosul. In: SIERRA, G. (Org.). Los rostros del Mercosur. El difícil camino de lo comercial a lo societal. CLACSO, 2001. Disponível em: .

 Sítios eletrônicos

ALADI <http://www.aladi.org/>
CAN
CASA/UNASUL < http://casa.mre.gov.br/>
Mercosul < http://www.mercosur.int/>
MRE < http://www.mre.gov.br/>
OEA < http://www.oas.org>

George Sturaro é mestrando em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e graduado em Relações Internacionais no UNICURITIBA
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terça-feira, 9 de novembro de 2010

Mercosul aos 20 anos: a evolução dos papéis do bloco e a inserção internacional do Brasil

George Sturaro

Em 2011, o Tratado de Assunção de 1991, acordo criador do Mercosul, completará 20 anos. Tal ocasião convida à reflexão a respeito do bloco, dos seus avanços e retrocessos, dos seus efeitos concretos, das suas perspectivas e do papel que ele desempenha nas estratégias de inserção internacional dos Estados-membros. Seguindo por esta última linha, pretendo aqui desenvolver reflexão a respeito da evolução dos papéis que o bloco desempenha nos marcos da inserção internacional do Brasil.

Numa revisão da literatura sobre o Mercosul, é possível identificar ao menos quatro papéis atribuídos ao bloco pelos estudiosos. São eles: (i) o econômico, (ii) o negociador, (iii) o securitário e (iv) o geopolítico. Esses papéis são exercidos em diferentes dimensões das relações internacionais, em diferentes escalas geográficas e, com maior ou menor destaque, em diferentes períodos. Todos eles têm grande relevância para a inserção do Brasil no cenário internacional contemporâneo.
1. O papel econômico: promoção do desenvolvimento
A grande atenção conferida ao papel econômico do Mercosul na literatura deve-se a que o bloco foi originalmente concebido para servir de instrumento do desenvolvimento econômico dos Estados-membros, pelo livre-comércio, inicialmente, e pela integração dos mercados, numa etapa posterior.  Esse instrumento, a despeito dos reveses que sofreu a sua efetiva implementação, foi responsável por resultados econômicos expressivos durante a maior parte da década de 1990, dos quais o Brasil foi um dos grandes beneficiados. O comércio intra-bloco quadruplicou no período 1991-1998, duplicou no 1994-1998 e, ao fim do período, contabilizou cerca de 23% do comércio exterior dos países-membros (PAMPLONA e FONSECA, 2009, p. 12). Em valor, o comércio intra-bloco cresceu duas vezes mais que o extra-bloco (HOFFMANN et al., 2008, p. 106).
A parte que coube ao Brasil nessas transações é expressiva e teve grande peso na conta comercial do país. Em 1998, 17,4% do total das exportações brasileiras tiveram por destino os países do Mercosul, contra 4,2% em 1991 (KUME e PIANI, 2005, p. 375). O bom desempenho do Mercosul e, por extensão, do Brasil terminou em 1998, quando iniciou a crise financeira no mundo em desenvolvimento. A crise chegou ao Brasil em 1999 e corroeu a âncora cambial do Plano Real do governo Fernando Henrique Cardoso. Nos anos seguintes (2000-2002), ela afetou, de um modo particularmente grave, a Argentina. O efeito imediato foi a redução do comércio intra-bloco e a introversão das economias dos Estados-membros, que implementaram medidas de proteção a setores estratégicos, a exemplo do automobilístico.
No período subsequente, o desempenho do Mercosul e a participação do Brasil no comércio intra-bloco, embora tenham ultrapassado o recorde histórico, não se recuperaram em termos percentuais (HOFFMANN et al., op. cit., p. 106; 112-113).
2. O papel negociador: incremento do poder de barganha nas negociações internacionais
O papel negociador teve origem com a Cúpula de Ouro Preto do Conselho Mercado Comum de 1994 e com o Protocolo homônimo, assinado na mesma ocasião. A Cúpula, que criou a TEC (Tarifa Externa Comum), converteu o bloco em união aduaneira. Neste estágio, a integração veio a exigir a harmonização das políticas econômicas dos Estados-membros para o resto do mundo e, assim, tornou obrigatório que eles assumissem posições unívocas nos fóruns internacionais e nas negociações bi-regionais.
Por sua vez, o Protocolo dotou o Mercosul de personalidade jurídica internacional, pré-requisito para que o bloco pudesse negociar e assinar acordos. Em 1998, a criação do Foro de Consulta e Coordenação Política (FCCP), cujo propósito é favorecer a construção de consensos entre os Estados-membros em matéria de política externa, acrescentou mais força política e legitimidade ao papel negociador do bloco (HOFFMANN et al., ibid., p. 108).  Fortalecido institucional e politicamente por essas inovações, o Mercosul passou a representar os seus membros nas negociações internacionais, os quais, até então, tinham de fazê-lo sozinhos, sem contar com o poder que advém do peso do conjunto (HIRST, 2001, p. 5).
Esse atributo instrumental do bloco conveio aos interesses da elite política brasileira, sempre em busca de meios e recursos que lhe confiram maior margem de manobra nas negociações com as potências do mundo desenvolvido (VIGEVANI et al., 2008, p. 8). O poder de barganha do Mercosul jogou papel importante no período Cardoso, quando o Brasil travou negociações difíceis com os EUA, para definir o formato que a ALCA deveria assumir, e com a EU, para a criação de zona de livre comércio entre os dois blocos.
3. O papel securitário: consolidação das democracias e estabilização política regional
Embora pouco estudado, o papel securitário do Mercosul é um dos pilares centrais do bloco. Em meados dos anos 1980, quando decidiram pela integração, os governos da Argentina e do Brasil, presididos respectivamente por Raúl Alfonsín e José Sarney, não perseguiam objetivos exclusivamente econômicos. A integração que se pôs em marcha naquele momento visava, antes de tudo à superação da rivalidade histórica, à construção da confiança recíproca, à estabilidade política regional e à consolidação das reformas democráticas em ambos os países (OLIVEIRA e ONUKI, 2000, p. 110-113).
A integração das economias contribuiria com esse esforço ao fortalecer as bases materiais das novas democracias, ampliando-lhes as oportunidades de comércio e investimento (GÓMEZ, 1991, p. 227). Após esse período inicial, ao longo da década de 1990, o papel securitário do Mercosul foi atualizado, agora em defesa da democracia nos Estados-membros. A Declaração Presidencial de Las Lenãs de 1992 estipulou que a plena vigência das instituições democráticas é condição indispensável para a existência e o desenvolvimento do Mercosul.
O Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul, Bolívia e Chile, de 1998, reafirmou o que foi estipulado pela Declaração de Las Lenãs e consagrou, entre outras medidas, a expulsão do bloco de membro que não respeitar a ‘cláusula democrática’. Em duas ocasiões, 1999 e 2001, sob liderança do Brasil governado por Cardoso, esses instrumentos foram acionados para assegurar a ordem democrática no Paraguai (SANTISO, 2002, p. 406-409).
4. O papel geopolítico: plataforma de projeção da ‘potência regional’
O papel ‘geopolítico’ do Mercosul, diferentemente dos demais, não foi objeto nem motivação dos primeiros acordos entre os Estados-membros. Ele sobressai apenas recentemente, à medida que o bloco vai se fortalecendo econômica e politicamente, e diz respeito às ambições regionais do Brasil. Parte da elite política e diplomática brasileira, de orientação desenvolvimentista e autonomista, vê no Mercosul um instrumento da afirmação do país como ‘potência regional’. Segundo essa elite, a ampliação paulatina do bloco viria a trazer os demais países sul-americanos para a esfera de influência política do Brasil e abriria caminho para a criação de uma grande zona de livre-comércio, da qual muito se beneficiaria a economia do país (SARAIVA e BRICEÑO, 2009, p. 156).
Ao mesmo tempo, um Mercosul forte e coeso funcionaria como articulador de cooperação Sul-Sul entre blocos regionais e outros agrupamentos de países em desenvolvimento (SARAIVA, 2007, p. 51-52). A partir de 2000, quando é lançado o projeto de integração sul-americana com a CASA, futura UNASUL, o Mercosul começa a aparecer no discurso diplomático brasileiro como a plataforma que levará à realização daquele projeto maior (SANTOS, 2005, p. 17-19). O grande impulso ao ‘Mercosul geopolítico’ é dado pelo governo Lula da Silva.
Vinte anos após a assinatura do Tratado de Assunção, verificamos que, num balanço geral, os papéis que o Mercosul desempenha na inserção internacional do Brasil evoluíram positivamente. O papel econômico, a despeito dos percalços provocados por crises financeiras, é significativo: desde a sua criação, o Mercosul tem sido um dos principais destinos das exportações do Brasil e um dos seus principais fornecedores.
O papel negociador passou no teste de resistência contra a ALCA no formato norte-americano, a qual, caso fosse aceita, teria tido consequências deletérias para a economia nacional. O papel securitário, acionado durante as crises institucionais no Paraguai, assegurou a estabilidade política regional, sem a qual o Mercosul é inviável. Por fim, o papel geopolítico vem articulando a configuração de um espaço econômico e político sul-americano, no interior do qual o Brasil será a potência principal. O Mercosul, próximo dos seus vinte anos, é um dos mais importantes instrumentos de inserção internacional à disposição do Brasil.

George Wilson dos Santos Sturaro é graduado em Relações Internacionais pelo UNICURITIBA e mestrando em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  • GÓMEZ, José. María (1991). “Democracia Política, Integração Regional e Contexto Global na América Latina (Repensando Alguns “Nós Problemáticos”).” Contexto Internacional, vol. 13. n. 2, p. 227-245.
  • HIRST, Monica (2001). “Atributos e Dilemas Políticos do Mercosul.” Cadernos do Forum Euro-Latino-Americano, fevereiro, p. 1-16.
  • HOFFMANN, Andrea Ribeiro; COUTINHO, Marcelo; KFURI, Regina (2008). “Indicadores e Análise Multidimensional do Processo de Integração do Cone Sul.” Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 51, n. 2, p. 98-116.
  • KUME, Honório; PIANI, Guido (2005). “Mercosul: O dilema entre união aduaneira e área de livre-comércio.” Revista de Economia Política, vol. 25, n. 4, p. 370-390.
  • OLIVEIRA, Amâncio Jorge de; ONUKI, Janina (2000). “Brasil, Mercosul e a segurança regional.” Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 43, n. 2, p. 108-129.
  • PAMPLONA, João Batista; FONSECA, Julia Fernanda Alves da (2009). “Avanços e Recuos do Mercosul: Um Balanço Recente dos seus Objetivos e Resultados.” PROLAM, vol. 1, p. 7-23.
  • SANTISO, Carlos (2002). “Promoção e Proteção da Democracia na Política Externa Brasileira.” Contexto Internacional, vol. 24. N. 2, p. 397-341.
  • SANTOS, Luís Cláudio Villafañe dos (2005). “A América do Sul no discurso diplomático brasileiro.” Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 48, n. 2, p. 185-204.
  • SARAIVA, Miriam Gomes (2007). “As estratégias de cooperação Sul-Sul nos marcos da política externa brasileira de 1993 a 2007.” Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 50, n. 2, p. 42-59.
  • SARAIVA, Miriam Gomes; BRICEÑO, José. Ruiz (2009). “Argentina, Brasil e Venezuela: As diferentes percepções sobre a construção do Mercosul.” Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 52, n. 1, p. 149-166.
  • VIGEVANI, Tullo; FAVARON, Gustavo de Mauro; RAMANZINI, Haroldo; CORREIA, Rodrigo Alves (2008). “O papel da integração regional para o Brasil: universalismo, soberania e percepção das elites.” Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 51, n. 1, p. 5-27.
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Unidos pela crise

Gustavo Glodes-Blum

Assinado na terça-feira, dia 02 de novembro, o tratado entre Reino Unido e França apresenta uma característica inovadora no processo de integração europeu: as novas direitas voltadas à restrição fiscal podem ser o seu novo motor.

No último dia 02, terminou em Londres, capital do Reino Unido, a primeira Cúpula Reino Unido-França. Reunidos desde o sábado, dia 30, os governos dos dois países liberaram uma declaração conjunta sobre assuntos de extrema importância e sensíveis para a política européia atual: defesa, segurança e imigração.
David Cameron e Nicolas Sarkozy tiveram caminhos políticos diferentes. Sarkozy foi Ministro do Interior e das Finanças (cargos parecidos com os de Chefe da Casa Civil e Ministro da Fazenda) durante a presidência de Jacques Chirac. Líder do partido de centro-direita União por um Movimento Popular, Sarkozy tem tido uma política estrita de reforma fiscal e tem enfrentado grandes problemas com relação à imigração e a reforma previdenciária numa França envelhecida e com sua população de imigrantes na sua segunda geração. No mesmo dia, era o alvo preferencial de um conjunto de cinco bombas enviadas a embaixadas na Grécia.
Por sua vez, Cameron é o jovem líder do tradicionalíssimo Partido Conservador do Reino Unido. Ao contrário do sistema francês, próximo daquele do Brasil, Cameron dependeu da formação do Parlamento em maio de 2010, e hoje governa não com a força de seu partido, mas tendo de negociar com a terceira força britânica, o partido dos Liberal-democratas do seu vice, Nick Clegg.
Mesmo assim, Cameron também enfrenta reformas fiscais e de previdência – e esse é um fenômeno que está se espalhando por toda Europa – mas, sobretudo, derivadas do governo trabalhista anterior. Cameron assumiu após 13 anos de governo trabalhista, enquanto o governo anterior a Sarkozy pertenceu à mesma linha ideológica.
 O principal a se notar é que duas das três principais economias européias, sob o governo de dois líderes que tendem à direita e à redução de gastos, podem dar início ao passo final para a unificação completa da Europa. A Declaração Conjunta sobre Defesa e Cooperação em Segurança, uma das duas liberadas após a Cúpula, aponta na direção do tema do qual aborda.
O grande medo dos unionistas, que defendem o aprofundamento da integração econômica e política da Europa, com relação aos governos desta ideologia que estão assumindo poder num número cada vez maior de países na Europa foi, justamente, que as restrições econômicas, fiscais e políticas deles poderiam impedir este processo. Tradicionalmente mais nacionalistas e isolacionistas, estes governos deixariam de aprofundar a integração em troca da solução de problemas estritamente nacionais.
Porém, e como a Declaração sobre Defesa vem demonstrar, a integração econômica pode, sim, ser uma solução para os problemas internos e aprofundar a União Européia. Como afirma a Declaração, por exemplo, uma unificação do Complexo Armamentista Britânico e Francês poderia trazer uma economia de 30% a ambos os países. Da mesma forma, os dois governos se responsabilizam a levar em conjunto seus programas de armamento nuclear, inclusive com a criação de um laboratório nuclear conjunto.
O cerne da questão, aqui, é a de que a redução fiscal e as necessidades econômicas enfrentadas pela Europa se assemelham às da época de depois da Segunda Guerra Mundial. E, como depois da Guerra surgiu o Tratado de Roma em 1957 e o início da integração européia, os governos que buscam reduzir seus gastos e melhorar sua atividade econômica podem aprofundar sua integração econômica não apenas na Europa, mas também em outros blocos, como o Mercosul, sejam governos de direita, esquerda ou centro.


Gustavo Glodes-Blum é acadêmico do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e Analista de Comércio Internacional da Câmara Americana de Comércio para o Brasil em Curitiba (AMCHAM Brasil – Curitiba).
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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Por que a posição da Turquia é complexa?


Andrew Traumann


Desde que o regimento da União Européia entrou em vigor no primeiro dia de 2002, contando com a participação de quase toda a Europa Ocidental, iniciou-se um debate acerca das condições políticas e econômicas dos países do leste de adentrar o seleto grupo. Com a chamada “grande adesão” de 2004, formada por Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, Malta, Rep. Tcheca, Eslovênia e Eslováquia e a admissão, em 2007, de Bulgária, e Romênia, continuam em discussão os casos de Croácia, Macedônia e um grande enigma: a Turquia.
Para a Europa, aceitar a Turquia é extremamente complicado. Há vários argumentos contrários à sua entrada. Geograficamente, a Turquia, com apenas 3% de seu território em solo europeu, caracterizar-se-ia como um país asiático. Argumentam também os opositores da candidatura turca que seria sua economia subdesenvolvida. Porém, devemos nos lembrar que países com economia similar, como Chipre e Eslováquia, já foram admitidos. Dizem também os opositores que o código penal turco seria incompatível com a constituição da União Europeia (mesmo os turcos já tendo abolido a pena de morte), além da questão  da opressão à minoria curda. Demograficamente, se por um lado a entrada da Turquia ajudaria a pelo menos aliviar a questão da mão de obra na Europa, por outro, muitos europeus não gostariam de ver milhões de turcos transitando livremente pelo continente como cidadãos legítimos.
Mas a grande chave da questão, que em tempos de politicamente correto prefere não se falar, é outra: o motivo real da oposição à entrada turca é racial e religioso. Os turcos não são caucasianos e são muçulmanos. Na extrema direita européia, especialmente na França, na Alemanha e na Áustria, há uma grande preocupação com a imigração islâmica. Hoje, vivem em solo europeu cerca de 12,5 milhões de muçulmanos. Com a entrada da Turquia, poderiam se adicionar mais 70 milhões a esta estatística. Além disso, em poucos anos, a Turquia será o país mais populoso da UE, superando a Alemanha, o que romperia todos os equilíbrios de poder dentro da Europa e seria visto, pela extrema direita, como uma nova conquista otomana do Velho Continente.
Contudo, aqueles que são favoráveis ao ingresso dos turcos no bloco argumentam que, caso ocorra, poderia ser a grande prova de que cristãos e muçulmanos são capazes de coexistir. Os EUA e a Grã-Bretanha, aliados da Turquia na OTAN, crêem que a Turquia, ao optar por um regime democrático e moderado, pode se tornar um exemplo para o restante do Oriente Médio, especialmente quando as vantagens econômicas, como a utilização de uma moeda forte, começarem a ser sentidas pela população. Os turcos teriam acesso ao mercado europeu (no qual a economia turca já está bastante inserida), e a  seus fundos de apoio aos países pobres, o que poderia dar o empurrão final a um processo de maior desenvolvimento econômico no país. Politicamente, seria um triunfo para o secularismo turco ver o único país muçulmano laico ser aceito na União Européia. Militarmente, seu exército bem treinado e equipado poderia se tornar um guardião dos interesses europeus no Oriente Médio. Porém, a insistência na busca de uma identidade cultural (branca e cristã) por parte de certos setores da sociedade européia faz com que a admissão dos turcos seja dificultada. Ora, se o mundo hoje se orgulha da queda de fronteiras, do multiculturalismo, da globalização, por que na hora de dar um passo maior rumo à integração dos povos, retorna  à nostalgia por uma Europa romântica, idealizada, branca e cristã? Neste embate entre forças conservadoras (algumas decididamente xenófobas) e aqueles que vêem a integração como a melhor forma de lidar com a questão, espera-se que dentro de um debate racional vença a moderação.

Andrew Traumann é professor de História das Relações Internacionais no UNICURITIBA.
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terça-feira, 19 de outubro de 2010

Proteção do bem público global não é filantropia: o conflito entre interesses individuais e coletivos no regime de mudanças climáticas.

Roberta Zandonai

O ano de 2010 começou com a publicação de dados alarmantes da Agência Espacial dos EUA (NASA) a respeito das condições climáticas mundiais. De acordo com o órgão, a década passada foi a mais quente desde 1880, e os anos de 2005 e 2009 apresentaram as maiores temperaturas médias desde o início do século XX. A situação vivida no cenário internacional apenas confirmou esta tendência. A Rússia, por exemplo, enfrentou um verão extremamente quente e seco, que aniquilou suas plantações de trigo e gerou crise na economia nacional. Já no Paquistão e na China, água é o que não faltou durante as enchentes sem precedentes na história destes países. E, mesmo no Brasil, um período bastante incomum de chuvas fortes atingiu diversas regiões durante os primeiros meses do ano e foi seguido por uma forte seca marcada por queimadas nos parques e reservas nacionais.


De acordo com previsões da comunidade científica, principalmente dos membros do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a situação pode piorar muito mais se medidas drásticas não forem tomadas. Isso exige a ação conjunta de todos os Estados, principalmente dos maiores emissores de gases de efeitos estufa (Estados Unidos, União Européia, representada como bloco, e China). O que se vê, porém, é a dificuldade de países com características distintas chegarem a um consenso. Mas, se a questão é tão relevante, por que um acordo é difícil?
Nas últimas décadas, ganhou força no cenário internacional o consenso de que a elevação da temperatura terrestre é causada diretamente pelas atividades humanas, principalmente as geradoras de gases de efeito estufa (GEE), seja pelo desmatamento, matriz energética concentrada em emissões de carbono ou por processos industriais. As conseqüências não são sentidas apenas em âmbito local e regional, mas afetam todos os países, razão pela qual a questão ambiental passou a ocupar uma posição privilegiada na agenda internacional - principalmente após a primeira Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente em 1972. A partir daí, uma série de eventos foram organizados para discutir o desenvolvimento sustentável, e novas organizações internacionais surgiram: UNEP/PNUMA, IPCC, Convenção Quadro da ONU sobre Mudanças do Clima - CQNUSMD, etc.
No entanto, em 2001, o presidente eleito dos EUA, George W. Bush, retirou o país das negociações do Protocolo de Kyoto, até então o primeiro acordo global de cooperação para reduzir a poluição atmosférica por meio do estabelecimento de metas e mecanismos específicos. A decisão marcou um enorme retrocesso na tentativa de consolidar uma nova ordem mundial e abalou as esperanças daqueles que lutavam pela causa, pois a superpotência é responsável por quase um quarto das emissões globais de GEE e o seu não-comprometimento pode anular os esforços de todos os demais países signatários do Protocolo.
O motivo apresentado à época pelo governo estadunidense era de que o cumprimento dos termos afetaria a economia do país - e aí chegamos ao ponto central no debate da problemática ambiental no mundo moderno: as exigências internacionais divergem do interesse nacional de alguns países e de grandes empresas transnacionais com grande poder de influência. Como afirma Viola (2002, p. 27), “o benefício coletivo exige cada vez mais ações que contrariam os interesses de cada Estado individual”, mas os tomadores de decisão ainda não perceberam essa lógica.
Com o fim da Guerra Fria e a emergência de novos atores e temas nas Relações Internacionais, os problemas estão se tornando cada vez mais internacionalizados (tendo características transnacionais). O processo é acelerado pela revolução dos meios de comunicação e essa multiplicidade de atores aumenta a complexidade das negociações, que, em pleno século XXI, devem ser regidas pela cooperação e criação de novas diretrizes, seja no âmbito comercial, empresarial, e principalmente ambiental.
No que diz respeito à maior eficiência do regime de mudanças climáticas, a cooperação não se restringe apenas a parte jurídica, mas implica algo muito maior: uma profunda transformação na maneira como se entende consumo, energia, transportes, alimentação, moradia, ou seja, uma mudança profunda na relação do homem consigo mesmo e com o ambiente que o cerca. Uma nova consciência é necessária. Porém, no âmbito das grandes tomadas de decisões políticas internacionais, os governantes ainda resistem em ceder em troca de um bem coletivo, qual seja, a proteção do meio em que vivem. Economias intensivas em carbono acreditam que têm muito a perder com um novo sistema baseado em baixas emissões de GEE, mas não conseguem perceber que o dano pode ser muito maior se nada for feito.
No caso dos Estados Unidos, por exemplo, todo o modelo de fornecimento de energia e transportes teria que ser revisto, uma vez que o automóvel individual movido a combustível fóssil é o principal meio de locomoção e a maior parte da energia do país é produzida a partir de usinas termoelétricas que queimam carvão e, secundariamente, petróleo. De acordo com o último Assessment Report, produzido pelo IPCC em 2007, o país é responsável por 20% das emissões globais de CO2, perdendo apenas para a China, cujas emissões correspondem a 22%, com um crescimento anual de 8%, derivado principalmente da ineficiência de sua matriz energética (VIOLA, 2009, p. 20).
Apesar da posição estadunidense, há luz no fim do túnel: o desinteresse pelo meio ambiente, que predominou no país oriental durante todo o século XX, dá espaço atualmente para um novo posicionamento, que inclui investimentos em novas tecnologias menos poluentes. Japão e União Européia também exercem um papel de liderança, tanto no âmbito interno (por meio de investimentos em energias renováveis e em meios de transporte mais eficientes, por exemplo) quanto externo (transferência de tecnologias, persistência em chegar a acordos internacionais, investimento em projetos estrangeiros, entre outros). Outros Estados emergentes, como o Brasil, também têm desempenhado um importante papel, principalmente junto às nações em desenvolvimento ou atrasadas.
De outro lado, porém, regimes fundamentalistas e monárquicos, ou membros da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), tendem a rejeitar ou apoiar de maneira bastante restrita as propostas da CQNUMC.
Neste grande tabuleiro em que cada jogador tenta tirar suas vantagens, o nível de cooperação necessário para minimizar as atuais conseqüências da alteração do clima, bem como para instaurar uma sociedade de baixo carbono e evitar desastres futuros, parece um horizonte ainda distante. Tudo é uma questão de interesse, e enquanto o interesse individual - seja dos Estados, das empresas, das organizações e dos indivíduos – prevalecer sobre o interesse público global, os debates não devem resultar em ações práticas e efetivas. Neste caso, uma projeção pessimista poderia caracterizar como uma abstração o conceito de sustentabilidade definido pelas Nações Unidas, que seria “o atendimento das necessidades das gerações atuais, sem comprometer a possibilidade de satisfação das necessidades das gerações futuras”.

Referências:
VIOLA, E. O Brasil na Arena Internacional da Mitigação da Mudança Climática 1996-2008, Centro de Estudo de Integração e Desenvolvimento, 2009.
VIOLA, E. O Regime Internacional de Mudança Climática e o Brasil, In. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 17, n. 50, São Paulo, 2002.

6 período - Relações Internacionais - UNICURITIBA
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segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Iraque: situação atual e os efeitos da guerra

Fernando Archetti

Independentemente do resultado do conflito no Iraque, alguns efeitos já são visíveis e é possível tecer algumas considerações sobre o futuro na região e no país.
Com o anúncio do fim da operação Iraqi Freedom pelo Presidente Obama, em 31 de agosto de 2010, o nível das tropas foi reduzido ao seu nível mais baixo desde o início da guerra, restando um contingente de 50.000 soldados, com um papel de aconselhamento e assessoramento, que deverão, gradualmente, transferir a responsabilidade pela segurança do país à ISF (Iraq Security Forces). Até o fim do ano que vem, prevê-se a retirada do resto das tropas.

Em 2003, quando o conflito foi iniciado, vendia-se a imagem de uma guerra fácil, contra um Estado decadente e fraco, e que ofereceria muitos benefícios – nomeadamente, assegurar os interesses estadunidenses e de seus aliados nesta região fundamental para os países cujas economias dependem de petróleo, além de assegurar a sua hegemonia em uma das regiões mais voláteis do mundo, mandando uma mensagem para os Estados que desafiam essa hegemonia, afirmando quem realmente ‘’manda’’ – e poucos obstáculos. Hoje, sabemos que muito da percepção que se tinha do que se enfrentaria no Iraque era falsa. E o preço por uma guerra baseada em argumentos duvidosos se mostrou alto.
Classificada por alguns como uma ‘’aventura imperial’’, afora os exageros, o caso do Iraque nunca foi, de fato, sobre o perigo que este Estado representava. A guerra logo se tornou um conflito contra um grande movimento de insurgência, transformando-se em um complexo conflito entre etnias e seitas, além dos problemas representados pelo terrorismo transnacional e os mais de 2 milhões de refugiados. A incapacidade de prever o surgimento desses conflitos indica quanto essa invasão foi baseada em percepções errôneas e duvidosas. O conhecimento sobre a realidade iraquiana era muito pobre.
O estabelecimento de uma democracia não causou uma reação em cadeia, nem teve efeitos positivos nos regimes autoritários da região. A invasão não mandou uma ‘’mensagem’’ aos Estados da região, pelo contrário, fortaleceu a posição daqueles países – como o Irã – aos quais essa ‘’mensagem’’ se dirigia. Nem os planos de reconstrução – que planos? – tiveram sucesso, e os interesses estadunidenses na região foram comprometidos definitivamente.
Enquanto as tropas dos EUA se retiram, surge uma ‘’lacuna’’ na segurança e estabilidade do novo Estado iraquiano. A situação de relativa paz atual não será comprometida por uma mudança de estratégia diante da situação que se cria com a diminuição do efetivo estadunidense?
Se os principais atores políticos do Iraque – os sunitas, xiitas (ambos árabes) e os curdos – abdicaram de meios violentos para a busca de seus objetivos políticos, foi por cálculos estratégicos, não por uma ‘’iluminação’’ ou o reconhecimento de uma derrota legítima (GOMPERT; KELLY; WATKINS, 2010). Esses cálculos estratégicos, e suas consequências, podem ser alterados com a retirada.
Enquanto esses grupos, por ora, optaram por meios pacíficos para a resolução dos conflitos, cada um deles, individualmente, tem poder armado suficiente para alterar esse quadro. No entanto, com sua inclusão no sistema político recém formado, a chance de isso acontecer é menor.
Um fator crítico para analisar a possibilidade do ressurgimento de conflito é o papel que as ISF devem ter na estabilização do GoI (Government of Iraq). A brecha na segurança criada pela retirada se dá pela transferência da responsabilidade pela situação para a ISF. Enquanto as forças dos EUA se retiram em grande quantidade, a ISF não cresce em capacidade e rapidez proporcional à retirada, a ponto de substituir efetivamente os EUA em sua tarefa.
Embora a ISF não seja capaz de derrotar cada um desses atores internos conjuntamente, já é capaz de, pelo menos, contê-los, e fazê-los considerar bem se há de fato benefícios em retomar o conflito armado para atingir seus objetivos. No entanto, o papel representado pela ISF está subordinado ao seu uso apolítico, no sentido de não ser abusado pela facção atualmente no poder para perseguir objetivos próprios. Tão importante como aumentar o poderio da ISF, assim, é garantir sua utilização responsável.
Um abuso da ISF por uma das facções poderia causar as outras a alterar seus cálculos estratégicos, reiniciando os conflitos. Além disso, é fundamental que se siga o ‘’devido processo legal’’ para evitar o abuso de poder. Por outro lado, a paz também depende da utilização de meios pacíficos pela oposição.
Se por um lado o conflito armado, agora, entre os principais atores políticos se mostra improvável – por não apresentar benefícios, considerando o atual cenário -, um fator que poderia mudar isso é o conflito étnico. Uma aproximação entre xiitas e sunitas árabes poderia levar à marginalização dos interesses curdos, que então poderiam refazer seus cálculos estratégicos.
Outro ponto relevante é que o terrorismo não representa, hoje, um real perigo de reiniciar um conflito em larga escala. As estratégias utilizadas pelos terroristas fizeram retiraram seu apoio entre os atores políticos iraquianos.
Em resumo, o perigo de desestabilização do Iraque reside muito mais no equilíbrio de poder entre os principais atores políticos, a perspectiva de conflitos étnico-sectários, nas dificuldades inerentes em acomodar os diferentes e conflitantes interesses políticos no recém formado Estado iraquiano, do que no terrorismo transnacional. Nesse cenário, os EUA, com sua cada vez menor capacidade de intervir nos assuntos internos do país, devem esforçar-se no sentido de impedir o abuso de poder, e equilibrar as diferentes forças internas no sentido da unificação do país.

5º período – Relações Internacionais - UNICURITIBA
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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Irã e a questão da soberania nuclear

Jéssica Rayel

O tema da segurança internacional é um dos principais tópicos das Relações Internacionais desde o surgimento da disciplina, sendo que sua importância permanece até hoje. Um dos mais interessantes temas de segurança na atualidade é o conflito entre os EUA e o Irã acerca da capacidade nuclear iraniana e suas possíveis intenções nocivas, já que o país árabe afirma que o desenvolvimento da energia nuclear será apenas para fins pacíficos. Este entrave será analisado a partir da questão da soberania do Estado iraniano e o processo de formulação da sua política externa.

Uma das premissas básicas de um Estado independente é sua soberania, em todos os aspectos, em relação à sua capacidade de construir as políticas interna e externa. Assim, muitos Estados tentam impor suas vontades próprias, em última instância, pela imposição de sua soberania perante aos outros Estados. Esse é o caso do Irã em relação à energia nuclear, causando, assim, uma das grandes questões sobre tal assunto, que é posta pelos iranianos como seu direito de soberania nuclear, ou seja, sobre sua independência enérgica.
Tal condição é polêmica, pois vai contra os interesses de grandes países, como os Estados Unidos, que temem que o programa nuclear iraniano seja usado para desenvolver armas atômicas, indo contra os princípios do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e contra a Agência Internacional de Energia Atômica, que garante o direito ao uso da energia nuclear somente para fins pacíficos.
Ao seguir o pensamento de MEARSHEIMER e WALT, na obra "The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy", de 2008, sobre as relações dos Estados Unidos com Israel, consegue-se entender que, apesar de os EUA estarem fora do alcance de mísseis balísticos provindos do Irã, a ameaça nuclear iraniana alcança o seu maior aliado no Oriente Médio: Israel. Assim, colocar Israel em risco é desafiar os próprios interesses estadunidenses, o que, provavelmente, levará a contínuas sanções do Conselho de Segurança da ONU e à ameaça de confrontos diretos.
Entretanto, não é apenas a questão da soberania iraniana de desenvolver o que bem entender, ou o discurso estadunidense de impedir um aumento no número de armas nucleares no mundo, que está em jogo. A questão gira em torno da legitimidade do Irã de tentar desenvolver tecnologia nuclear em níveis maiores que o estabelecido para fins pacíficos. Uma vez que se sabe que o presidente Ahmadinejad não controla totalmente a política externa de seu país, já que a estrutura institucional iraniana favoreceu o desenvolvimento de uma política externa multifacetada, em que há outras instituições do governo, com inclinação religiosa, que possuem força e influência, percebe-se que as decisões tomadas pelo Irã podem ser inesperadas, o que lhe confere uma imagem de país não-confiável.
Pode-se dizer que, até determinado ponto, o programa nuclear está ligado a objetivos políticos internos. Apesar de as autoridades perceberem os limites e as fraquezas da economia iraniana, já que se trata de uma economia que depende de investimentos externos, fortemente baseada no setor público, do qual aproximadamente 90% dos iranianos recebem os seus salários, e há um alto índice de desemprego e tendência de crescimento de uma taxa inflacionária já considerada elevada, insistem em deslocar grandes recursos para o programa. A alegação é de a construção de usinas e desenvolvimento de tecnologias levaria, talvez, ao crescimento do país, gerando mais que possíveis empregos.
Mesmo que isso esteja correto, há ainda questionamentos a serem feitos. Como será o desfecho de tal situação? O atual direito internacional tem ferramentas para encerrar a discussão? Existem ainda dúvidas de como será o futuro iraniano se insistir em tal proposta, já que o país, teocrático e não-democrático, possui fortes opositores ao seu projeto nuclear e poderá sofrer mais perdas que as sanções da ONU. Não seria prudente tal país desenvolver tecnologia nuclear além dos fins pacíficos se não quiser desencadear uma possível guerra em seu território. As normativas que o direito internacional possui, atualmente, não dão conta da resolução de conflitos como este, uma vez que os órgãos que poderiam intervir de maneira jurídica (ONU e AIEA) ainda estão atrelados somente a interesses nacionais. Portanto, tal questão deverá ser resolvida com base em instrumentos de poder, pois a política internacional, como Morgenthau afirma, ainda é marcada por uma constante competição pelo poder entre Estados.
Entende-se que o Estado iraniano tem o direito de possuir um programa nuclear, mesmo que vá contra aos interesses de seus maiores inimigos, mas sempre observando o limite do desenvolvimento de tal programa para que as atuais suspeitas contra o país possam desapearecer e não serem concretizadas futuramente, uma vez que não se deve quebrar o equilibrio de forças na região e, além disso, o Irã não está preparado para um possivel ataque decorrente de suas posições atuais.

4º período - Relações Internacionais - UNICURITIBA
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terça-feira, 21 de setembro de 2010

Estaria o socialismo verdadeiramente superado?

Carlos-Magno Esteves Vasconcellos

Depois das grandes reformas econômicas introduzidas na China “comunista” por Deng Xiaoping, no final da década de 1970, e da desintegração do “socialismo Soviético” impulsionada pela Glasnost e a Perestroika de Mikhail Gorbachev, em meados da década de 1980, parece que a bola da vez é o “socialismo cubano”. Contudo, diferentemente das experiências chinesa e soviética, onde os timoneiros das lutas revolucionárias (Mao, no caso da China, Lênin e Stalin, no caso soviético) já tinham sido enterrados e, portanto, foram poupados da condição de espectadores do desmantelamento da obra que ajudaram a criar, na Cuba de hoje o grande líder e ícone da “revolução socialista”, Fidel Castro, continua vivo e politicamente influente nas reformas que estão em curso na ilha caribenha.



Esta particularidade do caso cubano talvez explique, pelo menos em parte, a polêmica declaração de Castro em entrevista concedida ao jornalista norte-americano Jeffrey Goldberg na semana passada. Como noticiado pela imprensa brasileira, Castro teria afirmado ao articulista da revista The Atlantic que “o modelo cubano não funciona mais nem para Cuba”. É verdade que um dia após a primeira declaração, Castro voltou a se manifestar sobre o assunto, explicando que suas palavras foram equivocadamente interpretadas pelo jornalista norte-americano que não entendera o tom irônico de suas palavras. Mas, a primeira declaração do ícone da Revolução Cubana parece muito mais em conformidade com as reformas econômicas e ideológicas que vinham sendo realizadas em Cuba, há cerca de pelo menos 10 anos, e que estão sendo intensificadas desde 2008 com a chegada de Raul Castro ao comando do país.
A posição de Fidel Castro diante da nova realidade cubana é no mínimo incômoda. Depois de liderar uma revolução em nome da supressão do atraso e do subdesenvolvimento econômico, da pilhagem externa e da violência social a que o capitalismo internacional impunha ao país, agora é obrigado a reconhecer que não há alternativa ao sistema do capital. Stalin e Mao Zedong, por exemplo, foram poupados desta humilhação. Mas Fidel terá de enfrentar essa humilhação sem perder a compostura, a fim de preservar a imagem de “herói” latino-americano. A tarefa é árdua, e os discursos contraditórios e revisionistas vão se suceder com grande regularidade numa tentativa absurda de compatibilizar socialismo com capitalismo (Deng Xiaoping, herdeiro ideológico e político de Mao Zedong, na China, resolveu esse problema através de um jogo de palavras astucioso que deu origem à retórica do “socialismo de mercado”).
As mudanças ora em curso em Cuba são inexoráveis. Elas não são apenas o resultado de pressões sociais por melhores condições de vida e democracia política, mas, principalmente, o resultado da incapacidade da Revolução Cubana em introduzir o socialismo em Cuba. Esta frustração da sociedade cubana com os rumos da Revolução também precedeu as grandes mudanças introduzidas na China e na União Soviética. As “revoluções socialistas” do século XX estiveram, desde seu começo, inspiradas pela consciência social e pelos anseios legítimos dos povos revolucionários em superar o modelo violento de relações sociais que lhes era imposto pelo capitalismo. Mas, no intervalo de tempo que separou os movimentos revolucionários da construção do socialismo o sonho de uma sociedade solidária, onde o homem deixaria a condição de objeto para assumir a condição de sujeito econômico e político foi se esmigalhando. Confrontadas com as condições econômicas e sociais adversas, no plano nacional, e com a hostilidade política externa, as “revoluções socialistas” do século XX se degeneraram em uma forma nova e peculiar de capitalismo, fundado na propriedade estatal dos meios de produção: o capitalismo burocrático totalitário. É esta forma peculiar de capitalismo que está se desmantelando em Cuba.
As mudanças econômicas e políticas ora em curso no país de Fidel Castro não testemunham da superação do socialismo, mas tornam o capitalismo burguês clássico, fundado na propriedade privada e na apropriação privada da riqueza social, o modelo hegemônico de capitalismo. Hoje, o mundo todo é capitalista: Estados Unidos, França, Alemanha, Japão, China, Rússia, Brasil, Cuba, etc... Vivemos a época do capitalismo globalizado. Mas, a hegemonia absoluta do capitalismo faz prosperar também todos os flagelos econômicos, sociais, políticos e culturais inerentes a este modo de organização da vida social, e abre caminho para o renascimento do sonho socialista. A história ainda não terminou!


Carlos-Magno Esteves Vasconcellos é doutor em Economia e professor titular de Economia Política Internacional do Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.
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