Fernando Archetti
Independentemente do resultado do conflito no Iraque, alguns efeitos já são visíveis e é possível tecer algumas considerações sobre o futuro na região e no país.
Com o anúncio do fim da operação Iraqi Freedom pelo Presidente Obama, em 31 de agosto de 2010, o nível das tropas foi reduzido ao seu nível mais baixo desde o início da guerra, restando um contingente de 50.000 soldados, com um papel de aconselhamento e assessoramento, que deverão, gradualmente, transferir a responsabilidade pela segurança do país à ISF (Iraq Security Forces). Até o fim do ano que vem, prevê-se a retirada do resto das tropas.
Em 2003, quando o conflito foi iniciado, vendia-se a imagem de uma guerra fácil, contra um Estado decadente e fraco, e que ofereceria muitos benefícios – nomeadamente, assegurar os interesses estadunidenses e de seus aliados nesta região fundamental para os países cujas economias dependem de petróleo, além de assegurar a sua hegemonia em uma das regiões mais voláteis do mundo, mandando uma mensagem para os Estados que desafiam essa hegemonia, afirmando quem realmente ‘’manda’’ – e poucos obstáculos. Hoje, sabemos que muito da percepção que se tinha do que se enfrentaria no Iraque era falsa. E o preço por uma guerra baseada em argumentos duvidosos se mostrou alto.
Classificada por alguns como uma ‘’aventura imperial’’, afora os exageros, o caso do Iraque nunca foi, de fato, sobre o perigo que este Estado representava. A guerra logo se tornou um conflito contra um grande movimento de insurgência, transformando-se em um complexo conflito entre etnias e seitas, além dos problemas representados pelo terrorismo transnacional e os mais de 2 milhões de refugiados. A incapacidade de prever o surgimento desses conflitos indica quanto essa invasão foi baseada em percepções errôneas e duvidosas. O conhecimento sobre a realidade iraquiana era muito pobre.
O estabelecimento de uma democracia não causou uma reação em cadeia, nem teve efeitos positivos nos regimes autoritários da região. A invasão não mandou uma ‘’mensagem’’ aos Estados da região, pelo contrário, fortaleceu a posição daqueles países – como o Irã – aos quais essa ‘’mensagem’’ se dirigia. Nem os planos de reconstrução – que planos? – tiveram sucesso, e os interesses estadunidenses na região foram comprometidos definitivamente.
Enquanto as tropas dos EUA se retiram, surge uma ‘’lacuna’’ na segurança e estabilidade do novo Estado iraquiano. A situação de relativa paz atual não será comprometida por uma mudança de estratégia diante da situação que se cria com a diminuição do efetivo estadunidense?
Se os principais atores políticos do Iraque – os sunitas, xiitas (ambos árabes) e os curdos – abdicaram de meios violentos para a busca de seus objetivos políticos, foi por cálculos estratégicos, não por uma ‘’iluminação’’ ou o reconhecimento de uma derrota legítima (GOMPERT; KELLY; WATKINS, 2010). Esses cálculos estratégicos, e suas consequências, podem ser alterados com a retirada.
Enquanto esses grupos, por ora, optaram por meios pacíficos para a resolução dos conflitos, cada um deles, individualmente, tem poder armado suficiente para alterar esse quadro. No entanto, com sua inclusão no sistema político recém formado, a chance de isso acontecer é menor.
Um fator crítico para analisar a possibilidade do ressurgimento de conflito é o papel que as ISF devem ter na estabilização do GoI (Government of Iraq). A brecha na segurança criada pela retirada se dá pela transferência da responsabilidade pela situação para a ISF. Enquanto as forças dos EUA se retiram em grande quantidade, a ISF não cresce em capacidade e rapidez proporcional à retirada, a ponto de substituir efetivamente os EUA em sua tarefa.
Embora a ISF não seja capaz de derrotar cada um desses atores internos conjuntamente, já é capaz de, pelo menos, contê-los, e fazê-los considerar bem se há de fato benefícios em retomar o conflito armado para atingir seus objetivos. No entanto, o papel representado pela ISF está subordinado ao seu uso apolítico, no sentido de não ser abusado pela facção atualmente no poder para perseguir objetivos próprios. Tão importante como aumentar o poderio da ISF, assim, é garantir sua utilização responsável.
Um abuso da ISF por uma das facções poderia causar as outras a alterar seus cálculos estratégicos, reiniciando os conflitos. Além disso, é fundamental que se siga o ‘’devido processo legal’’ para evitar o abuso de poder. Por outro lado, a paz também depende da utilização de meios pacíficos pela oposição.
Se por um lado o conflito armado, agora, entre os principais atores políticos se mostra improvável – por não apresentar benefícios, considerando o atual cenário -, um fator que poderia mudar isso é o conflito étnico. Uma aproximação entre xiitas e sunitas árabes poderia levar à marginalização dos interesses curdos, que então poderiam refazer seus cálculos estratégicos.
Outro ponto relevante é que o terrorismo não representa, hoje, um real perigo de reiniciar um conflito em larga escala. As estratégias utilizadas pelos terroristas fizeram retiraram seu apoio entre os atores políticos iraquianos.
Em resumo, o perigo de desestabilização do Iraque reside muito mais no equilíbrio de poder entre os principais atores políticos, a perspectiva de conflitos étnico-sectários, nas dificuldades inerentes em acomodar os diferentes e conflitantes interesses políticos no recém formado Estado iraquiano, do que no terrorismo transnacional. Nesse cenário, os EUA, com sua cada vez menor capacidade de intervir nos assuntos internos do país, devem esforçar-se no sentido de impedir o abuso de poder, e equilibrar as diferentes forças internas no sentido da unificação do país.
5º período – Relações Internacionais - UNICURITIBA
NAO SERVIU PARA NADA
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