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terça-feira, 12 de abril de 2022

O Eurocentrismo e a colonialidade do ser, do poder e do saber: as opressões estruturais e os desafios para descolonização do campo de estudos da Relações Internacionais.

Abdias Nascimento, Okê Oxossi (Buffalo, 1970). Acrílico sobre tela, 61 x 91 cm.

Por Luiza MontanheriIan Tarik dos Santos2

    Sem dúvida, as relações internacionais foram edificadas nas costas de escravizados — possuindo como fio condutor os povos africanos e indígenas —, produto das grandes navegações entre os séculos XV e XVI, originando o capitalismo histórico tal qual o conhecemos atualmente (informação verbal)3.  A partir deste fato, as hegemonias patriarcais que se edificaram sobre negros e indígenas são as mesmas que representam os brancos, isto é, não fosse o colonialismo imperial fomentar uma superioridade racial da branquidade, o sistema vigente no qual existimos não teria se moldado da forma como o conhecemos — foi puramente pelo viés racial como premissa, o ódio como instrumento e a violência como ferramenta que o bem “mundo modernizado e modernizante” se deu. Nas palavras de Quijano (2000, p. 192)4: 

"A ideia de raça é, com toda certeza, o mais eficaz instrumento de dominação social inventado nos últimos 500 anos. Produzida no mero começo da formação da América e do capitalismo, no trânsito do século XV ao XVI, nos séculos seguintes foi imposta sobre toda a população do planeta como parte da dominação colonial de Europa. [...] Desse modo, raça, uma maneira e um resultado da dominação colonial moderna, permeou todos os âmbitos do poder mundial capitalista. [...] a colonialidade tornou-se a pedra fundamental do padrão de poder mundial capitalista, colonial/moderno e eurocentrado. Tal colonialidade do poder revelou-se mais profunda e duradoura que o próprio colonialismo no qual se engendrou e que ajudou a ser mundialmente imposto."

    À vista disso, uma grande parcela de negros ainda se vê pela ótica europeizada de mundo não por esta não ser a realidade em que vivemos — instalada por e para brancos —, mas porque não foram permitidos ou mesmo fora retirada/negada a possibilidade de se enxergarem com os próprios olhos. Ou seja, “[...] o negro pertence ao mundo que não lhe permite a consciência de si verdadeira, mas apenas lhe permite ver-se a si mesmo através da revelação do outro mundo. Esse fenômeno é denominado [...] de dupla consciência.” (DU BOIS, 2011 apud ALENCAR, 2019, p. 183). Assim, a antítese ao poder hegemônico, representado pela Europa e igualmente pelos Estados Unidos da América (EUA), se encontra na possibilidade de assistir pelo lado de cá como a decolonialidade dos seres e saberes ressignifica a forma de se encarar o conceito de poder envolto por violência (ÔRÍ, 1989). E para além, precisamos ponderar que a colonização dos diversos povos de África e América está paralelamente ligada à cultura — já que a identidade de um povo se apresenta mediante aos costumes, tradições, língua, religiosidade, entre outros aspectos — que, igualmente permeada pela coerção física e encoberta pelos conceitos de assimilação culturale aculturação — este último podendo ser encarado como um processo inexistente —, transpassaram a imagem desse outro sob a visão de quem os delimitam como condenados a desaparecerem (informação verbal)não somente expressos no racismo contra negros, mas de natureza semelhante para com indígenas durante o contato e contemporaneamente. 

"Na história do Brasil, os povos indígenas foram os primeiros a serem escravizados – a força de trabalho empregada na montagem dos engenhos de açúcar no Brasil, por exemplo, foi predominantemente nativa – antes da escravização dos africanos capturados e deportados de seu continente original que começaram a ser traficados em meados do século XVI (Cf. MARQUESE, 2005). Se os Ameríndios foram os primeiros a serem escravizados, os trabalhos que mostram as consequências (e a continuação) dessa escravidão ainda recebem pouca atenção; mas, como diz Kabengele Munanga, muitas das dificuldades que os indígenas encontram hoje estão diretamente relacionadas com a escravidão do passado. Isto é, a escravidão não ficou no passado: como nunca foi coibida, foi negada, e até hoje a escravidão indígena nas fronteiras agrícolas é uma prática constante [...]." (MILANEZ et al., 2019, p. 2166). 

    Da mesma forma, concomitante à raça e a cultura, o gênero salienta um debate tocante aos indivíduos beneficiários deste poder, já que há a blindagem de imagens dicotômicas que, de um lado, expressa a virilidade e dominância do homem — exemplificados em Doty (1996) com o “American exceptionalism” e a “American manhood”, dois mecanismos da potestade imperial revestidos de ação humanitária, numa alusão à masculinidade do homem —, ao passo que, do outro, simboliza a mulher como frágil e submissa. Porém, acima de qualquer impacto que causam as relações de gênero e a discriminação pela orientação sexual, somos constantemente moldados pelas relações raciais, bem como expresso em Gonzalez (2011, p. 13): 

"[...] para a discussão da discriminação pela orientação sexual, não aconteceu o mesmo com outros tipos de discriminação, tão grave como a sofrida pela mulher: a de caráter racial. [...] Exatamente porque tanto o racismo como o feminismo partem das diferenças biológicas para estabelecerem-se como ideologias de dominação. Cabe, então, a pergunta: como se explica este “esquecimento” por parte do feminismo? A resposta, na nossa opinião, está no que alguns cientistas sociais caracterizam como racismo por omissão e cujas raízes, dizemos nós, se encontram em uma visão de mundo eurocêntrica e neo-colonialista da realidade."

    Em suma, não é possível fomentar um combate senão por iniciá-lo pelo óbvio que constitui o elemento básico da luta comum de homens e mulheres — correlacionado a “[...] um quadro de tripla consciência, no qual as dimensões da raça e gênero se interseccionam dentro da trajetória de indivíduos que interagem com o mundo ao seu redor.” (ALENCAR, 2019, p. 183) —, viabilizando que “a conscientização da opressão ocorre, antes de qualquer coisa, pelo racial.” (GONZALEZ, 2011, p. 18). 
    Uma vez dado os aspectos impostos pelo eurocentrismo, apoiado no racismo como arma ideológica — posto que inexistia a possibilidade de extermínio dos povos marginalizados —, molda-se a ciência racialistana Europa e, no Brasil, “a ideologia do branqueamento” (GONZALEZ, 2011, p. 15). Neste caso, o Primeiro Congresso Universal das Raças realizado na cidade de Londres, em 1911, após a Conferência de Haia, de 1907, tinha em um primeiro momento a premissa “[...] de um esforço internacional em prol da pacificação das diversas nações do mundo” (SOUZA; SANTOS, 2012, p. 747), todavia, “na prática, o que estava em questão eram os conflitos raciais em diversas partes do mundo e a própria sobrevivência do sistema colonialista” (ibid., p. 747). Em arremate, o Direito entra como um instrumento articulador, elaborado a fim de se perpetuar como mecanismo de comando em um formato colonial jurídico, onde se reflete simbolicamente no quadro de Modesto Brocos y Gómes (1895) — A Redenção de Cam — e institucionalmente dentro do Estado brasileiro, porquanto 

"O sistema jurídico reproduzido no Brasil não só estava intimamente ligado ao empreendimento colonial e às categorias de pensamento que decorriam dele, como desempenhou um papel central na sua consolidação. [...] o sujeito de direito é a afirmação de uma pretendida uniformidade, forjada pela exclusão material, subjetiva e epistêmica dos povos subalternizados. A régua de proteção que determina o padrão a partir da qual bens como a liberdade passam a ser pensados deriva da afirmação da supremacia branca, masculina, cisheteronormativa, classista, cristã e inacessível a todos os corpos, bem como do resultado dos processos de assimilação e aculturação violentos empreendidos pelo colonialismo. (PIRES, 2019, p. 71)."

A Redenção de Cam, 1895. Modesto Brocos y Gómes. Óleo sobre tela, c.i.d. 166,00 cm x 199,00 cm. 

    Outrossim, interligado aos fatos, MacMillan (2004) pontua que a Liga das Nações, criada em 1919, em seu Art. 22, possuía o logro de “missão sagrada de civilização” — percebe-se ali, o constante desdenhamento de povos negros, frisando constantemente a suposta incapacidade destes em se autogovernarem, numa veemente afirmação de que não possuíam qualquer tipo de autodeterminação política no sentido europeu —, ou seja, as potências hegemônicas do Norte, baseadas no racismo e expansionismo da Europa e EUA, no início do século XX, fizeram com que a Liga oferecesse todas as condições necessárias para que seus membros prevalecessem em detrimento de povos africanos. Logo, a ideia de proibição sobre a venda de armamentos para tais foi um dos quesitos essenciais para a garantia da superioridade branca, além da Conferência de Berlim tal-qualmente ter sido um marco na história do Velho Continente, dado que a partilha de África era o elemento central para a instalação europeia e palco primordial para a marginalização, expropriação, exploração, epistemicídio, saqueamento e roubo de recursos naturais e históricos, entre outros processos mais que validaram o controle civilizatório. 
    Portanto, partimos então para uma visão elaborada que surge a partir da ótica da decolonialidade e descolonialidade não só do poder, mas dos seres e saberes que emergem em diversas partes do mundo, fazendo da América Latina o seu epicentro. Em primeiro lugar, devemos rememorar que no Brasil houve inúmeras tentativas e êxito em apagar a história dos povos africanos — exposto anteriormente com o Direito sendo o elemento jurídico essencial para a fundamentação das ideologias de branqueamento pautadas no punitivismo cristão juntamente com a falta de memória acerca da nossa própria história — tal como ainda possuímos em relação à escravidão e à Ditadura Militar de 1964 (informação verbal)9. Desse modo, o Teatro Experimental do Negro (TEN) que atuou entre 1946-1961, desenvolvido por Abdias do Nascimento, surgido pela necessidade de retratar e trazer o povo preto como protagonistas sem o estereótipo de papéis subalternos racistas, questionou a hierarquia de poder branco através da arte, sempre vinculados a uma inclinação política para além dos palcos como ação decolonial que percebia o negro na qualidade de sujeito pensante e potente, não apenas com a finalidade de evidenciar discussões de cunho racial para o domínio da branquidade, mas solidificar a estrutura do legado cultural e humano do africano no Brasil (NASCIMENTO, 1978) como forma de resgate sócio-historico para a construção de uma memória viva, indo contra qualquer sintoma retroutopico10. Bem como, o Haitianismo é utilizado como ferramenta de contra-ataque à burguesia brasileira, em que é visto como confronto para a branquitude reforçante de políticas públicas que afetam tanto a imigração de pessoas pretas, do contexto externo, quanto no âmbito doméstico — onde criaram uma nova ótica ao universalizar a padronização da imagem do imigrante ao fazer voltar a força policial apenas para um grupo social determinado. Desse modo, entende-se que 

"[O] Brasil tem uma dívida histórica com todos os povos da diáspora africana: primeiro pela migração forçada por meio do tráfico atlântico; segundo pela submissão ao regime escravista, e depois pelos entraves à imigração voluntária após o fim do infame comércio de pessoas. (SILVA, 2021, p. 19)."

    Logo, devemos analisar que toda essa conjuntura pesa, diretamente, tanto dentro das relações internacionais enquanto disciplina como em todo o mundo que se externaliza. Percebe-se aqui que com as ideologias eurocentradas e a implementação de atos que perpetuam a associação de negros à locais de subalternização — sendo o Estado o principal fundamentador de estrategias de braqueamento por via de políticas públicas — para um suposto melhoramento na imagem brasileira dentro das relações internacionais atrelada à Lei Áurea, de 1988, tambem reconhecia povos imigrantes de África como non grata11, decorrente diretamente da cultura — por possuir um viés ideológico que, consequentemente, abre portas para o genocídio negro, atrelou-se a falta de comprometimento para com estes após a abolição da escravatura — com a articulação de políticas nacionais de imigração para comunidades brancas do continente europeu, pois “[...] o governo brasileiro passou a engajar-se no agenciamento, mediante propagandas e promessas de terra, e no fomento à imigração de trabalhadores europeus para as zonas que pretensamente careciam de mão-de-obra.” (MORAES, 2014 apud SILVA, 2021, p. 12). Ainda, as politicas migratórias historicamente conseguiram/conseguem “[mostrar] como o Direito e as Instituições brasileiras estiveram a serviço da racialização do sujeito e do genocídio do povo negro. Expressa, assim, forte colonialidade do poder.” (SILVA, 2021, p. 24). Por isso, as produções pós-coloniais que abordam as decolonialidades, descolonialidades e, principalmente, propostas de letramento racial não somente pelo meio acadêmico de produção intelectual, pode-se interpretar também como método científico de produção epistemológica — destinada ao livre acesso do negro acerca da construção de um olhar sobre si enquanto sujeito, e sobre o coletivo enquanto comunidade — na busca por igualdade civil, social e política. Em paralelo, a religiosidade de matriz africana e a incorporação da utilização simbólica dos orixás dentro do âmbito político tal qual se utilizava Abdias do Nascimento em seus discursos sobre a libertação do povo negro brasileiro, contrasta com a religiosidade euro-cristã que se faz presente desde os primórdios da edificação das Relações Internacionais. Afinal, a incorporação ancestral das entidades presentes nas religiões afro-brasileiras se apresenta numa demonstração da existência do "eu" que se aloca no presente, identificando o mais alto nível de desalienação daqueles que ainda sofrem com o extermínio de sua existência. 

Notas de rodapé
1 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) (montanheriluiza@gmail.com) 
2 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) (iantarik18@gmail.com) 
3Informação verbal fornecida pela professora Karine de Souza Silva à disciplina de Organizações Internacionais, ofertada ao curso de Relações Internacionais, UFSC, em fev. 2021.
4 “La idea de raza es, con toda seguridad, el más eficaz instrumento de dominación social inventado en los últimos 500 años. Producida en el mero comienzo de la formación de América y del capitalismo, en el tránsito del siglo XV al XVI, en las centurias siguientes fue impuesta sobre toda la población del planeta como parte de la dominación colonial de Europa [...] De ese modo, raza, una manera y un resultado de la dominación colonial moderna, pervadió todos los ámbitos del poder mundial capitalista. En otros términos, la colonialidad se constituyó en la piedra fundacional del patrón de poder mundial capitalista, colonial/moderno y eurocentrado. Tal colonialidad del poder ha probado ser más profunda y duradera que el colonialismo en cuyo seno fue engendrado y al que ayudó a ser mundialmente impuesto.” 
5 Processo de absorção entre grupos ou indivíduos em que ambos, em constante contato, assimilam/adquirem características culturais uns dos outros.
6 Processo pelo qual há o apagamento de uma cultura em detrimento de outra, na qual uma delas se considera “mais dominante; forte; superior”.
7Informação verbal fornecida pela professora Edviges Marta Ioris à disciplina de Relações Interétnicas, ofertada ao curso de Ciências Sociais, UFSC, em jul. 2021. 
8 Concepção de que a espécie humana se divide naturalmente em raças que correspondem a categorias biológicas distintas. 
9Informação verbal fornecida pela professora Clarissa Franzoi Dri à disciplina de Política Externa Brasileira, ofertada ao curso de Relações Internacionais, UFSC, em dez. 2021.
10 Saudosismo com o passado; ode a um passado que não existe. 
11 "[...] expressão aplicada a um diplomata ou representante estrangeiro que não é aceito pelo governo do Estado acreditador e que, por conta disso, não recebe o agrément (consentimento)." (BENZAQUEN, c2022). 

Referências
ACERVO, Cultne. CULTNE CINEMA – Exu Rei Abdias do Nascimento. YouTube, 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tIIqqtve-cI&feature=youtu.be. Acesso em: fev. 2022. 
ADICHIE, C. N. O perigo de uma única história. In: TEDGlobal. TED Ideas worth spreading, jul. 2009. 18 min. Disponível em: https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story?language =pt-br#t-14668. Acesso em: fev. 2022. 
ALENCAR. A. E. V. Cidadão Invisível e o direito à cidade negada. In: RAPOSO, Paulo; RENCK, Allende; HEAD Scott (org.). Cidades rebeldes: invisibilidades, silenciamentos, resistências e potências. Florianópolis: Editora da UFSC, 2019. p. 183-193. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/. Acesso em: fev. 2022. 
DOTY, R. L. Imperial Encounters: The Politics of Representation in North-South Relations. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996. 232 p. 
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. 1.ed. Salvador: EDUFBA, 2008. 191 p. (título original: Peau noire, masques blancs). 
GONZALEZ, L. Por um feminismo Afro-latino-Americano. Caderno de formação política do Círculo Palmarino. [S.l], n. 1, 2011, p. 12-20. 
MACMILLAN, M. Os Mandatos. In:______. (org.). Paz em Paris, 1919. Tradução de Joubert de Oliveira Brízida. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2004, p. 115-124. 
MILANEZ, F. et al. Existência e Diferença: O Racismo Contra os Povos Indígenas. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, jul. 2019, p. 2161-2181. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/index. Acesso em: fev. 2022. 
MUNANGA K. Pan-africanismo, negritude e teatro experimental do negro. ILHA Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 18, n. 1, jun. 2016, p. 109-122. Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-8034.2016v18n1p109. Acesso em: fev. 2022. 
NASCIMENTO, Abdias do. Uma reação contra o embranquecimento: O Teatro Experimental do Negro. In:______. (org.). O Genocídio do Negro Brasileiro: Processo de um Racismo Mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 129-135. 
ÔRÍ. Direção: Raquel Gerber. Narração: Beatriz Nascimento. Brasil: Transvídeo, 1989. 91 min. 
PIRES. T. Direitos humanos e Améfrica Ladina: Por uma crítica amefricana ao colonialismo jurídico. LASA Fórum, [S.l.], v. 50, n. 3, jul. 2019, p. 69-74. Disponível em: https://forum.lasaweb.org/past-issues/vol50-issue3.php. Acesso em: fev. 2022. 
QUIJANO, A. ¡Qué tal Raza!. Revista del CESLA, [S.l.], n. 1, nov. 2000, p. 192-200. Disponível em: https://www.revistadelcesla.com/index.php/revistadelcesla/article/view/379. Acesso em: fev. 2022. 
SILVA, K. S. BORBA DE SÁ, M. Do Haitianismo à nova Lei de Migração: Direito, Raça e Política Migratória Brasileira em perspectiva histórica. Revista nuestrAmérica, v. 9, n. 17, 2021 . Disponível em: https://doi.org/10.5281/zenodo.5650701 
SOUZA, Vanderlei S. de.; SANTOS, Ricardo V. O Congresso Universal de Raças, Londres, 1911: contextos, temas e debates. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v. 7, n. 3, p. 745-760, set./dez. 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/bgoeldi/a/LpSkSW9hyH6jXDXDdYn7k9w/?lang=pt&format= pdf. Acesso em: fev. 2022. 




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sexta-feira, 1 de maio de 2020

Os Jogos de Dois Níveis e a política externa da União Europeia



Por Mariana M. L. Camargo*

Pensar em política externa atualmente é pensar nos diversos atores presentes nos níveis nacionais e internacionais, levando em consideração seus interesses e como estes estão representados nas negociações entre líderes políticos nacionais. Segundo Freire e Vinha (2011, p.13);

“A política externa, tradicionalmente associada aos Estados, mas crescentemente associada a outros atores, como a União Europeia (UE), projeta interesses e objetivos domésticos/internos para o exterior. É assim entendida como uma ferramenta essencial no posicionamento dos atores no sistema internacional.”

        A interação entre os interesses presentes no nível doméstico e no nível internacional é realizada por meio dos líderes políticos nacionais, que devem ser capazes de negociar com ambos os níveis. 
      
        Para Putnam (1988, p. 427-460), dentro da agenda da política externa há um tabuleiro de negociação. De cada lado do tabuleiro há um Estado, que interagem no nível 1, o nível internacional, onde ocorre a barganha entre os negociadores de cada Estado. O nível 2, doméstico, por sua vez, é interno a cada Estado, onde ocorrem as discussões na esfera nacional acerca do consentimento para a ratificação dos acordos, além de trazer qual o interesse nacional a ser buscado pelo Estado. Os dois níveis são relevantes e interferem diretamente um no outro, determinando os rumos da cooperação interna e externa dos Estados.

       É importante ressaltar que, apesar dos líderes políticos nacionais serem a figura principal representando cada Estado no nível 1, estão presentes por detrás deles figuras partidárias, parlamentares, porta-vozes das agências domésticas, representantes de grupos-chave de interesses e dos assessores políticos do próprio líder. Essa complexidade apresentada no tabuleiro faz com que cada negociação demande uma ação racional diferente de cada Estado.

       Uma vez estabelecido o conjunto de posições com os grupos de interesse do nível 2, visando alcançar todos os acordos possíveis do nível 1 onde o Estado sairia vitorioso, pode-se determinar o conjunto de vitóriasde cada Estado. Por conta disso, é possível que cada lado faça do tabuleiro um espaço de manobras, já que há a possibilidade de alterar comportamentos não só de outro Estado como também se utilizar desse meio para conseguir mudanças dentro do nível 2 (que não seriam possíveis se não fosse por motivo de barganha de um acordo no nível 1).

       O conjunto de vitórias é considerado maior quando o maior conjunto de vitórias no âmbito nacional coincide com o internacional; consequentemente, o Estado tende a ser mais flexível nas negociações do nível 1, cedendo a barganhas, já que seus interesses nacionais já estão atingidos. Ao contrário, o conjunto de vitórias é menor quando os grupos de interesse no nível 2 possuem ideias heterogêneas, não concordando com o que está sendo posto no nível 1; por isso, as concessões são menores e usa-se a barganha para conseguir a ratificação do acordo.

        No que tange a União Europeia, sua personalidade jurídica e disposições gerais acerca da sua ação externa foram reforçadas em 2009 pelo Tratado de Lisboa, estando enunciadas no título V do Tratado da União Europeia (TUE). Dentre seus principais objetivos, é possível destacar a busca pelo desenvolvimento de relações e constituição de parcerias com países terceiros e com as organizações internacionais, regionais ou mundiais que partilhem dos mesmos princípios da UE.

       Na opinião de Gomes Cravinho (2017, p.15-16);

 “Aquilo que começou então como uma união essencialmente econômica evoluiu, ao longo das décadas, para uma instituição abrangendo áreas políticas, desde a política externa, segurança e defesa, desenvolvimento e ajuda humanitária às alterações climáticas, ambiente e saúde, justiça e migração. É algo jamais visto em qualquer parte do mundo. Tem dificuldades, desafios, complexidades. Mas um olhar mais isento não pode deixar de reconhecer que enormes avanços tiveram lugar na Europa devido ao projeto europeu, um projeto que continua a ter profundo potencial para o futuro.”

     Norteada pelos princípios da ação externa, a Política Externa de Segurança Comum (PESC) engloba todos os domínios da política externa, assim como as questões relativas à segurança da União, incluindo a definição gradual de uma política comum de defesa. Além disso, está sujeita a regras e procedimentos específicos, onde os Estados membros da UE são os verdadeiros detentores do poder no que tange ao domínio da mesma; por isso, devem atuar de forma concertada a fim de reforçar e desenvolver a solidariedade política mútua, abstendo-se de realizar ações contrárias aos interesses da União ou suscetíveis de prejudicar a sua eficácia como força coerente nas relações internacionais.

        Complementar a PESC, a UE conta com o Serviço Europeu para Ação Externa, voltado a diplomacia, que assiste o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. Este, sendo o cargo do líder político que representa a UE frente aos tabuleiros da política externa, têm como responsabilidade: conduzir a PESC; presidir o Conselho dos Negócios Estrangeiros; realizar suas atividades como vice-presidente da Comissão Europeia, dando cumprimento às responsabilidades que lhe incumbem no domínio das relações externas; liderar o Comitê Político e de Segurança (COPS), composto por 28 embaixadores dos países membros da União; dentre outros.

         Após o exposto e aplicando os jogos de dois níveis de Putnam a ação externa da UE, quando a mesma negocia tratados, acordos e convenções no nível 1, nota-se a complexidade das negociações a serem realizadas no nível 2, já que, por detrás do líder político, existe uma série de instituições e instrumentos que conduzem em conjunto a política externa, além dos grupos de interesse internos a cada Estado membro. 
       
       Exemplo dessa complexidade pode ser notada no cumprimento do Acordo de Paris sob a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, em 2015; a EU comprometeu-se a diminuir, até 2030, a emissão de gases do efeito estufa em pelo menos 40% abaixo dos níveis de 1990. Entretanto, em 2019 o Parlamento Europeu (exercendo a função legislativa da UE) votou uma resolução recomendando a Comissão Europeia o aumento do objetivo proposto, adotando uma posição de dedicar pelo menos 35% das despesas de investigação para apoiar os objetivos climáticos.

       Sendo assim, dadas as ideias gerais sobre a lógica dos jogos de dois níveis e o caso particular da política externa da União Europeia, pode-se afirmar a complexidade da formulação e aplicação da mesma, sendo uma política inerente aos Estados e ao sistema internacional. Este último, por sua vez, é marcado pelos mais diversos tabuleiros de negociação, cada qual com diferentes Estados, objetivos, princípios e desfechos.


*Trabalho apresentado a disciplina de Análise de Política Externa e das Relações Internacionais, ministrado pela Profª. Dra. Janiffer T. G. Zarpelon. Turma do 5º período noturno do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Curitiba, 2020.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COMISSÃO EUROPEIA. Horizonte Europa : el próximo programa de inversión em investigación e innovación de la UE (2021-2027), 2019. Disponível em <https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/research_and_innovation/strategy_on_research_and_innovation/presentations/horizon_europe_pt_investir_para_moldar_o_nosso_futuro.pdf>. Acesso em 10/04/2020.
COSTA, Oliver. A União Europeia e sua política exterior : história, instituições e
processo de tomada de decisão. Brasil: Em poucas palavras, 2017. p 15-16.
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA. Política Externa: As Relações
Internacionais em Mudança . Coimbra, 2011.
JORNAL OFICIAL DA UNIÃO EUROPEIA. Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (versão consolidada) , 2016. Disponível em <https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:9e8d52e1-2c70-11e6-b497-01aa75e d71a1.0019.01/DOC_3&format=PDF>. Acesso em 08/04/2020.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Adoção do acordo de Paris , 2015.
Disponível em <https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2016/04/Acordo-de-Paris.pdf>. Acesso em 10/04/2020.
PARLAMENTO EUROPEU. UE e Acordo de Paris: a caminho da neutralidade carbónica , 2019. Disponível em <https://www.europarl.europa.eu/news/pt/headlines/society/20191115STO66603/ue-e-acordo-de-paris-a-caminho-da-neutralidade-carbonica>. Acesso em 10/04/2020.
PARLAMENTO EUROPEU. Redução das emissões de carbono: metas e iniciativas da União Europeia , 2019. Disponível em <https://www.europarl.europa.eu/news/pt/headlines/priorities/clima/20180305STO99003/reducao-das-emissoes-de-carbono-metas-e-iniciativas-da-uniao europeia>. Acesso em 10/04/2020.
PUTNAM, Robert. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of the Two-Level
Games . Tradução de Dalton L. G. Guimarães, Feliciano de Sá Guimarães e Gustavo Biscaia de Lacerda. Revista de Sociologia Política, Curitiba, v. 18, n. 36, p. 147-174, jun 2010.
UNIÃO EUROPEIA. Versão Consolidada do Tratado da União Europeia , 2019.
Disponível em <https://eur-lex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:02016M/TXT-20190501&from=EN>. Capítulo V. Acesso em 08/04/2020.

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terça-feira, 4 de abril de 2017

Análise em Relações Internacionais e Política Externa: Análise do discurso de Xi Jinping na 70ª Assembleia Geral da ONU.

Artigo apresentado na disciplina de Análise em Relações Internacionais e Política Externa, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.


* João Victor Coutinho de Carvalho

No discurso do presidente chinês para a 70ª Assembleia Geral da ONU, é possível notar vários pensamentos e até imaginar algumas peculiaridades características do senso comum do povo chinês.
Na abertura do discurso, o chefe de estado chinês relembra os 70 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, celebrando a vitória dos Aliados sobre o fascismo, e também a criação da Organização das Nações Unidas. No entanto, o que mais chama a atenção é a sua fala na qual celebra a vitória do "bravo povo chinês" sobre os japoneses, pondo um fim à invasão japonesa na China, no âmbito da Segunda Grande Guerra. Essa fala reflete um aspecto da sociedade chinesa, que é o ódio aos japoneses devido aos ressentimentos que sentem pelos seus vizinhos pelas atrocidades cometidas por estes contra o povo chinês durante a invasão.
Em outra parte de seu discurso, Xi Jimping fala da necessidade de se respeitar as políticas internas de cada estado, o que pode ser compreendido como um certo aborrecimento do governo chinês com as pressões que tem sofrido de outros países em relação às suas políticas de sustentabilidade e de respeito aos direitos humanos. Fala ainda sobre o fim de medidas militares, fim da intervenção em assuntos internos e o fim do unilateralismo subentendendo-se uma crítica às políticas norte-americanas, a atual hegemonia militar e política do planeta e rival econômico dos chineses.
Nota-se alguns resquícios do pensamento vigente na época da Guerra Fria, na qual a China, antes de romper com a União Soviética, era uma voz ativa do bloco comunista. Ainda neste ponto, Xi Jimping clama por um novo modelo de cooperação, que beneficie a todos e não só as grandes potências, o que é o caso da China.
O presidente fala, em seu discurso, em promover o desenvolvimento econômico pautado no liberalismo regulado pelas mãos "visível e invisível", em suas palavras. Pode-se entender que a China busca liberalizar o comércio internacional, mas sem abrir mão de intervir em sua economia, como o faz internamente.
Notam-se os novos modelos econômicos seguidos pela China com a criação das ZEE's (Zonas Econômicas Especiais), criadas durante o governo de Deng Xiaoping e ainda, quando fala da "mão visível", da centralização de poderes no Partido Comunista, no governo chinês, que exige que toda empresa em território chinês seja, ao menos parcialmente, chinesa, por exemplo. 
No fim do discurso nota-se uma tentativa da China em ser aceita internacionalmente também no âmbito cultural, no "soft power", quando diz que a China cumprirá todas as suas obrigações em relação às mudanças climáticas e que espera que outras potências também o façam, e que, juntamente com os Estados Unidos, dará ajuda financeira à União  Africana. Fala ainda sobre a necessidade de respeito às diferenças entre os povos e a necessidade de diálogo entre as civilizações, em uma tentativa de fazer com que a comunidade internacional aceite os costumes chineses.

Referências:


FAIRBANK, John King; GOLDMAN, Merle. China: uma nova história. 3ª ed. Porto Alegre: L&PM, 2008. 520 p.

*João Victor Coutinho de Carvalho é estudante do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. 
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