segunda-feira, 29 de junho de 2020

Entrevista com Luiz Carlos Martins: deputado estadual e presidente da Comissão do Mercosul e Assuntos Internacionais da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná



Por Fernando Yazbek

               Luiz Carlos Martins foi primeiramente eleito deputado estadual em 1990, dois anos depois de se eleger vereador por Curitiba com quase 14 mil votos. Foi reeleito para a Assembleia por mais três vezes até 2006, quando angariou a confiança de 54 mil eleitores paranaenses. Teve um pequeno hiato nas eleições de 2010, ano em que ficou como suplente, mas foi novamente alçado parlamentar nos pleitos de 2014 e 2018. 
            Antes de se consolidar como um deputado no oitavo mandato, Martins, hoje aos 71 anos, passou a infância e juventude pelos interiores de São Paulo e Paraná. Paulista de Bilac, o radialista teve seu primeiro contato com os microfones ainda aos 17 anos em Birigui, no noroeste do estado.  Em 1977, trouxe sua voz a Curitiba, cidade que ouve desde então os famosos bordões da “grande voz” da Rádio Banda B.
            Na vida político-partidária, Luiz Carlos Martins ajudou a fundar o Partido Social Democrático (PSD) no Paraná, em 2013. Cinco anos depois, Martins foi para o Progressistas (PP) a convite do ex-ministro da Saúde Ricardo Barros e de sua mulher, a então vice-governadora Cida Borghetti – que concorreria ao Palácio do Iguaçu contra o atual governador, do PSD, Ratinho Júnior. Cabe ao radialista a presidência da Comissão do Mercosul e Assuntos Internacionais da Assembleia Legislativa desde a saída da deputada Maria Victoria (PP), filha de Ricardo Barros e Cida Borghetti. 
            Por telefone, o deputado estadual conversou com o Blog Internacionalize-se antes de uma das sessões plenárias remotas da Assembleia. Comentou, na sua voz inconfundível, os impactos da pandemia do novo coronavírus na atividade parlamentar, os acordos entre Mercosul e União Europeia, as relações da China com a América do Sul, a suspensão da Venezuela e a política externa do governo federal brasileiro.  
            Lamentando que desde a suspensão das atividades presenciais do parlamento paranaense não houve mais reuniões da Comissão do Mercosul, o presidente ressalvou que as últimas conversas da comitiva foram bastante produtivas. Em especial, o deputado sublinhou os esforços conjuntos entre Brasil e Paraguai na binacional de Itaipu, cujo “novo ritmo” tem sido favorável a integração da região fronteiriça. As ações conjuntas na hidrelétrica são novidade, segundo Martins, e vêm num contexto de acelerada ligação entre os dois países. Uma nova ponte está sendo construída sobre o rio Paraná entre Foz do Iguaçu e Presidente Franco, no país vizinho, e será “bastante benéfica” tanto para a infraestrutura e escoamento e, principalmente, para a fiscalização. 
            No Marco das Três Fronteiras, Luiz Carlos Martins comentou as declarações do presidente argentino Alberto Fernández, em que o portenho afirmou que iria rever todos os acordos comerciais do Mercosul assinados com a Europa. Em meio à pandemia, a Argentina abandonou negociações do bloco para priorizar sua própria economia interna. Apesar disto, o deputado minimizou o distanciamento da Casa Rosada: “Fernández sabe que a Argentina depende do Brasil e que o Brasil depende da Argentina. Serão sempre parceiros apesar de rusgas eventuais”. Para Martins, as relações entre Brasília e Buenos Aires são tão fortes e necessárias que independem, inclusive, do Mercosul.
            Provocado pelo dado de que a China se tornou, no mês de abril, o maior parceiro comercial da Argentina – posto historicamente brasileiro – o radialista demostrou preocupação. Para ele, o governo chinês tem de alimentar 1,3 bilhão de pessoas e, no contexto da pandemia, a economia foi duramente afetada, notoriamente nos fluxos de importação e exportação. Em comparação com abril de 2019, a Argentina exportou 50% a mais para Pequim, em especial soja e carne bovina, o que corrobora a percepção de Martins sobre a busca chinesa para segurança alimentar num contexto econômico “bagunçado” pelo novo coronavírus. 
            O deputado lastimou as controvérsias nas quais “vozes do Palácio do Planalto” acusaram a China de inventar o Sars-Cov2 em laboratório e de se beneficiar geopoliticamente do espalhamento da covid-19. Quando se referiu genérica e implicitamente ao ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, Martins foi diretamente questionado sobre o tuíte racista de Weintraub que zombava a pronúncia dos chineses que falam português, comparando-os ao personagem Cebolinha da Turma da Mônica – de Maurício de Souza. Martins, então, não poupou palavras para criticar o ex-ministro: “fez muito mal para o Brasil”. Apesar de assegurar o direito de expressão de Weintraub, o deputado afirma que o bolsonarista, por satisfação meramente pessoal, pôs o país em risco e desconsiderou a política internacional. 
            Outra questão polêmica e sensível ao Brasil e ao Mercosul é a situação da Venezuela, suspensa do bloco desde 2016. A crise em Caracas afeta direta e especialmente o Estado do Paraná, mesmo que a mais de quatro mil quilômetros de distância. Curitiba é a quarta cidade brasileira que mais recebe imigrantes e refugiados venezuelanos e, para o deputado estadual, isto se deve a “grife” que a capital carrega internacionalmente. Os curitibanos, para ele, menosprezam o tamanho da fama que a cidade tem mundo a fora. Por isto, o radialista afirmou que sempre faz questão de pôr o nome de Curitiba destacado em todos os panfletos e anúncios publicitários da rede Banda B. 
            Luiz Carlos Martins se disse “espantado” com os recentes acenos da Casa Branca de Donald Trump ao presidente venezuelano Nicolás Maduro. “Antes, Maduro era o diabo e agora, de repente, virou um santo”, comentou presidente da Comissão do Mercosul sobre a possível reaproximação dos dois países. Trump vem construindo uma ponte de diálogo com o governo bolivariano e se distanciando do autoproclamado presidente Juan Guaidó, anteriormente apoiado e reconhecido por Washington. Martins, então, criticamente questiona qual vai ser a posição do Brasil em meio a este imbróglio: “e agora que apostamos todas as nossas fichas no Guaidó, junto com os EUA?”, comparando a situação de alinhamento brasileiro aos norte-americanos como no caso da cloroquina, hoje já desaconselhada nos Estados Unidos para o tratamento da covid-19. 
            Elencando os esforços, o experiente deputado lamenta as limitações institucionais da Comissão que preside: “queria que fôssemos muito mais atuantes, mas não temos como. Eu posso mandar dois deputados pra ouvir o governo paraguaio em Assunção, mas aí vão dizer que a Comissão foi feita só pra viajar”. A cúpula para assuntos internacionais tem uma fragmentação partidária bastante notável. Além do presidente do Progressistas, compõem as reuniões o vice-presidente pedetista Goura e os deputados Arilson Maroldi do PT, Galo do Podemos, Luiz Fernando Guerra do PSL, Mauro Moraes do PSD e Soldado Fruet do Pros. “Uma maravilha. Ali não tem confusão ideológica, todo mundo contribui”, avalia o presidente sobre a diversidade de sua comissão. Martins, inclusive, rasga elogios ao deputado Goura, de partidarismo completamente diferente: “ele ajuda muito e ainda vai percorrer todo o Mercosul de bicicleta”, disse em tom de brincadeira com o colega, famoso cicloativista do PDT. Neste sentido, a Comissão do Mercosul e Assuntos Internacionais se diferencia de outras comissões predominantemente ocupada por bancadas temáticas.  Na de Segurança Pública, por exemplo, figuram apenas deputados militares ou delegados, presididos pelo deputado Coronel Lee (PSL) e pelo vice Delegado Recalcatti (PSD). Luiz Carlos Martins comemora que sua comissão seja pluralizada, ainda mais por tratar de temas de abrangência internacional: “toda unanimidade é burra. É preciso divergência para progredir”. 
            Antes de desligar o telefone e encerrar a entrevista, o deputado se preparava para uma sessão virtual da Assembleia. Muito bem-humorado, contou causos de parlamentar que esqueceu o microfone aberto e falou o que não devia. “Quando vai começar a sessão fica todo mundo contando história. Cada um em casa, pela internet, acaba que todo mundo ri junto”. Apesar das dificuldades que a pandemia impõe a atividade legislativa, o deputado Luiz Carlos Martins parece otimista que, na retomada do parlamento e no reaquecimento das relações internacionais, a Comissão do Mercosul terá muito o que discutir no mundo pós-pandemia. 
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quarta-feira, 24 de junho de 2020

14 anos depois de estatizar água e saneamento, Argentina intervém na Vicentín, 4º maior exportadora de soja do país


    
    Na segunda-feira (08/06), o presidente argentino Alberto Fernández anunciou por decreto a intervenção federal na companhia agropecuária Vicentín, empresa de quase cem anos que negocia perto dos três bilhões de dólares anualmente. A quarta maior exportadora no mercado de oleaginosas e cereais do país, porém, tem dívida total estimada em US$ 1,3 bilhão, a maior parte dela – US$ 255 milhões – devida ao estatal Banco de la Nación Argentina. Em dezembro de 2019, Vicentín já havia declarado suspensão de pagamentos e convocou seus quase 3 mil credores para renegociações. Para além do imbróglio econômico e financeiro, a agroexportadora se vê imersa em investigações judiciais sobre operações de crédito. 
A principal justificativa de Fernández para a interferência estatal é o do resgate do emprego dos mais de dois mil funcionários da empresa em falência e dos quase três mil produtores desamparados. A ideia da Casa Rosada é de que a Vicentín se torne uma empresa mista, com 49% de capital privado e 51% de iniciativa estatal, evitando que a marca seja comprada por investimentos estrangeiros. Por mais que a intervenção desagrade o mercado financeiro mundial, como se trata de uma empresa argentina, não cabem processos em tribunais internacionais contra a decisão do executivo. A gerência agroindustrial da Vicentín passará para um braço da petroleira Yacimientos Petrolíferos Argentinos (YPF), reestatizada em 2012 pela então presidente Cristina Kirchner - hoje vice de Alberto Fernández. Algo parecido se passou nas empresas Agua y Saneamientos Argentinos (AySA) e Aerolíneas Argentinas nos recentes governos kirchneristas, de Néstor e Cristina.
Fundada em 1949 pela decisão do governo de fundir quatro empresas de aviação, a Aerolíneas se consolidou como maior companhia aérea argentina e a principal estatal do ramo nas Américas. Como empresa nacional, teve atuação fundamental na Guerra das Malvinas (1982) quando importou clandestinamente armas da África e do Oriente Médio para munir o Exército Argentino contra o Reino Unido no arquipélago austral. Foi privatizada na década de 90 pelo então presidente Carlos Menem, cujo chanceler Guido Di Tella pretendia manter “relações carnais” com os Estados Unidos. Dividida entre as companhias Ibéria e American Airlines, a Aerolíneas perdeu boa parte de seus voos internacionais e decaiu em qualidade. Abarrotada de dívidas que chegavam perto do bilhão de dólar, foi novamente reestatizada pela Casa Rosada de Cristina em 2008. Retomando os empregos e as rotas, a companhia bateu o recorde em 2017 de transportar quase 15 milhões de passageiros e, no ano seguinte, foi premiada como a melhor empresa aérea da América Latina pela Trevelers Choice Awards.
Anteriormente, Néstor Kirchner tratara de reverter a onda privatizadora dos anos 90. Em 2006, o peronista anunciou o término de contrato com a companhia Águas Argentinas – capitalizada por grupos franceses e espanhóis desde Menem – por descumprimento de acordos e déficit de qualidade. Surgiu então a AySA, empresa pública encargada do fornecimento de água potável e saneamento em Buenos Aires. Segundo pesquisa do jornal La Nación, de 1999, a cada dia cerca de mil portenhos viraram pobres entre 1998 e 1999. Enquanto isso, a concentração de renda argentina era de 53%, bem acima da média latino-americana. Na década de 90, com a privatização de água, luz, telefone, etc, as tarifas dos serviços custavam de 15 a 30 por cento mais caras em comparação internacional.
Ouvido pelo Blog Internacionalize-se, o sociólogo Bernardo Maresca observa que a ação do governo Fernández na Vicentín acompanha políticas contempladas na Alemanha e na França, que estatizam várias empresas que estimam estratégicas, e se afasta – apesar das críticas ideologizadas – do caso venezuelano. Maresca, que é Secretário Geral da Associação Argentina de Sociologia, lembra que a Vicentín participa de 9% da produção agrária exportada da Argentina e, caso não houvesse a intervenção, seria adquirida a preços vis por empresas estrangeiras seguramente associadas às dívidas e fraudes que anteriormente quebraram a empresa. 
Vicentín fora uma das maiores doadoras da campanha do ex-presidente Maurício Macri, derrotado por Alberto e Cristina nas eleições de 2019. Perguntado se há algo de revanchismo político na intervenção econômica, o presidente do Conselho de Profissionais de Sociologia na Argentina assegura que de nenhuma maneira deve se considerar a hipótese de vingança. Maresca ainda lembra há investigações sobre endividamentos milionários no mercado agrário concentrado ao final nas eleições, quando já se sabia que Macri não seria reeleito.
A tutela do governo argentino na economia não se dá somente por apropriação de grandes empresas. Em meio à pandemia do novo coronavírus, o Ministério do Desenvolvimento Social presta assistência direta a 11 milhões de famílias com subsídios e alimentos. Assim, as medidas de isolamento social vêm mostrando eficácia na Argentina. Com isto, a intervenção na Vicentín não afetará em nada a popularidade de Alberto Fernández, ressalta Bernardo Maresca, que duvida que haverá greves em favor de uma cúpula empresarial. Para o sociólogo, o presidente goza de apreço popular por ter tomado as medidas sanitárias adequadas frente a pandemia independentemente de critérios políticos. Relembrando a larga tradição de saúde e educação públicas na Argentina, o professor comenta os acordos sanitários de Fernández com Horacio Larreta, governador da cidade de Buenos Aires que é adversário político partidário do executivo federal. Maresca afirma que o absoluto contrário se passa no Brasil: Bolsonaro está mais próximo de critérios ditatoriais e apolíticos que de práticas democráticas.  
Os presidentes de Brasil e Argentina têm tomado decisões diametralmente distintas tanto no campo sanitário quanto no econômico. Provocado a comentar as frustradas intenções do governo brasileiro de vender a Embraer para a norte-americana Boeing, o egresso da Universidade de Buenos Aires metaforizou uma raposa tomando conta do galinheiro: “teria tudo para dar errado”. Maresca defende que a política deveria ser a governança da coisa pública, e não uma facilitadora da apropriação privada da riqueza comunitária. 
Mesmo com as políticas liberais do Ministro da Economia, Paulo Guedes, o Brasil chegou a ser preterido para entrada na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) pelos Estados Unidos, que deu preferência à Argentina, antes da posse de Alberto Fernández. Na América do Sul, Chile e Colômbia já fazem parte da organização conhecida como “clube dos países ricos”.  
A economia brasileira, mesmo com a quarentena afrouxada e com a maior parte do comércio funcionando, dá sinais de que irá sofrer recessões subsequentes e inéditas. A previsão do Banco Mundial é de que o PIB do país caia 8,0% em 2020. A Argentina, que adotou medidas muito mais drásticas no enfrentamento a covid-19 que o Brasil, prevê um recuo menor na economia, de 6,5%. Outro ineditismo foi a China passar o Brasil como maior parceiro comercial da Argentina. Buenos Aires exportou a Pequim, em abril, US$ 509 milhões. Grande parte deste montante advém da soja, produto carro-chefe da Vicentín. No mesmo período, as exportações argentinas para o Brasil caíram quase 60%. 
Enquanto o Brasil enterra diariamente mais do que o que país vizinho contabilizou de mortes totais na pandemia do novo coronavírus, o governo argentino – já distante ideológica e diplomaticamente do brasileiro – vai deixando claro que independe do histórico principal parceiro econômico e do financismo internacional para se reerguer. Bolsonaro manifestou vontade de vender a Embraer para outra empresa caso o negócio com a Boeing não se concretize. Alberto Fernández, por sua vez, garante que a intervenção na agroexportadora em concordata Vicentín é em vias de garantir a soberania alimentar argentina. 
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terça-feira, 23 de junho de 2020

Me indica um livro: Lua de Mel em Kobane, de Patrícia Campos Mello


Por Bruna Wosch*

Muitos já devem ter ouvido falar sobre o conflito na Síria, mas poucos sabem o seu contexto e os seus efeitos. Para tanto, a jornalista Patrícia Campos de Mello produziu uma obra bastante esclarecedora sobre a situação: Lua de Mel em Kobane. 
O título já nos remete a uma história romântica em meio ao conflito, entretanto não deve ser visto como um enredo simples com um final de felizes para sempre, como é de praxe dos romances. Trata-se de um ponto de partida utilizado pela autora para abordar o tema da guerra na Síria apresentando um lado pouco abordado pela mídia, a do povo curdo.
A obra explora diversas conjunturas: política, histórica e cultural, que orientam a compreensão dos acontecimentos na Síria com foco direcionado para a situação do povo curdo na região de Rojava.
Os protagonistas são um casal de curdos-sírios refugiados que se conhecem pela internet. Ele, Baran Iso, militante pela resistência da cultura curda, vivia na Turquia por medo da ditadura de Bashar al-Assad. Ela, Raushan, estudante de Direito em Alepo que passou a viver como refugiada na Rússia pouco antes dos conflitos políticos estourarem na Síria. 
Recém casados, eles retornam a Síria para junto de familiares estabelecer sua morada. Porém, diante do caos passam a divulgar ao mundo a situação dos curdos na região de Kobane, na busca por apoio e ajuda internacional.
Em breve resumo, a guerra na Síria teve início em 2011, quando uma onda de protestos recaiu sobre o país reivindicando a democracia, o pluripartidarismo, empregos e melhores condições de vida. Motivados pela Primavera Árabe, os movimentos populares se intensificaram em março de 2011, quando jovens foram presos e torturados por pichar um muro com conteúdo de ideias revolucionárias. A repressão violenta do Estado para com os manifestantes contribuiu para a revolta ganhar um aspecto mais agressivo.
Nesse contexto surgem diversos grupos, cada qual com sua ideologia, os principais envolvidos são: as forças armadas do Governo Sírio, leais ao ditador Bashar al-Assad, com o apoio russo e do partido libanês Hezbollah; os rebeldes composto de diversos grupos, que não se encontram unificados possuem apenas um objetivo em comum: a retirada do presidente do poder, sendo o grupo Exército Livre da Síria o maior composto por civis e militares; a Frente al-Nusra organização jihadista salafista que buscam estabelecer um estado islâmico no país, são contrários a força do governo sírio; os Curdos que reivindicam uma constituição do Curdistão, e a liberdade para a manifestação de sua cultura; as elites locais que possuem objetivos mais localizados; e o Estado Islâmico, que busca expandir o califado. Essa diversidade de interesses tornam a guerra civil da Síria um conflito complexo e longe de ter um final. Interpretações mais críticas sobre o conflito o definem como uma nova Guerra Fria, tendo em vista as influências e interesses divergentes das colisões internacionais, Rússia e EUA.  
Já a luta do povo Curdo se dá pela resistência de sua cultura. Após o final da Primeira Guerra Mundial a região do Curdistão fora dividido entre os países: Turquia, Irã, Reino Unido(Iraque) e a França(Síria), conforme o Tratado de Lausanne em 1923. Ocorre que, em países como a Síria, que adota o critério ius sanguinis para definir seus nacionais, não reconhece o povo curdo como pessoas de direitos no país. E portanto são reprimidos pelo Governo Sírio. 
Quando a atuação dos rebeldes se tronou mais violenta, o Governo Sírio precisou reestruturar estrategicamente as forças armadas o que culminou no abandono expressivo da força militar na região de Rojava. Situação essa aproveitada pelos extremistas do Estado Islâmico que buscam a expansão do califado.
A resistência do povo curdo pode contar com a ajuda do YPG(Unidade de proteção popular) ligada ao PYD(Partido da União Democrática) que controla no momento a região de Rojava. Este último filiado ao PKK(Partido dos Trabalhadores Curdos da Turquia). Unidos em prol da cultura curda buscam evitar situações como a limpeza étnica dos curdos no Iraque pelo Saddam Hussein, membro do Partido Baath. 
O grande desafio para os curdos no combate contra o Estado Islâmico era que este possui grande capacidade de operação e recursos. Num comparativo, uma briga entre Davi e Golias. O grupo é autossuficiente conseguindo financiamento com atividades variadas dentre elas: exploração de petróleo no território Sírio e iraquiano, sequestros, crowdfunding(levantamento de recursos através de redes sociais), contrabando de antiguidades, impostos, Jizya (taxa cobrada de Cristãos para que não sejam mortos por não serem mulçumanos), tráfico humano(venda de mulheres) etc. Por fim, a intervenção de forças armadas dos EUA na região de Rojava contribuiu significativamente para que o EI retrocedesse. 
A autora explica que o gatilho que a inspirou a escrever o livro fora a repercussão da chocante imagem de Aylan Kurdi, menino sírio-curdo de três anos encontrado afogado no Mar Mediterrâneo. A família de Kurdi tinha fugido da cidade de Kobane que estava sitiado pelo Estado Islâmico, com o objetivo de chegar no Canadá onde tinham parentes. Assim como muitos refugiados sírios a imigração ilegal tornou-se uma alternativa para fugir da guerra e conseguir uma condição melhor de vida. Muitos não têm ideia do perigo ou tendo se arriscam na travessia do Mar Mediterrâneo com a ajuda dos atravessadores. Os coyotes, como são conhecidos, abordam refugiados com a promessa de travessia para a Europa. Boa parte dessas viagens são realizadas durante a noite em botes infláveis superlotados, o risco de afundar é altíssimo e não há colete salva-vidas para todos. O problema da imigração ilegal já era visto por muitos países europeus, mas a situação fora agravada pelo conflito na Síria.
O livro é excelente, possui uma abordagem diferente evitando uma leitura monótona sobre o conflito. Após a explicação de cada contexto a autora acrescenta os relatos por ela capturados em sua viagem a Rojava. São situações variadas vividas pelos habitantes da região e quando encaixados as informações expostas no livro reforçam o discurso do texto, aproximando o leitor de uma situação vivida. Tal estratégia busca afastar a impressão superficial de uma informação que foge a nossa realidade e busca uma maior sensibilidade do leitor pela situação exposta.
Espero que o conteúdo do livro possa expandir seus conhecimentos sobre a Guerra na Síria assim como para mim mostrou uma outra realidade.

Referências:

*Bruna Wosch é egressa do Curso de Direito do Unicuritiba, Advogada(OAB/PR 100.727) e membro do Grupos de Pesquisa "Direito Migratório, em Curitiba, no Brasil e no Mundo".
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segunda-feira, 22 de junho de 2020

Redação Internacional: o Brasil nas manchetes do mundo na semana de 14/06 a 21/06

                                          

Por Fernando Yazbek

            Em uma semana agitada na política nacional, os mais de um milhão de infectados pelo novo coronavírus quase não foram notícia. Com flagrante subnotificação de casos e de mortes, o país chegou à marca dos sete dígitos na última sexta-feira (19/06) e vai passando das 50 mil fatalidades pela covid-19. Enquanto isto, Brasília segue sem um ministro da Saúde há mais de mês e, agora, também sem chefe na pasta educacional. Os bastidores da capital federal já davam como certa a saída de Abraham Weintraub da Esplanada dos Ministérios desde que o cerco dos inquéritos sobre fakenews e ameaças ao Poder Judiciário se espreitou no agora ex-ministro. Demitido no mesmo dia em que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos), Fabrício Queiroz, foi preso em Atibaia – interior de São Paulo – na casa do advogado da família presidencial, Weintraub se despediu do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em um vídeo no qual avisava sua ida ao Banco Mundial. Antes deste anúncio, se ventilava a possibilidade de que o desgastado ministro assumiria um posto diplomático em Lisboa quando deixasse a Educação. 

        E a mídia portuguesa não viu a possível indicação com bons olhos. O Diário de Notícias lembrou que Weintraub “acumula gafes” e é tido no meio jornalístico e acadêmico como o “pior ministro da história”. O jornal citou o editorial da Folha de São Paulo que o classificava como um “jagunço do bolsonarismo que envergonha a pasta” [de educação]. Trazendo depoimentos de eurodeputados portugueses, o Diáriorepercute falas de que “Portugal não é caixote de lixo do bolsonarismo”. A matéria relembra ainda os inúmeros erros gramaticais do mandatário do MEC, suas ligações com manifestações antidemocráticas milicianas e seus erros geopolíticos ao atacar a China em tom claramente xenófobo. 


         Weintraub chegou ao estado norte-americano da Flórida já neste sábado (20/06), depois de manifestar pressa em sair do Brasil em face das investigações que correm contra ele no Supremo Tribunal Federal. Tendo seu nome indicado para o cargo de diretor-executivo do Banco Mundial, o ex-ministro embarcou para os EUA com passaporte diplomático do executivo federal e só foi desvinculado do governo por edição extra do Diário Oficial quando já estava em solo estadunidense. O jornal Miami Herald noticiou a tragédia brasileira da marca do milhão de infectados comentando que o presidente Bolsonaro “ainda menospreza os riscos do vírus”, isto “apesar das mais de 50 mil mortes”. Para o Miami, destino primeiro de Weintraub, a ala ideológica do governo brasileiro insiste que o impacto do distanciamento social na economia “é pior que a própria doença”. O jornal alerta que cidades brasileiras onde o contágio estava controlado, como Porto Alegre, agora sofrem com a escalada da epidemia e com as lotações dos leitos de UTI. 

       Já Curitiba foi destaque negativo na versão em português do espanhol El País. A capital paranaense que tinha a situação estável no início do mês de maio e adotaria o “modelo sueco” de reabertura, segundo o prefeito Rafael Greca (DEM), teve seu risco de alerta aumentado de moderado para médio nas últimas semanas. Na cidade, são cinco mortes atribuídas a causas respiratórias para uma de covid-19, aponta o El País como provável sintoma de subnotificação curitibana, que vê seu Hospital do Trabalhador com 88% dos leitos ocupados. 

         Em castelhano, o El País destacou a saída “sem sobressaltos” do ministro Weintraub como a quarta baixa ministerial durante a pandemia, sendo a décima segunda troca na Esplanada. Em tom crítico, o jornal sublinha que, antes de deixar o cargo, o então ministro revogou decretos aprovados em 2016, ainda na presidência de Dilma Rousseff, que regulamentavam cotas para negros, indígenas e deficientes para vagas em pós-graduações nas universidades federais. 

            Mas o juízo feito pela mídia espanhola ao Brasil veio em artigo de opinião intitulado “Camisa de força”, na segunda-feira (15/06) no mesmo jornal. Nele, lê-se que “nada de bom poderia ter saído da união de um capitão desequilibrado e um charlatão fisiológico”, em referência a chapa presidenciável Jair Bolsonaro e seu vice General Hamilton Mourão (PRTB). Mais a frente, a aliança do presidente com o eleitorado evangélico é chamada de “patológica” e as reformas ultraliberais e moralistas, que seguem os ensinamentos de Olavo de Carvalho, são tidas como “paranoicas”. O artigo conclui que Bolsonaro vestiu a “camisa de força” da democracia e leva o Brasil ao mesmo destino de Nicarágua, Venezuela e da antiga República de Weimar, um século atrás na Alemanha. 

        A mídia alemã, por sua vez, utilizou-se do argumento da congressista socialdemocrata europeia Delara Burkhardt de que “o desmatamento na Amazônia não é apenas um assunto brasileiro” para repercutir a estratégia da Comissão Europeia de barrar que produtos de origem no desmatamento cheguem no mercado do continente. Os deputados do órgão executivo da União Europeia acusaram o governo brasileiro de “explorar a pandemia para fazer avançar o desmatamento na Amazônia e privar os povos indígenas de seu habitat”, deu a Deutsche Welle. 

            Ainda na emissora internacional alemã, o Brasil foi notícia por se posicionar contra a criação de uma comissão de inquérito internacional para investigar abusos e violência policial contra a população negra nos Estados Unidos. A decisão veio em uma reunião extraordinária do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, da ONU. O argumento brasileiro é de que “o problema do racismo não é exclusivo de uma região específica”. Com este alinhamento a Washington, Brasília se afastou de todas as nações africanas que se uniram no projeto de resolução pedindo uma comissão de inquérito internacional antirracismo. 

          A prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do Senador Flávio Bolsonaro quando então Deputado Estadual fluminense, também repercutiu na mídia estrangeira. O nova-iorquino Bloomberg avalia que vários aliados do presidente Bolsonaro têm enfrentado semanas difíceis em investigações contra corrupção e notícias falsas. Queiroz é um “amigo de longa data” da família presidencial, lembra a rede de televisão americana, citando que foram vistos juntos “pescando, comendo churrasco e na praia”. 

     Costumeiro crítico do governo brasileiro, o inglês The Guardian faz detalhada apresentação do esquema das “rachadinhas” pelo qual pairam acusações contra Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro. A matéria também conecta o ex-deputado estadual a membros do “notório esquadrão da morte mais letal” do Rio de Janeiro: a milícia Escritório do Crime. Guardian, fazendo um apanhado da repercussão na mídia brasileira, percebe que até sites “conservadores” como O Antagonista apontam o caso como bastante preocupante para o governo, uma vez que Queiroz foi preso em propriedade do advogado da família Bolsonaro. 

        O The New York Times, em letras garrafais, deu que o Brasil “pode virar o país com maior número de mortes pela covid-19” já no mês de julho, ultrapassando os Estados Unidos. O artigo traz a cronologia do vírus no país, demonstrando como alcançou-se um nível tão alto de contágio e o que as autoridades têm feito para frear o surto. Com a repercussão política da pandemia, Times enxerga que a responsabilização da crise só não caiu inteiramente no colo do presidente Bolsonaro por causa das reiteradas “ameaças de intervenção militar” para proteger seu grupo no poder.

            O polêmico retorno do futebol brasileiro foi pauta no La Nacion. O jogo no Maracanã vazio entre Flamengo e Bangu, vencido por 3 a zero pelos rubro-negros, foi a primeira partida oficial em quase 3 meses em toda a América do Sul, lembrou o periódico argentino, justamente no país latino mais afetado pela pandemia. O jornal questiona a razoabilidade da volta dos jogos, ainda mais num estádio onde funciona, há poucos metros de distância, um hospital de campanha onde morreram duas pessoas somente nos 90 minutos da partida.
            La Nacion faz um recorrido dos últimos acenos de proximidade entre o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, com Jair Bolsonaro. O “clube mais popular da cidade”, assim como o governo federal, tem rusgas com a Rede Globo, detentora dos direitos de transmissão do Campeonato Carioca. A reportagem destaca que torcedores rivais de Flamengo, Botafogo, Vasco e Fluminense protestaram unidos e pacificamente contra a retomada do calendário esportivo em uníssona desaprovação ao presidente da República.

       Atenuando a radical mudança no eixo diplomático, o Brasil foi o único país sul-americano a votar contra resolução na ONU que reconhece o direito internacional em territórios Palestinos e condena a violência por forças ocupantes sionistas. Além do Brasil, apenas outros oito países foram contrários ao documento. 
Ao mesmo tempo, o Brasil ganhou manchete no israelense The Jerusalem Post pelo pastor que teria pregado um “novo holocausto” proferindo insultos antissemitas durante um sermão no Rio de Janeiro. 

         O Brasil vai entrando no solstício de inverno com aliados presidenciais exilados e presos, de Weintraub e Queiroz a Sara Winter. Colecionando desprestígio na mídia e nas organizações internacionais, um milhão de brasileiros doentes não são o foco de um país que, abarrotado de inimigos e intrigas, não tem tempo de cuidar do seu povo. 



Referências:
ANDREONI, Manuela. Coronavirus in Brazil: what you need to know. The New York Times, 20 jun. 2020. Disponível em <https://www.nytimes.com/article/brazil-coronavirus-cases.html?searchResultPosition=1>
AZNÁREZ, Juan J. Camisa de Fuerza. El País, Madri, 15 jun. 2020. Disponível em <https://elpais.com/opinion/2020-06-15/camisa-de-fuerza.html>
BRASIL se posiciona contra inquérito da ONU sobre violência policial nos EUA. Deutshce Welle, 18 jun. 2020. Disponível em <https://www.dw.com/pt-br/brasil-se-posiciona-contra-inquérito-da-onu-sobre-violência-policial-nos-eua/a-53856798>
CHADE, Jamil. Contra palestinos, Brasil apoia Israel em voto na ONU. UOL, 19 jun. 2020. Disponível em <<https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/06/19/contra-palestinos-brasil-apoia-israel-em-voto-na-onu.htm>>
EL fútbol volvió em Brasil com polémica y a pocos metros de um hospital de campaña. La Nacion, Rio de Janeiro, 18 jun. 2020. Disponível em <https://www.lanacion.com.ar/deportes/futbol/el-futbol-volvio-brasil-polemica-pocos-metros-nid2382287>
IGLESIAS, Simone. Former Aide to Bolsonaro’s Son Arrested in Brazil Probe. Bloomberg, 18 jun. 2020. Disponível em <https://www.bloomberg.com/news/articles/2020-06-18/former-aide-to-bolsonaro-s-son-arrested-in-brazil-investigation>
LIPHSHIZ, Canaan. Brazilian pastor and congregants pray for another holocaust. The Jerusalem Post, Jerusalém, 20 jun. 2020. Disponível em <https://www.jpost.com/diaspora/antisemitism/brazilian-pastor-and-congregants-pray-for-another-holocaust-632138>
MOREIRA, João A. “Pior ministro de Bolsonaro” pode estar a caminho de cargo em Portugal. Diário de Notícias, São Paulo, 17 jun. 2020. Disponível em <https://www.dn.pt/mundo/pior-ministro-de-bolsonaro-pode-estar-a-caminho-de-cargo-em-portugal--12322472.html
OLIVEIRA, Joana. Dimite el ministro brasileño de Educación, que instó a enviar a la cárcel a los jueces del Supremo. El País, São Paulo, 18 jun. 2020. Disponível em <https://elpais.com/internacional/2020-06-18/dimite-el-ministro-brasileno-de-educacion-que-insto-a-enviar-a-la-carcel-a-los-jueces-del-supremo.html>
PHILLIPS, Tom. Brazilian police arrest Bolsonaro ally in corruption inquiry. The Guardian, Rio de Janeiro, 18 jun. 2020. Disponível em <https://www.theguardian.com/world/2020/jun/18/brazilian-police-arrest-bolsonaro-ally-in-corruption-inquiry>
RUPP, Isadora. Estratégia “sueca” falha e Curitiba volta a fechar bares e parques para frear coronavírus. El País, Curitiba, 15 jun. 2020. Disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-15/estrategia-sueca-falha-e-curitiba-volta-a-fechar-bares-e-parques-para-frear-coronavirus.html>
SAVARESE, Mauricio. Brazil tops 1 million cases as coronavirus spreads inland. Miami Herald, São Paulo, 19 jun. 2020. Disponível em <https://www.miamiherald.com/news/article243676512.html>
UE quer boicote a produtos de áreas desmatas. Deutsche Welle, 19 jun. 2020. Disponível em <https://www.dw.com/pt-br/ue-quer-boicote-a-produtos-de-áreas-desmatadas/a-53875332>
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sábado, 20 de junho de 2020

Dia Mundial do Refugiado - por que esta data é tão importante?



Desde 2001, o Dia do Refugiado é comemorado ao redor do mundo no dia 20 de junho - data em que foi celebrado o aniversário de 50 anos da Convenção das Nações Unidas Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Esse tratado definiu quem era o refugiado, além dos deveres e direitos entre essas pessoas e os países que as acolhem. Mesmo sendo criado para resolver o cenário dos refugiados na Europa após a Segunda Guerra Mundial, a Convenção permanece, até hoje, sendo o principal pilar da proteção aos refugiados. 
Portanto, quem são essas pessoas e por que elas partem de seus países de origem? De acordo com a própria Convenção, "são refugiados as pessoas que se encontram fora do seu país por causa de fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais, e que não possa (ou não queira) voltar para casa".  Conceituar o refugiado é um ato relativamente novo, mesmo que a sua prática não o seja. Há registros escritos há 3.500 anos de acolhimento e proteção a estrangeiros, durante o crescimento de grandes impérios do Oriente Médio. Ainda que naquela época, os motivos pudessem ser ligeiramente diferentes dos atuais, o medo sempre acompanhou os refugiados, do momento em que decidem sair de seu país e até mesmo depois de chegarem em outro território, uma vez que não há garantia de que serão tratados com dignidade em determinados países. 
Celebrar o dia 20 de junho é celebrar a força e a coragem dos que encontraram determinação para buscar uma vida melhor, muitas vezes em um lugar inteiramente diferente daquele com que estavam acostumados. Sua perseverança deve ser sempre admirada - os obstáculos no caminho não são poucos e não são raras as vezes em que a morte encontra pessoas antes que elas pudessem encontrar um lugar seguro para viver. Uma saída forçada de seu lar sempre terá motivos que não cabe a nós questionar. Nosso dever, ao receber refugiados, é abrigar e acolher, além de sempre lutar por melhores condições e direitos para quem não os tem. 
Todos os anos, para comemorar esse dias, a ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - promove eventos ao longo do mês, como mostras de cinema, debates, exposições fotográficas e experiências gastronômicas, com o objetivo de integrar os refugiados na sua atual sociedade. Além disso, há também iniciativas independentes, porém com o mesmo objetivo: a integração. No ano de 2019, aconteceu a Copa dos Refugiados em diversas cidades brasileiras. O evento reúne, integra e confraterniza os refugiados de diferentes países, trazendo visibilidade para a causa. Em junho do mesmo ano, o grupo de extensão De Portas Abertas para o Mundo realizou, em Curitiba, uma festa cultural que contou com apresentações artísticas, como poesia, músicas e danças.
Neste ano de 2020, por conta da pandemia que assola o mundo inteiro, os eventos ficarão no ambiente online. A ACNUR promoverá lives com diferentes atividades artísticas e de lazer com a população refugiada, para reforçar o tema global: “Todos podem fazer a diferença: cada ação é importante”, mas sem esquecer das complicações que o Covid-19 trouxe. Confira os eventos através do link: https://www.acnur.org/portugues/diadorefugiado/. 

Referências
CONVENÇÃO de 1951. ACNUR. Disponível em: <https://www.acnur.org/portugues/convencao-de-1951/>.
REFÚGIO no mundo. IKMR. Disponível em: <http://www.ikmr.org.br/refugio/refugio-no-mundo/.
Dia Mundial do Refugiado celebra integração, promove cultura e debate os desafios do refúgio no Brasil. Nações Unidas Brasil. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/dia-mundial-do-refugiado-celebra-integracao-promove-cultura-e-debate-os-desafios-do-refugio-no-brasil/>.
Acontece no UNICURITIBA: Grupo de Extensão "De Portas Abertas para o Mundo" realiza evento para celebrar o Dia Mundial do Refugiado. Blog Internacionalize-se. Disponível em: <https://internacionalizese.blogspot.com/2019/07/acontece-no-unicuritiba-grupo-de.html>.
Em Pauta: Copa dos Refugiados acontecerá esta semana em Curitiba. Blog Internacionalize-se. Disponível em: <https://internacionalizese.blogspot.com/2019/09/em-pauta-copa-dos-refugiados-acontecera.html>.
Dia Mundial do Refugiado 2020. ACNUR. Disponível em: <https://www.acnur.org/portugues/diadorefugiado/>.
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quarta-feira, 17 de junho de 2020

Comércio Internacional e Coronavírus: As influências mútuas entre Comércio e Direitos Humanos

  


  Junho começa e, ao invés das tradicionais festas juninas, trás mais um mês de situação pandêmica ao redor do mundo. A este ponto, diversos países iniciam as primeiras fases de reabertura de fronteiras e comerciais. Outros, como o Brasil, lidam com uma crescente taxa de mortes relacionadas ao COVID-19. Mesmo com a inicial reabertura em algumas partes do mundo, algumas das desastrosas previsões econômicas e comerciais começam a virar realidade. Em especial, o comércio internacional sofre com altas instabilidades, com a continuidade da guerra comercial entre Estados Unidos e China e com o anúncio da saída do Diretor Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, um ano antes do previsto. 

  Quando se discutem estes efeitos comerciais causados pela pandemia, eles estão sempre relacionados às estatísticas de perda, aos pontos percentuais de queda do PIB, aos índices de produtos não importados e a taxa de aumento de moedas. Mas a questão econômica não figura como conjunto unitário. Os debates comerciais em muito influenciam os recursos nacionais disponíveis a preservação dos Direitos Humanos. Em tempos de Coronavírus, diversas das operações e medidas comerciais sendo tomadas tem por motivação a saúde da população, da mesma forma que os insumos necessários ao combate a pandemia dependem de decisões comerciais dos Estados. 

  Neste momento, em especial, nota-se a interferência comercial de diversos países ao acesso a saúde de outros. Os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que lida com o maior número de mortos por Coronavírus do mundo, é acusado por Cuba de interferir na obtenção de respiradores e medicamentos para o tratamento dos infectados da ilha. De acordo com representantes de Cuba, a corporação americana que recentemente adquiriu as empresas fornecedoras de materiais médicos cortou relações comerciais com o país. Não só isso, os embargos estadunidense impediram que doações de máscaras e outros suprimentos chegasse até a ilha. Frente a este embargo, a ilha, que desde o começo da pandemia vem enviado profissionais médicos à Itália para prestar auxílio, vê como alternativa investir maiores quantidades de dinheiro para conseguir os suprimentos necessários da China. 

  Ainda singrando nos mares do imperialismo norte-americano, a tentativa de supremacia comercial de Donald Trump levou o país a continuar com as sanções contra o Irã, que, em março, tinha o terceiro maior número de mortos por conta da pandemia. Em entrevista, o Ministro das Relações Exteriores do Irã afirmou que o impedimento da compra de medicamentos e equipamentos durante a alta do número de mortos, pode ser considerado um terrorismo médico e um crime contra a humanidade. 

  Já os estados brasileiros, para evitar com que um carregamento de máscaras e outros equipamentos vindo da China fossem retidos pelos EUA como já havia acontecido antes, alteraram as rotas de importação, fazendo com que a mercadoria passasse pela Etiópia antes de chegar no Brasil. Contudo, vale lembrar que essa manobra de alguns governadores está sob investigação da Polícia Federal, por alegadamente ter violado normas fiscais. 

  Uma outra mudança feita no comércio brasileiro por conta da preservação da saúde e do combate a pandemia teve relação com a aplicação de impostos. A Camex, Câmara de Comércio Exterior, reduziu a zero os impostos de importação, ou seja, os impostos aplicados quando da entrada do produto em território nacional, de mais de 80 tipos de medicamentos. 

 Mais que números e índices, o Comércio Internacional vem recebido influências dos Direitos Humanos, na mesma medida que o influencia. Ocorre que por vezes essa interação pode ser nociva, acarretando em prejuízos tanto econômicos quanto sociais. Cabe então, a promoção de um equilíbrio entre estas duas interações, afim inclusive de atingir objetivos estabelecidos pela comunidade internacional, como a maior interação comercial promovida pela OMC e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. 

  Sobre a interação e influencia entre economia e Direitos Humanos, em especial o direito à saúde, a Professora do UniCuritiba, Doutora em Direito das Relações Econômicas Internacionais e delegada da diplomacia civil da OMC, Priscila Caneparo, fez a seguinte contribuição: 

                ESCOLHA DE SOFIA EM TEMPOS DE PANDEMIA
Saúde e economia, no mesmo palco, de mãos dadas. Organização Mundial da Saúde, atipicamente, apresentando diretrizes de caráter econômico. Organização Mundial do Comércio com o trabalho voltado aos temas pertinentes ao COVID-19. Se outrora havia um embate entre estas duas temáticas, hoje vislumbramos caminharem sob o mesmo sol, lado a lado. Se há algo de positivo frente ao cenário hodierno, sem sombra de dúvidas, será o fim da compartimentação da atuação das Organizações Internacionais, em um contexto de sociedade internacional. Não obstante, como estão os Estados a orquestrar estes instrumentos?
Estímulos fiscais e financeiros estão reacendendo suas chamas para possibilitar com que haja uma adequação da realidade frente ao isolamento e lockdown. Exemplos não faltam: o Federal Reserve (FED), banco central dos EUA, reduziu as taxas de juros de maneira significativa, bem como o Congresso norte-americano aprovou um pacote de estímulo de US$ 2 trilhões (albergando, aí, uma ajuda de US$ 500 bilhões para as indústrias e US$ 3 milhões para as famílias norte-americanas); do outro lado do Atlântico – não tratando, aqui, de casuísmos -, a Zona do Euro adotou diversas medidas, tais como: incremento do programa de compra de ativos, flexibilização quantitativa, corte de taxa de juros e suspensão dos limites dos empréstimos do governo da União Europeia – para citar algumas. China, epicentro econômico, veio, por intermédio de seu Banco Popular, reduzir a taxa de empréstimo de um ano; oferecimento de financiamento para empresas de pequeno e médio porte; possível liberação de trilhões de iuanes em estímulo fiscal. Tudo isso – frise-se – conjugado à melhoria do sistema de saúde e medidas de enfrentamento da pandemia que não irá embora com o sol primaveril. 
Em contrapartida, nos Estados do Sul (leia-se, mundo em desenvolvimento e em menor desenvolvimento) junto com outono, chegou a conta da pandemia: não há sistema de saúde apto a absorver a demanda, nem robustez econômica para aguentar os dias cinzas de lockdown que ocorreram naqueles outros supracitados. Pegando como exemplo o caso brasileiro: o Banco Central reduziu as taxas de juros, adotou-se novas regras para facilitação de empréstimos maiores e em melhores condições às famílias e empresas e um programa de R$ 150 bilhões para auxílio das parcelas mais vulneráveis. Não obstante, no caso brasileiro, bem como na maior parte daqueles últimos Estados, as medidas são imediatistas e repletas de burocracias – vide o exemplo da pessoa ter que estar com seu CPF em dia para retirar o auxílio de R$ 600 reais disponibilizados pelo governo federal. Ora, é inegável que isto gera um custo para o enfrentamento da pandemia ainda maior: tem como impor medida de isolamento a uma pessoa com fome ou vendo seus filhos subnutridos? Há, de fato, em alguns Estados, escolhas trágicas: preserva-se imediatamente a saúde, como fim nela própria -, ou conserva-se, ainda que precariamente, os empregos e as fontes de renda como medita assecuratória mediata à saúde? 
Não há resposta pronta e acabada, mas algo é certo, ainda que frente ao comércio e ao sistema econômico internacional: os direitos humanos não podem ser negligenciados em tempos de crise (António Guterres) – e o check and balances dependerá de cada política interna. “

REFERÊNCIAS PRISCILA:
IPEA. Comércio exterior, política comercial e investimentos estrangeiros: considerações preliminares sobre os impactos da crise do Covid-19. Carta de Conjuntura, n. 47. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/wp-content/uploads/2020/04/CC47_NT_Com%C3%A9rcio-externo-Covid-19_02.pdf>
NEWS archive: COVID-19 and world trade. World Trade Organization Website. Disponível em: <https://www.wto.org/english/news_e/archive_e/covid_arc_e.htm>
RECENT Developments. Board of Governors of the Federal reserve System Website. Disponível em: < https://www.federalreserve.gov/  >
European Central Bank Website. Disponível em: <https://www.ecb.europa.eu/ecb/html/index.en.html> 
SECRETÁRIO-GERAL alerta para crise de direitos humanos causada por pandemia. ONU News. 23 abril 2020. Disponível em: < https://news.un.org/pt/story/2020/04/1711382>
The Central Bank of the People’s Republic of China Website. Disponível em: <http://www.pbc.gov.cn/en/3688006/index.html>
VEJA medidas políticas e econômicas de países em resposta à pandemia. Agência Brasil. 25 mar 2020. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2020-03/veja-medidas-politicas-e-economicas-de-paises-em-resposta-pandemia>



REFERÊNCIAS M. LETÍCIA: 
A diplomacia paralela da compra de respiradores pelo Maranhão. Nexo Jornal. 21 abr. 2020. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/04/21/A-diplomacia-paralela-da-compra-de-respiradores-pelo-Maranhão >
COMO China e EUA acirram tensões na pandemia. Nexo Jornal. 18 maio 2020. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/05/18/Como-China-e-EUA-acirram-tensões-na-pandemia>
CORONAVÍRUS: corrida pela cura da Covid-19. Veja Saúde. 16 maio 2020. Disponível em: <https://saude.abril.com.br/medicina/a-corrida-pela-cura-da-covid-19/>
CORONAVÍRUS: EUA ampliam sanções contra Irã mesmo com pandemia. Veja. 20 mar. 2020. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/mundo/coronavirus-eua-ampliam-sancoes-contra-o-ira-mesmo-com-pandemia/>
CUBA acusa os EUA de impeder suas compras de medicamentos e respiradores. El País. 14 abril 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/internacional/2020-04-14/cuba-acusa-os-eua-de-impedir-suas-compras-de-medicamentos-e-respiradores.html>
DG Azevêdo announces he will step down on 31 August. World Trade Organization Website. 14 maio 2020. Disponível em:< https://www.wto.org/english/news_e/news20_e/dgra_14may20_e.htm> 
EMBARGO dos EUA impede envio de máscaras e testes de coronavírus para Cuba. Uol Notícias. 02 abril 2020. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2020/04/02/embargo-dos-eua-impede-envio-de-mascaras-e-testes-de-coronavirus-para-cuba.htm>
EUA fazem ‘terrorismo médico’e impedem resposta eficaz à pandemia, diz chanceler do Irã. Folha de S. Paulo. 20 mar. 2020. Disponível em:<  https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/03/eua-fazem-terrorismo-medico-e-impedem-resposta-eficaz-a-pandemia-diz-chanceler-do-ira.shtml>
GOVERNO Federal totaliza 509 produtos com Imposto de Importação zerado. Governo Federal. 18 maio 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2020/maio/governo-federal-totaliza-509-produtos-com-imposto-de-importacao-zerado>
IMPORT tax on medical products reduced to zero. Brazil-Arab News Agency. 26 mar 2020. Disponível em: < https://anba.com.br/en/import-tax-for-medical-products-reduced-to-zero/
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