Por Fernando Yazbek
Luiz Carlos Martins foi primeiramente eleito deputado estadual em 1990, dois anos depois de se eleger vereador por Curitiba com quase 14 mil votos. Foi reeleito para a Assembleia por mais três vezes até 2006, quando angariou a confiança de 54 mil eleitores paranaenses. Teve um pequeno hiato nas eleições de 2010, ano em que ficou como suplente, mas foi novamente alçado parlamentar nos pleitos de 2014 e 2018.
Antes de se consolidar como um deputado no oitavo mandato, Martins, hoje aos 71 anos, passou a infância e juventude pelos interiores de São Paulo e Paraná. Paulista de Bilac, o radialista teve seu primeiro contato com os microfones ainda aos 17 anos em Birigui, no noroeste do estado. Em 1977, trouxe sua voz a Curitiba, cidade que ouve desde então os famosos bordões da “grande voz” da Rádio Banda B.
Na vida político-partidária, Luiz Carlos Martins ajudou a fundar o Partido Social Democrático (PSD) no Paraná, em 2013. Cinco anos depois, Martins foi para o Progressistas (PP) a convite do ex-ministro da Saúde Ricardo Barros e de sua mulher, a então vice-governadora Cida Borghetti – que concorreria ao Palácio do Iguaçu contra o atual governador, do PSD, Ratinho Júnior. Cabe ao radialista a presidência da Comissão do Mercosul e Assuntos Internacionais da Assembleia Legislativa desde a saída da deputada Maria Victoria (PP), filha de Ricardo Barros e Cida Borghetti.
Por telefone, o deputado estadual conversou com o Blog Internacionalize-se antes de uma das sessões plenárias remotas da Assembleia. Comentou, na sua voz inconfundível, os impactos da pandemia do novo coronavírus na atividade parlamentar, os acordos entre Mercosul e União Europeia, as relações da China com a América do Sul, a suspensão da Venezuela e a política externa do governo federal brasileiro.
Lamentando que desde a suspensão das atividades presenciais do parlamento paranaense não houve mais reuniões da Comissão do Mercosul, o presidente ressalvou que as últimas conversas da comitiva foram bastante produtivas. Em especial, o deputado sublinhou os esforços conjuntos entre Brasil e Paraguai na binacional de Itaipu, cujo “novo ritmo” tem sido favorável a integração da região fronteiriça. As ações conjuntas na hidrelétrica são novidade, segundo Martins, e vêm num contexto de acelerada ligação entre os dois países. Uma nova ponte está sendo construída sobre o rio Paraná entre Foz do Iguaçu e Presidente Franco, no país vizinho, e será “bastante benéfica” tanto para a infraestrutura e escoamento e, principalmente, para a fiscalização.
No Marco das Três Fronteiras, Luiz Carlos Martins comentou as declarações do presidente argentino Alberto Fernández, em que o portenho afirmou que iria rever todos os acordos comerciais do Mercosul assinados com a Europa. Em meio à pandemia, a Argentina abandonou negociações do bloco para priorizar sua própria economia interna. Apesar disto, o deputado minimizou o distanciamento da Casa Rosada: “Fernández sabe que a Argentina depende do Brasil e que o Brasil depende da Argentina. Serão sempre parceiros apesar de rusgas eventuais”. Para Martins, as relações entre Brasília e Buenos Aires são tão fortes e necessárias que independem, inclusive, do Mercosul.
Provocado pelo dado de que a China se tornou, no mês de abril, o maior parceiro comercial da Argentina – posto historicamente brasileiro – o radialista demostrou preocupação. Para ele, o governo chinês tem de alimentar 1,3 bilhão de pessoas e, no contexto da pandemia, a economia foi duramente afetada, notoriamente nos fluxos de importação e exportação. Em comparação com abril de 2019, a Argentina exportou 50% a mais para Pequim, em especial soja e carne bovina, o que corrobora a percepção de Martins sobre a busca chinesa para segurança alimentar num contexto econômico “bagunçado” pelo novo coronavírus.
O deputado lastimou as controvérsias nas quais “vozes do Palácio do Planalto” acusaram a China de inventar o Sars-Cov2 em laboratório e de se beneficiar geopoliticamente do espalhamento da covid-19. Quando se referiu genérica e implicitamente ao ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, Martins foi diretamente questionado sobre o tuíte racista de Weintraub que zombava a pronúncia dos chineses que falam português, comparando-os ao personagem Cebolinha da Turma da Mônica – de Maurício de Souza. Martins, então, não poupou palavras para criticar o ex-ministro: “fez muito mal para o Brasil”. Apesar de assegurar o direito de expressão de Weintraub, o deputado afirma que o bolsonarista, por satisfação meramente pessoal, pôs o país em risco e desconsiderou a política internacional.
Outra questão polêmica e sensível ao Brasil e ao Mercosul é a situação da Venezuela, suspensa do bloco desde 2016. A crise em Caracas afeta direta e especialmente o Estado do Paraná, mesmo que a mais de quatro mil quilômetros de distância. Curitiba é a quarta cidade brasileira que mais recebe imigrantes e refugiados venezuelanos e, para o deputado estadual, isto se deve a “grife” que a capital carrega internacionalmente. Os curitibanos, para ele, menosprezam o tamanho da fama que a cidade tem mundo a fora. Por isto, o radialista afirmou que sempre faz questão de pôr o nome de Curitiba destacado em todos os panfletos e anúncios publicitários da rede Banda B.
Luiz Carlos Martins se disse “espantado” com os recentes acenos da Casa Branca de Donald Trump ao presidente venezuelano Nicolás Maduro. “Antes, Maduro era o diabo e agora, de repente, virou um santo”, comentou presidente da Comissão do Mercosul sobre a possível reaproximação dos dois países. Trump vem construindo uma ponte de diálogo com o governo bolivariano e se distanciando do autoproclamado presidente Juan Guaidó, anteriormente apoiado e reconhecido por Washington. Martins, então, criticamente questiona qual vai ser a posição do Brasil em meio a este imbróglio: “e agora que apostamos todas as nossas fichas no Guaidó, junto com os EUA?”, comparando a situação de alinhamento brasileiro aos norte-americanos como no caso da cloroquina, hoje já desaconselhada nos Estados Unidos para o tratamento da covid-19.
Elencando os esforços, o experiente deputado lamenta as limitações institucionais da Comissão que preside: “queria que fôssemos muito mais atuantes, mas não temos como. Eu posso mandar dois deputados pra ouvir o governo paraguaio em Assunção, mas aí vão dizer que a Comissão foi feita só pra viajar”. A cúpula para assuntos internacionais tem uma fragmentação partidária bastante notável. Além do presidente do Progressistas, compõem as reuniões o vice-presidente pedetista Goura e os deputados Arilson Maroldi do PT, Galo do Podemos, Luiz Fernando Guerra do PSL, Mauro Moraes do PSD e Soldado Fruet do Pros. “Uma maravilha. Ali não tem confusão ideológica, todo mundo contribui”, avalia o presidente sobre a diversidade de sua comissão. Martins, inclusive, rasga elogios ao deputado Goura, de partidarismo completamente diferente: “ele ajuda muito e ainda vai percorrer todo o Mercosul de bicicleta”, disse em tom de brincadeira com o colega, famoso cicloativista do PDT. Neste sentido, a Comissão do Mercosul e Assuntos Internacionais se diferencia de outras comissões predominantemente ocupada por bancadas temáticas. Na de Segurança Pública, por exemplo, figuram apenas deputados militares ou delegados, presididos pelo deputado Coronel Lee (PSL) e pelo vice Delegado Recalcatti (PSD). Luiz Carlos Martins comemora que sua comissão seja pluralizada, ainda mais por tratar de temas de abrangência internacional: “toda unanimidade é burra. É preciso divergência para progredir”.
Antes de desligar o telefone e encerrar a entrevista, o deputado se preparava para uma sessão virtual da Assembleia. Muito bem-humorado, contou causos de parlamentar que esqueceu o microfone aberto e falou o que não devia. “Quando vai começar a sessão fica todo mundo contando história. Cada um em casa, pela internet, acaba que todo mundo ri junto”. Apesar das dificuldades que a pandemia impõe a atividade legislativa, o deputado Luiz Carlos Martins parece otimista que, na retomada do parlamento e no reaquecimento das relações internacionais, a Comissão do Mercosul terá muito o que discutir no mundo pós-pandemia.