Foto tirada no dia 17 de novembro mostra seringa e frasco com etiqueta 'vacina Covid-19' escrita em inglês. — Foto: Joel Saget/AFP |
Por Ana Cristina Cercal dos Santos*
Com o início da pandemia, muitos países voltaram suas preocupações a um
objetivo: o fechamento das fronteiras. Com a limitação do trânsito de pessoas,
assim também limitariam a transmissão do vírus. Viagens à trabalho foram
canceladas, férias foram adiadas. Para alguns, foram mudanças de planos, para
outros, mudanças de vida, infelizmente, no mau sentido da expressão.
A vida ficou suspensa no tempo, todos na espera da vacina que fosse
mudar a situação. Porém, há situações em que a espera não tem lugar no
tempo-espaço, como é o caso dos refugiados. Diante das restrições impostas pelos
países, os deslocamentos de refugiados foram prejudicados e muitos foram
impedidos de ultrapassar as linhas imaginárias. Aqueles que já estavam em abrigos
encontraram condições de isolamento inadequadas, falta de acesso a água e
serviços de saúde, bem como a falta de orientações sobre a prevenção de contágio,
o que levou o risco de infecção entre migrantes a ser duas vezes maior do que entre
os nacionais em alguns países.
A partir da criação da vacina muito se esperou por todos ao redor do mundo
por uma melhora, uma salvação. No entanto, a salvação não deu a volta de 360o
pelo globo. A primeira desigualdade escancarada foi entre países com maiores
rendas e países de renda baixa, onde a distribuição de vacinas atrasou e não foi suficiente. Dados mostram que até agosto de 2021, os países de alta renda
possuíam quase 60% da população vacinada, enquanto que nos de baixa renda a
porcentagem não chegava a três. Agora, quase um ano depois, os primeiros contam
com mais de 200% de doses aplicadas na população, ao passo que boa parte dos
últimos têm apenas 20% de sua população vacinada.
Essa situação afetou diretamente os refugiados. Dados colhidos pela Oxfam
Internacional em novembro de 2021 mostram que em torno de 85% dos refugiados
se encontram nos países de média e baixa renda. Logo, a não distribuição de doses
nos países com poucos recursos financeiros significa, também, a não proteção
desses migrantes.
Por outro lado, ter a vacina no país não foi sinônimo de ter as suas doses
disponíveis. Outra desigualdade que imigrantes e apátridas tiveram que enfrentar foi
o resultado das campanhas de vacinação dos países, que, por muitas vezes,
deixaram de fora da prioridade ou nem mencionaram aqueles que mais estavam
vulneráveis pela situação.
Essa vulnerabilidade decorreu principalmente da falta de documentação
legal, o que impediu a vacinação em alguns casos. As restrições e exigências
sanitárias nas fronteiras impossibilitaram muitos imigrantes de entrarem nos países
pela via regular. Por estarem como irregulares no território, muitos imigrantes não
procuraram as autoridades de saúde por medo de uma possível deportação.
Diante da ausência de documentos, também foram afetados por questões
administrativas que condicionaram a vacinação àqueles com registro no sistema de
saúde do país ou com permissão de residência, por exemplo, de forma que muitos
não puderam tomar a dose. Esse foi o caso de refugiados em Marrocos, dos quais
apenas 35% haviam sido vacinados até setembro de 2021.
Além disso, questões como barreiras linguísticas e desinformação sobre a
segurança das vacinas também foram um empecilho para as campanhas de
vacinação. Essa conjuntura acarretou na impossibilidade, demora ou dificuldade da
vacinação, o que levou a prejuízos para além das questões de saúde. Sem estarem
vacinados, as empresas não estavam os aceitando para trabalhar, e, para piorar, em
alguns lugares não foi fornecida a certificação das doses, prejudicando também seu
deslocamento.
Esses problemas evidenciaram que a frase propagada pela Organização
Mundial da Saúde “ninguém está seguro até que todo mundo esteja” não estava
tendo efeitos na prática. Logo, organizações internacionais e sociedades civis
formularam diversas recomendações a fim de apontar as falhas e dar diretrizes de
como superá-las. Com a pressão internacional, vários países alteraram suas
campanhas de vacinação para incluir os migrantes e refugiados e fazer valer a
máxima contra o Covid-19.
Documentos internacionais sobre a distribuição de vacinas reforçam os
princípios de equidade global e bem-estar humano, estes que, conectados ao
princípio de solidariedade, lembram o ensinamento do escritor africano Mia Couto
de que “encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras, mas só há duas nações - a dos vivos e dos mortos”. Afinal, o vírus desconhece as divisas do
homem.
*Ana é advogada, pós-graduanda em direitos humanos e voluntária na Cátedra Sérgio Vieira de Mello - Unicuritiba.
Referências
OXFAM International. A people’s vaccine for refugees: ensuring access to covid-19 vaccines
for refugees and other displaced people. Disponível em:
<https://oxfamilibrary.openrepository.com/bitstream/handle/10546/621312/bp-peoples-vaccin
e-refugees-301121-en.pdf;jsessionid=BB8762A5921B6791882CCFAF589BD85E?sequence
=4>. Acesso em 19/06/2022.
OPAS. Imunização contra COVID-19 em refugiados e migrantes: princípios e principais
considerações Orientação provisória 31 de agosto de 2021. Disponível em:
<https://iris.paho.org/handle/10665.2/55674>. Acesso em: 16/06/2022.
UNDP Covid-19 Vaccine Equity Dashboard. Vaccine doses receiveid (% of population).
Disponível em: <https://data.undp.org/vaccine-equity/explore-data/>. Acesso em
16/06/2022.
UNHCR Covid-19 vaccine access report 2021. Disponível
<https://www.unhcr.org/623b18244/unhcr-covid-19-vaccine-access-report-2021>. Acesso
em 12/06/2022.
HOWARD, Sally. KRISHNA, Geetanjali. The world’s refugees remain last in line for covid-19
vaccines. Publicado em 29/03/2022. Disponível em:
<https://www.bmj.com/content/376/bmj.o703>. Acesso em 12/06/2022.
Nenhum comentário:
Postar um comentário