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quarta-feira, 6 de julho de 2022

CÁTEDRA: A vacinação contra Covid-19 para imigrantes, refugiados e apátridas

Foto tirada no dia 17 de novembro mostra seringa e frasco com etiqueta 'vacina Covid-19' escrita em inglês. — Foto: Joel Saget/AFP 

Por Ana Cristina Cercal dos Santos*

    Com o início da pandemia, muitos países voltaram suas preocupações a um objetivo: o fechamento das fronteiras. Com a limitação do trânsito de pessoas, assim também limitariam a transmissão do vírus. Viagens à trabalho foram canceladas, férias foram adiadas. Para alguns, foram mudanças de planos, para outros, mudanças de vida, infelizmente, no mau sentido da expressão. 
    A vida ficou suspensa no tempo, todos na espera da vacina que fosse mudar a situação. Porém, há situações em que a espera não tem lugar no tempo-espaço, como é o caso dos refugiados. Diante das restrições impostas pelos países, os deslocamentos de refugiados foram prejudicados e muitos foram impedidos de ultrapassar as linhas imaginárias. Aqueles que já estavam em abrigos encontraram condições de isolamento inadequadas, falta de acesso a água e serviços de saúde, bem como a falta de orientações sobre a prevenção de contágio, o que levou o risco de infecção entre migrantes a ser duas vezes maior do que entre os nacionais em alguns países. 
    A partir da criação da vacina muito se esperou por todos ao redor do mundo por uma melhora, uma salvação. No entanto, a salvação não deu a volta de 360o pelo globo. A primeira desigualdade escancarada foi entre países com maiores rendas e países de renda baixa, onde a distribuição de vacinas atrasou e não foi suficiente. Dados mostram que até agosto de 2021, os países de alta renda possuíam quase 60% da população vacinada, enquanto que nos de baixa renda a porcentagem não chegava a três. Agora, quase um ano depois, os primeiros contam com mais de 200% de doses aplicadas na população, ao passo que boa parte dos últimos têm apenas 20% de sua população vacinada. 
    Essa situação afetou diretamente os refugiados. Dados colhidos pela Oxfam Internacional em novembro de 2021 mostram que em torno de 85% dos refugiados se encontram nos países de média e baixa renda. Logo, a não distribuição de doses nos países com poucos recursos financeiros significa, também, a não proteção desses migrantes. 
    Por outro lado, ter a vacina no país não foi sinônimo de ter as suas doses disponíveis. Outra desigualdade que imigrantes e apátridas tiveram que enfrentar foi o resultado das campanhas de vacinação dos países, que, por muitas vezes, deixaram de fora da prioridade ou nem mencionaram aqueles que mais estavam vulneráveis pela situação. 
    Essa vulnerabilidade decorreu principalmente da falta de documentação legal, o que impediu a vacinação em alguns casos. As restrições e exigências sanitárias nas fronteiras impossibilitaram muitos imigrantes de entrarem nos países pela via regular. Por estarem como irregulares no território, muitos imigrantes não procuraram as autoridades de saúde por medo de uma possível deportação. 
    Diante da ausência de documentos, também foram afetados por questões administrativas que condicionaram a vacinação àqueles com registro no sistema de saúde do país ou com permissão de residência, por exemplo, de forma que muitos não puderam tomar a dose. Esse foi o caso de refugiados em Marrocos, dos quais apenas 35% haviam sido vacinados até setembro de 2021. 
    Além disso, questões como barreiras linguísticas e desinformação sobre a segurança das vacinas também foram um empecilho para as campanhas de vacinação. Essa conjuntura acarretou na impossibilidade, demora ou dificuldade da vacinação, o que levou a prejuízos para além das questões de saúde. Sem estarem vacinados, as empresas não estavam os aceitando para trabalhar, e, para piorar, em alguns lugares não foi fornecida a certificação das doses, prejudicando também seu deslocamento. 
    Esses problemas evidenciaram que a frase propagada pela Organização Mundial da Saúde “ninguém está seguro até que todo mundo esteja” não estava tendo efeitos na prática. Logo, organizações internacionais e sociedades civis formularam diversas recomendações a fim de apontar as falhas e dar diretrizes de como superá-las. Com a pressão internacional, vários países alteraram suas campanhas de vacinação para incluir os migrantes e refugiados e fazer valer a máxima contra o Covid-19. 
    Documentos internacionais sobre a distribuição de vacinas reforçam os princípios de equidade global e bem-estar humano, estes que, conectados ao princípio de solidariedade, lembram o ensinamento do escritor africano Mia Couto de que “encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras, mas só há duas nações - a dos vivos e dos mortos”. Afinal, o vírus desconhece as divisas do homem. 

*Ana é advogada, pós-graduanda em direitos humanos e voluntária na Cátedra Sérgio Vieira de Mello - Unicuritiba.

Referências
OXFAM International. A people’s vaccine for refugees: ensuring access to covid-19 vaccines for refugees and other displaced people. Disponível em: <https://oxfamilibrary.openrepository.com/bitstream/handle/10546/621312/bp-peoples-vaccin e-refugees-301121-en.pdf;jsessionid=BB8762A5921B6791882CCFAF589BD85E?sequence =4>. Acesso em 19/06/2022.
OPAS. Imunização contra COVID-19 em refugiados e migrantes: princípios e principais considerações Orientação provisória 31 de agosto de 2021. Disponível em: <https://iris.paho.org/handle/10665.2/55674>. Acesso em: 16/06/2022.
UNDP Covid-19 Vaccine Equity Dashboard. Vaccine doses receiveid (% of population). Disponível em: <https://data.undp.org/vaccine-equity/explore-data/>. Acesso em 16/06/2022.
UNHCR Covid-19 vaccine access report 2021. Disponível <https://www.unhcr.org/623b18244/unhcr-covid-19-vaccine-access-report-2021>. Acesso em 12/06/2022.
HOWARD, Sally. KRISHNA, Geetanjali. The world’s refugees remain last in line for covid-19 vaccines. Publicado em 29/03/2022. Disponível em: <https://www.bmj.com/content/376/bmj.o703>. Acesso em 12/06/2022. 


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