Homem exibe cartaz com a frase 'Ajude, Europa' enquanto centenas de imigrantes esperavam permissão para embarcar em trens em Budapeste |
Por Vítor Isac Gomes*
A chegada de imigrantes ucranianos aos países europeus durante a
guerra russo-ucraniana, que se estende desde fevereiro deste ano, nos leva a
grandes questionamentos acerca da atuação da aliança europeia em situações
de crises humanitárias e migratórias que, não por acaso e especificamente
desde 2015, lida com ondas de imigração vindas do Oriente Médio e norte
africano, principalmente sírios que há mais de uma década continuam em
guerra civil.
Vítimas de um conflito há quase 4 meses no leste europeu e levada à
frente pelo regime de Putin, milhões de ucranianos deixam suas casas e
cruzam a fronteira principalmente em direção à Polônia. A União Europeia, logo
após o início do conflito, adotou por unanimidade proteção temporária para
pessoas que estão fugindo da Ucrânia e ampliou a decisão tanto aos cidadãos
ucranianos bem como aos estrangeiros que estavam no território. Apátridas
que tenham proteção internacional na Ucrânia e seus familiares que
estivessem no país até 24 de fevereiro de 2022 – primeiro dia da invasão russa
– também foram incluídos. É importante lembrar que apátridas são pessoas
que não tem sua nacionalidade reconhecida por nenhum país e, portanto, não
possuem direitos humanos básicos, e que a partir deste mecanismo, puderam
ser reconhecidos no continente europeu com maior flexibilidade.
Em contra partida, desde o início dos protestos civis que reivindicavam
maiores direitos democráticos ocorridos no mundo árabe e particularmente na
Síria num período que ficou conhecido como Primavera Árabe, milhões de
refugiados sírios se deslocavam para a Turquia, país que não faz parte da
União Europeia, cruzavam o mediterrâneo e tentavam chegar à Europa pela Grécia que, ao contrário dos ucranianos, não foram recebidos de
forma amigável, tão pouco com a formalização de mecanismos emergenciais
com o objetivo de amparar os árabes fugidos da guerra. Episódio que explicita
a escalada das políticas anti-imigração no velho continente se deu no acordo
entre Turquia e o bloco europeu em 2016, fazendo com que todos os
imigrantes que tentavam chegar à Europa pelas fronteiras com a Grécia,
fossem mandados de volta ao território Turco, local que anteriormente em 2015
foi encontrado o corpo de um menino sírio morto na praia, chamando atenção
não apenas da mídia ocidental, como também comoveu celebridades, líderes
mundiais e o mundo todo.
Se de um lado a atual crise no leste europeu é aguda, movida pela
comoção ocidental, com fluxo intenso de imigrantes em um curto período de
tempo se deslocando para o leste da Europa e principalmente para países
fronteiriços, do outro lado a crise árabe é crônica, com milhões de sírios se
deslocando dentro e fora de seu território durante mais de uma década,
enfrentando altíssima resistência de países europeus quanto ao seu
acolhimento repousando em justificativas embasadas no medo do aumento de
ataques terroristas, além de demonstrações preconceituosas em relação ao
islamismo. Assim, em contraste com os ucranianos, segundo o premier
búlgaro, Kiril Petkov, "os refugiados não são como os anteriores. Essas
pessoas são europeias. Essas pessoas são inteligentes. São educadas. Não é
como nas ondas anteriores. Não sabíamos sobre as suas identidades, dos
seus passados. Podiam até ser terroristas".
O histórico europeu em crises migratórias é vergonhoso, marcado por
declarações xenofóbicas de líderes e governos europeus reforçando o
sentimento anti-imigrantista presente na Europa durante os anos de 2015 e
2016, mas que ainda hoje, se manifesta em pequenos grupos ultranacionalistas
interessados em manter a identidade europeia tradicional. Há expectativa que a
atual crise resultante da guerra entre Rússia e Ucrânia possa vir acompanhada
de perspectivas positivas acerca da receptividade europeia caso outra crise
maior se manifeste posteriormente.
*Vítor faz parte da Cátedra Sérgio Vieira de Mello, membro auxiliar do Centro
Acadêmico de Relações Internacionais (CARI), membro do programa de
Multiplicadores “Politize!” e escreveu o presente texto através da parceria entre
o Internacionalize-se e a CSVM.
Referências
TORTELLA, Tiago. União Europeia concede proteção temporária a
refugiados da Ucrânia. CNN Brasil. Disponível em:
<https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/uniao-europeia-concede-protecao-t
emporaria-a-refugiados-da-ucrania>. Acesso em: 15 jun. 2022.
PINOTTI, Fernanda. Como a Europa trata de forma diferente refugiados da
Ucrânia e do Oriente Médio. CNN Brasil. Disponível em:
<https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/como-a-europa-trata-de-forma-difer
ente-refugiados-da-ucrania-e-do-oriente-medio/>. Acesso em: 15 jun. 2022.
Agência da ONU para refugiados. Síria. Disponível em:
<https://www.acnur.org/portugues/siria/>. Acesso em: 15 jun. 2022.
Da EFE. Acordo entre UE e Turquia sobre refugiados entra em vigor. G1.
Disponível em:
<https://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/03/acordo-entre-ue-e-turquia-sobre-r
efugiados-entra-em-vigor.html>. Acesso em: 15 jun. 2022.
CHACRA, Guga. Qual a diferença entre refugiados sírios, ucranianos e
afegãos?. O Globo. Disponível em:
<https://blogs.oglobo.globo.com/guga-chacra/post/qual-diferenca-entre-refugiad
os-sirios-ucranianos-e-afegaos.html>. Acesso em: 15 de jun. 2022.
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