Por Carlos-Magno
Esteves Vasconcellos*
No final de 2015, dando andamento ao seu
traiçoeiro e sórdido plano para afastar a Presidenta Dilma Roussef do Palácio
do Planalto, o PMDB divulgou um documento intitulado Uma Ponte para o Futuro, que se pretende um programa para
“preservar a economia brasileira e tornar viável seu desenvolvimento,
devolvendo ao Estado a capacidade de executar políticas sociais que combatam
efetivamente a pobreza e criem oportunidades para todos”. O documento revela a
natureza servil e pusilânime do Partido de Michel Temer, Renan Calheiros e
Eduardo Cunha, sempre submisso aos interesses de poderosos grupos de
brasileiros e estrangeiros que obram dia e noite para manter o Brasil e seu
povo acorrentados. As idéias e propostas ali enunciadas são de uma pobreza
assustadora. Não obstante, nesta quinta-feira, 12 de maio, o PMDB deverá, ao
que tudo indica, se apossar do poder político federal e assumir o controle e a
direção da economia brasileira. É, portanto, oportuno entender com clareza o
que quer para o Brasil o PMDB.
Antes de esmiuçar o programa do PMDB, vale
advertir que não devemos analisar Uma Ponte para o Futuro como o resultado
coerente da ‘concepção de mundo’ do PMDB, pois uma das mais notórias
características desse Partido é, justamente, a mais absoluta insignificância programática. Para aqueles que
desconhecem essa verdade, vou mencionar aqui, um exemplo simples e categórico
extraído dos princípios básicos do Novo
Programa Doutrinário do PMDB (disponível em http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-estatuto-do-partido-de-15-4-1996-resolucao-tse.563): Princípio
13 - “O PMDB continuará movendo implacável combate à corrupção e sonegação.
Denunciará às autoridades competentes cada caso que lhe chegar ao conhecimento,
para apuração da responsabilidade dos envolvidos. Apoiará também as iniciativas
da comunidade em resguardo do erário e do interesse público”. Para o bom
entendedor, as palavras do Partido dispensam comentários.
Despido de seu disfarce ideológico,
podemos, agora, encarar o PMDB e seu programa de governo com mais segurança,
sabendo que suas idéias centrais não são inspiradas em princípios básicos, mas
no mais absoluto fisiologismo político.
Uma Ponte para o Futuro: a utopia das elites nacionais
Como entende o PMDB a situação atual
vivida pela sociedade brasileira?
Deixemos que o Partido fale por si mesmo,
através do seu programa Uma Ponte para o
Futuro:
O Brasil
encontra-se em uma situação de grave risco. Após alguns anos de queda da taxa
de crescimento, chegamos à profunda recessão que se iniciou em 2014 e deve
continuar em 2016. Dadas as condições em que estamos vivendo, tudo parece se
encaminhar para um longo período de estagnação, ou mesmo queda da renda per
capita. O Estado brasileiro vive uma
severa crise fiscal, com déficits nominais de 6% do PIB em 2014 e de inéditos
9% em 2015, e uma despesa pública que cresce acima da renda nacional,
resultando em uma trajetória de crescimento insustentável da dívida pública que
se aproxima de 70% do PIB, e deve continuar a se elevar, a menos que reformas
estruturais sejam feitas para conter o crescimento da despesa. (...) Isto nos
leva a discutir a questão fiscal. No
Brasil de hoje a crise fiscal, traduzida em déficits elevados, e a tendência do
endividamento do Estado, tornou-se o mais importante obstáculo para a retomada
do crescimento econômico. O desequilíbrio fiscal significa ao mesmo tempo:
aumento da inflação, juros muito altos, incerteza sobre a evolução da economia,
impostos elevados, pressão cambial e retração do investimento privado. Tudo
isto somado significa estagnação ou retração econômica. Sem um ajuste de caráter permanente que sinalize um equilíbrio
duradouro das contas públicas, a economia não vai retomar seu crescimento e a
crise deve se agravar ainda mais. Esta é uma questão prévia, sem cuja
solução ou encaminhamento, qualquer esforço para relançar a economia será
inútil. Nenhuma visão ideológica pode
mudar isto.
A passagem acima é reveladora. O
entendimento que o PMDB tem da atual situação vivida pelo país é equivocada e medíocre.
Nossos problemas atuais não têm absolutamente nenhuma relação com déficit
público, não se trata de crise conjuntural. É crise ESTRUTURAL! É uma crise de longa duração, que abarca todo
o sistema capitalista internacional desde a década de 1970! Em países de
capitalismo periférico como o Brasil, as primeiras manifestações dessa crise
tiveram lugar na década de 1980 com a chamada “crise das dívidas”. A
redemocratização, a moratória da dívida externa e, posteriormente, a introdução
de políticas econômicas neoliberais foram as primeiras reações do país àquela
crise. O colapso do neoliberalismo em nosso país abriu caminho para a ascensão de
Lula e do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder. No plano internacional, a
crise econômica forçou os Estados Unidos a lances ousados em termos de política
internacional em defesa de sua condição de potência hegemônica: defesa
intransigente do neoliberalismo e da globalização econômica, fabricação da
guerra ao terror, avanço estratégico para o controle de regiões do mundo ricas
em recursos naturais e energéticos, e fragilização de seus principais
antagonistas: Rússia e China. Os insucessos acumulados pelos norteamericanos na
luta contra a crise econômica facilitaram a ascensão do primeiro afro-americano
à Casa Branca, com a eleição de Barack Obama, em 2008. Nem Lula, nem Obama
conseguiram superar a crise econômica em que seus países se encontravam. Mas,
tanto um como o outro lutaram, desesperadamente, para mitigar os efeitos mais
deletérios provocados pelas desastrosas políticas de seus antecessores,
travando o ímpeto das forças globalistas e neoliberais. A crise brasileira de
hoje é, portanto, a continuidade da crise sistêmica iniciada na década de 1970;
mas é também o resultado das frustrantes políticas econômicas adotadas para
contê-la.
O entendimento do PMDB sobre a crise
brasileira atual não é apenas equivocado, ele é também arrogante. No final do
trecho citado, o Partido diz que “Nenhuma visão ideológica pode mudar isso
(mudar esse entendimento)”. Ou seja, o PMDB virou o dono da verdade! É uma aula
de democracia! Ou nos conformamos com as platitudes de suas idéias, ou somos
todos lunáticos. Esta é uma característica comum à todo sujeito incapaz de
convencer seus interlocutores pelo poder dos argumentos. Sua atitude é desqualificar
seu oponente!
Não podemos nos intimidar. Vamos em
frente. Diz o texto supracitado que o endividamento do Estado (crise fiscal) é
obstáculo ao crescimento econômico, e é também, gerador de inflação, juros
altos, impostos elevados, retração de investimentos privados, etc...
Uma mentira atrás da outra!!! Os juros
altos é o que provocam retração de investimentos; os juros altos é o que geram aumento
generalizado dos preços (inflação); os juros altos é o que obriga o Estado a
elevar os impostos; os juros altos é o que sufoca o crescimento da economia! Mas,
a quem remuneram os juros altos? À uma elite da burguesia que compreende
poderosos grupos econômicos brasileiros e estrangeiros que não têm o menor
interesse no desenvolvimento do Brasil. E porque o PMDB adulterou a realidade
econômica em benefício dessa elite burguesa? Porque ele é um representante dos
interesses desses grupos poderosos junto ao Estado brasileiro!
E qual o remédio que propõe o PMDB para
curar o Brasil de sua “crise fiscal”? Como anuncia o texto supracitado: “um
ajuste de caráter permanente que sinalize um equilíbrio duradouro das contas
públicas ... sem cuja solução ou encaminhamento, qualquer esforço para relançar
a economia será inútil”.
O detalhamento desse “ajuste de caráter
permanente” é apresentado ao longo do documento do PMDB e pode ser resumido da
seguinte maneira:
1º - Evitar aumento de impostos, pois isto afeta a
competitividade das empresas que operam em território nacional, no capitalismo
internacional.
2º - Flexibilizar o orçamento público,
de modo a torna-lo constantemente adaptável às necessidades de realização de
superávits primários (recursos destinados ao pagamento de juros).
3º - Reduzir as despesas primárias do
Governo (aquelas que não se relacionam com o pagamento de juros), principalmente
através de redução do funcionalismo público, eliminação de programas sociais
desnecessários, supressão das vinculações orçamentárias institucionais
estabelecidas em relação aos gastos com saúde e educação e, fundamentalmente,
uma severa reforma previdenciária que descole os benefícios dos aposentados dos
ganhos reais do salário mínimo e estabeleça uma idade mínima para aposentadoria.
4º - Flexibilizar a legislação
trabalhista, privilegiando as negociações diretas entre trabalhadores e patrões
em detrimento dos direitos adquiridos (as leis trabalhistas são reputadas, no
documento do PMDB, o segundo maior obstáculo à competitividade da economia
brasileira).
5º - Submeter o poder do Estado
totalmente aos interesses de poderosos grupos privados através da execução de
“uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de
transferência de ativos (públicos) que se fizerem necessários ...; desoneração
das exportações e dos investimentos...; a racionalização dos procedimentos
burocráticos... com ênfase nos licenciamentos ambientais; (uma rápida) abertura
comercial que torne nosso setor produtivo mais competitivo, graças ao acesso a
bens de capital, tecnologia e insumos importados”.
Neste artigo não temos espaço para
discorrer sobre cada uma dessas medidas, mas é fácil perceber que, no conjunto
da obra, a proposta do PMDB é a síntese da covardia política. Os trabalhadores
devem se preparar, se mobilizar, se organizar para a luta política, pois em defesa
dos interesses inconfessáveis de poderosos grupos econômicos nacionais e
estrangeiros o PMDB se prepara para agredi-los em nome de “um novo ciclo de
crescimento” que acredita será alcançado pelo apoio “ao investimento privado e
aos ganhos de competitividade do setor externo, tanto do agronegócio, quanto do
setor industrial”.
O entendimento que o PMDB tem da
situação atual vivida pelo Brasil é um equívoco consciente, é uma mentira. Sua Ponte para o Futuro é uma utopia que
tenta vender aos trabalhadores brasileiros como alternativa para o seu
desenvolvimento. A verdadeira Ponte
que o PMDB está prestes a construir não é para fazer transitar a sociedade
brasileira para uma situação de prosperidade material e bem-estar social, mas
para restaurar as condições à continuidade do processo de acumulação
capitalista mundial ao qual estamos inseridos.
Trabalhadores: vocês são MEIO, jamais o
OBJETIVO!!!
* Doutor em Ciências Econômicas
pela Escola Superior de Economia de Varsóvia, professor titular das disciplinas
de Economia Política Internacional e Empresas Transnacionais do Curso de graduação
em Relações Internacionais e do módulo em Economia Política do Capitalismo da
pós-graduação em Diplomacia e Relações Internacionais do UniCuritiba.
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