A seção Redes e Poder no Sistema Internacional é produzida por integrantes do Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional”, que desenvolve no ano de 2016 o projeto “Controle, governamentalidade e conflitos em novas territorialidades” no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca promover o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a inter-relação entre redes e poder no SI. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.
Vamos falar sobre a África e a visibilidade do continente no século XXI
Jéssica Ferreira*
“Acesso a essas redes de comunicação online deu a jovens africanos algo que nós sempre tivemos que tomar violentamente: uma voz” - Siyanda Mohutsiwa
Quando
se fala em África, qual é a visão que vem a mente? Geralmente, a mídia reporta
o continente africano como terras repletas de pobreza, devastação, corrupção,
dentre muitos aspectos negativos que poderiam ser mencionados. Perpetra-se,
portanto, no imaginário comum uma visão obscurecida da realidade dos países
africanos.
Focalizam-se
os problemas socioeconômicos crônicos que constituem a realidade africana, tais
como os conflitos internos vividos por alguns países e a epidemia de AIDS que
assola o continente. Mas até que ponto tal visão corresponderia efetivamente à
vida na África? Quer dizer, seria tal visão capaz de esgotar a realidade dessas
sociedades?
Chimamanda
Ngozi Adichie diria que não, diria que esta é a nossa única percepção do
continente. Em
uma das conferências da plataforma TED disponível online, ela adverte sobre o
“perigo de uma história única”. Outros africanos de destaque, sejam
intelectuais ou não, também foram convidados para falar sobre a realidade
africana e atentar sobre diversos aspectos ignorados pela mídia ocidental.
Assim se fala sobre jovens africanos ambiciosos, criativos e empreendedores,
sobre literatura africana, sobre invenções e negócios visionários que nasceram
ali, um lugar onde julgávamos existir apenas catástrofes.
O
acesso à internet no continente ainda é bem limitado, mas vem se expandindo ao
longo do tempo. O uso da internet, através de blogs e redes sociais como o
Facebook e o Twitter, ajuda a desmistificar a imagem do continente
internacionalmente. Além disso, tem um potencial revolucionário nas relações
entre os próprios africanos que muitas vezes desconhecem a realidade de seus
vizinhos.
Dessa
forma, o mundo presenciou revoltas populares contra regimes ditatoriais que
tiveram início no norte da África e que foram visivelmente fortalecidas pelo uso
das redes sociais. O debate não só político, mas econômico e também cultural
vem se intensificando entre africanos na rede, sobretudo jovens que demandam
por democracia e melhor governamentalidade em suas respectivas sociedades. Tal
engajamento era antes invisível aos olhos ocidentais, incapazes de conceber os
países africanos e seus povos como partes integrantes do cenário de consumo e
interação cultural da era capitalista e globalizada.
Hashtags
africanas no Twitter, tais como #IfAfricaWasABar
e #TheAfricaTheMediaNeverShowsYou,
evidenciam retratos dessas sociedades que não se está acostumado a ver. Ao
mesmo tempo em que se tem uma diversidade muito grande dentro da África, se
busca forjar uma identidade compartilhada entre os povos, numa
espécie de pan-africanismo social como denominado pela idealizadora da primeira
hashtag mencionada, Siyanda Mohutsiwa. Aos poucos, se forma uma comunidade
de africanos de todo continente na plataforma que estão comprometidos em
mostrar ao mundo o que é ser jovem e africano.
Agora,
não se pode negar que lá há muita pobreza e miséria, nem se podem negar todas
as injustiças sociais que vivem milhões de africanos. Provavelmente aqueles que
conseguem participar ativamente do cenário trabalhado no presente texto são de
certa forma, privilegiados. Esta visão tradicional que se tem, no entanto,
alimenta ações como as ajudas humanitárias e o envio de tropas para manutenção
da paz, que são importantes, mas que por si só não são capazes de estimular o
desenvolvimento produtivo da região.
Esta
talvez seja a principal crítica com relação à intervenção ocidental no
continente. É imperativo que se pare de retirar da África o protagonismo acerca
de sua própria história. Que ao invés de ajudar, se invista na África,
sobretudo, quando as soluções para os problemas africanos sejam africanas. E
para alcançar isso, desmistificar a imagem dessas sociedades, é um primeiro
passo considerável.
* Jéssica Ferreira é acadêmica do 5º Período do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e membro do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".
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