A
seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3°
período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a
orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele
Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas
Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não
refletem o posicionamento da instituição.
O Caso Paquete Habana e Lola e a Aplicação do Costume Internacional no
Direito Doméstico
Emílio Heller Augustin
O
Direito, como prática, é baseado em fontes, que são as formas através das quais
surgem as normas aplicáveis. Isso não deixa de ser verdadeiro em se tratando do
Direito Internacional Público. Uma das mais importantes, juntamente aos
tratados internacionais, traz o que se convencionou chamar de
"costumes". Em termos simples, nada mais são do que hábitos tomados
como verdadeiros e obrigatórios por uma sociedade; juridicamente, são definidos
a partir do Estatuto da Corte Internacional de Justiça como “prática geral
aceita como direito”, onde se vê os dois elementos necessários para configurar
sua existência: a prática reiterada e a convicção de obrigatoriedade.
Através dos costumes, segundo Gerson Valle, é que "se formam, de uma maneira geral, as normas, tanto em uma sociedade particular, quanto no relacionamento da sociedade internacional". Para Albuquerque de Mello, o costume nasce de uma necessidade social e por isso mesmo é obrigatório.
Dessa forma, ainda que uma norma não tenha sido positivada por meio de um tratado esta pode encontrar respaldo jurídico no direito consuetudinário, ou direito dos costumes. Assim, sempre que encontrarmo-nos diante de uma situação para a qual não haja antecedentes claros, como tratados aplicáveis, pode-se recorrer aos costumes internacionais. É importante notar, no entanto, que não existe hierarquia entre as fontes de direito internacional público, motivo pelo qual um costume pode até revogar tratados.
A aplicabilidade de fontes de direito internacional em esfera nacional é um assunto complexo e, pode-se dizer, relativo, posto que varia conforme o ordenamento jurídico de cada país. Comumente, divide-se os Estados em adeptos da corrente monista, que considera o direito nacional e o internacional como ramos de um mesmo sistema e unidade, o que torna a norma internacional aplicável internamente de forma direta, ainda que hierarquicamente frente ao direito nacional; e os da corrente dualista, que considera o direito nacional e o internacional como ramos separados e independentes, tornando-se o direito internacional aplicável tão somente mediante a transformação de normas internacionais em direito interno.
Neste contexto, um caso emblemático é o Paquete Habana e Lola, ou apenas Paquete Habana, nome das embarcações espanholas que batizam o caso, em que a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu certa proibição como costume internacional e considerou este diretamente aplicável internamente, ainda que a questão não encontrasse referências no direito doméstico.
O caso diz respeito à legalidade da captura de duas embarcações de pesca, Paquete Habana e Lola, como presas de guerra. As embarcações, pertencentes a nacionais espanhóis residentes em Cuba, navegavam sob bandeira espanhola no exercício da atividade de pesca na costa cubana; até que, no contexto da guerra hispano-americana, em 1898, foram paradas por um esquadrão da marinha estadunidense. Nas embarcações encontravam-se apenas os pescadores, que sequer estavam cientes da existência da guerra, e peixes, mas os norteamericanos as capturaram.
Frente ao protesto dos donos das embarcações, um caso foi iniciado em uma corte distrital estadunidense, que decidiu serem as embarcações, de fato, presas de guerra. Em resposta, os donos ingressaram com um recurso na Suprema Corte estadunidense, que acabou por aceitar seus argumentos e reverter a decisão da corte distrital.
Segundo os donos, tanto o direito internacional consuetudinário quanto os escritos dos doutrinadores internacionais mais qualificados reconheciam a isenção de captura de embarcações pesqueiras por Estados, ainda que em tempos de guerra.
A Corte decidiu, em 8 de janeiro de 1900, que, de fato, é uma norma estabelecida do direito internacional que embarcações de tal tipo, bem como seus equipamentos e navegantes, conquanto desarmados e engajados em atividade pacífica, não estão sujeitos à captura.
O marco apresentado pelo caso, no entanto, encontra-se no que foi afirmado na decisão a respeito da relação entre o direito nacional e o internacional: “o direito internacional é parte de nosso direito [...] quando não há tratado, ato executivo ou legislativo interno ou decisão judicial, recurso deve ser feito aos costumes e usos das nações civilizadas e, como evidência destes, o trabalho de juristas e comentadores [...]” (tradução nossa).
Dessa
forma, a principal importância do caso reside na integração do direito
internacional consuetudinário ao direito doméstico estadunidense, jurisprudência
que passou a fundamentar o uso da perspectiva monista de direito internacional
no ordenamento jurídico dos Estados Unidos em casos posteriores.
FONTES
CONSULTADAS:
VALLE, Gerson. Você conhece direito
internacional público?. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1978.
AMERICAN SOCIETY OF INTERNATIONAL LAW. The American Journal of International Law , Vol. 1, No. 1 (Jan. - Apr., 1907). Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/2186307>. Acesso em 27 de fev. de 2016.
AMERICAN SOCIETY OF INTERNATIONAL LAW. The American Journal of International Law , Vol. 1, No. 1 (Jan. - Apr., 1907). Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/2186307>. Acesso em 27 de fev. de 2016.
ESCARAMEIA, Paula V. C. Colectânea de
Jurisprudência de Direito Internacional. Coimbra: Almedina, 1992.
FONTE DA IMAGEM:
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