A
seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3°
período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a
orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele
Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas
Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não
refletem o posicionamento da instituição.
A Nova Estratégia Chinesa na
Disputa do Mar do Sul
Ana
Carolina Zanette da Silva, Daniel Gualberto da Silva e Letícia Laize Alves
Nos últimos anos, a China tem
construído ilhas artificiais em recifes localizados nas Ilhas Spratly, no
Mar do Sul da China, em meio a uma
complexa rede de disputas de território e soberania sobre áreas oceânicas, envolvendo
diversos países.
A região é
considerada estratégica em termos de comércio e segurança, uma vez
que possui uma significativa reserva de recursos naturais e constitui uma rota
pesqueira fundamental. Além das Ilhas Spratly, as Ilhas Paracelso, mais ao
norte, também se encontram em disputa. Tais conflitos, pode-se dizer, são
históricos, tendo a região sido ocupada diversas vezes. Hoje, além da China, oVietnã,
Filipinas, Malásia, Brunei e Taiwan disputam a área.
Anteriormente, outras ilhas dos
arquipélagos já haviam sido expandidas artificialmente, porém as
construções chinesas nas Spratly assustam por
sua grandiosidade e rapidez, representando uma tensão crescente entre
interesses divergentes. A construção tem sido feita por dragagem: máquinas
extraem areia do fundo do mar e a transportam e despejam em regiões de recifes
submersos, repetidas vezes e em quantidades gigantescas, até o ponto da areia
emergir da água e constituir superfície firme.
A questão, além de geopolítica,
reflete discussões acerca do Direito Internacional Público, em tentativas dos
diversos Estados de legitimar suas reivindicações e acusar os demais; mais
especificamente, do Direito Internacional do Mar. A Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), assinada em 1982
em Montego Bay, na Jamaica, é o documento utilizado para reger as
questões relacionadas a este ramo do Direito, positivando costumes e criando normas
de delimitação territorial no mar. Ademais, por sua ampla aceitação,
grande parte de sua normativa já é considerada Direito Consuetudinário.
A partir da Convenção
de Montego Bay, pode-se analisar algumas das variáveis
envolvidas na disputa das Ilhas Spratly. Segundo o documento, o Mar
Territorial (MT), que é a primeira parte de controle marítimo estatal, tem a
extensão de 12 milhas a partir da costa. Nesse território, o Estado exerce soberania
análoga à terrestre, mas deve conceder o direito de passagem inocente, ou seja,
deixar que navios atravessem a área desde que a passagem seja breve e não interfira na segurança e soberania do
Estado em causa.
Para além do mar
territorial, há a Zona Contígua (ZC), em que o Estado exerce certos direitos de
fiscalização e o direito de iniciar uma perseguição, estendendo-se por mais 12
milhas; e, finalmente, a Zona Econômica Exclusiva (ZEE), que se estende
até 200 milhas da linha de base, contando a extensão do Mar Territorial e da Zona
Contígua. É importante notar, no entanto, que nestes últimos o direito de
passagem é sempre permitido.
A República Popular da China, em
1947, ainda antes da Revolução, divulgou um mapa em que afirmava ter soberania
e direito histórico sobre um extenso território do Mar do Sul da China,
incluindo os conjuntos das Ilhas Paracelso e Spratly. Essa
região, denominada pela China, em tradução literal, de “Linha
de Nove Traços”, expande-se por até 500 milhas de distância da costa
chinesa, muito além dos limites da ZEE.
Vietnã e Taiwan, entretanto,
afirmam que a China começou a demonstrar interesse de controle soberano sobre a
região apenas em meados do Século XX. O governo vietnamita, inclusive, assegura
controlar as ilhas Spratly e Paracelso desde o Século XVII,
sendo por isso o detentor legítimo de direitos sobre a região.
As Filipinas, por sua vez, reivindicam
direito de soberania sobre algumas das Ilhas Spratly por conta da proximidade
geográfica. Ademais, note-se que, caso a China obtenha soberania sobre a
totalidade do território que reclama, as Filipinas perderiam cerca de 80%
de sua atual Zona Econômica Exclusiva.
Nesse mesmo sentido, Malásia e
Brunei defendem que o território reivindicado pela China faz parte de suas
respectivas ZEEs. A Malásia, especificamente, ainda reivindica posse de algumas
das Ilhas Spratlys, também se baseando em proximidade.
Essa disputa foi levada à Corte
Permanente de Arbitragem de Haia pelas Filipinas, que argumentam que a
“Linha de Nove Traços” chinesa desrespeita tanto os limites do Mar Territorial
quanto da Zona Econômica Exclusiva. Tem sido debatida, no entanto, a
competência da Corte para lidar com tal matéria. O envolvimento, por outro lado,
é plausível, posto que um caso na Corte Internacional de Justiça, certamente
foro mais apropriado para questões de soberania, demandaria o consentimento
expresso por parte também da China, que tem preferido negociações diretas.
A Corte de Arbitragem decidiu,
em outubro de 2015, ter jurisdição sobre a questão. A decisão foi muito
contestada pela China, que diz ser esse um caso não de disputa de direitos de
exploração, sujeito à arbitragem, mas sim de soberania. Note-se, ainda, que o próprio
Art. 298 da Convenção de Montego Bay dá aos Estados o direito de não
aceitar qualquer procedimento, em foro internacional, sobre controvérsias que
se referem a baías ou títulos históricos. O governo Chinês acusa, ainda, as
Filipinas de se recusarem a participar de negociações bilaterais, sendo
ilegítima a submissão a instância internacional.
De toda forma, as Filipinas defendem que, pelo
fato de a maioria dos espaços emersos artificialmente do Mar do Sul da China
não sustentarem atualmente “habitação humana” ou “vida econômica”, não
são sujeitos à retenção de Mar Territorial ou Zona Econômica Exclusiva,
conforme estipula o Art. 121 da CNUDM. O artigo sofre, entretanto,
críticas por sua ambiguidade e imprecisão, posto que não é expressa sua
aplicabilidade a regimes como os de ilhas ou construções artificiais. Prevê-se
que o caso seja julgado em 2016.
Enquanto isso, a China continua
a expandir suas ilhas artificiais. Estima-se que, entre 2013 e 2015, foram
adicionados a elas 2.000 acres, além de pistas de aterrissagem e instalações
portuárias e militares. Há evidências, ainda, de que mísseis superfície-ar
foram levados para a ilha Woody, no Paracelso, em fevereiro de 2016.
Em outubro de 2015, os Estados
Unidos enviaram um navio de guerra para navegar a 12 milhas das ilhas, exercendo
o que chamaram de direito de navegar em águas internacionais. É interessante
notar que, ainda ausente qualquer decisão internacional, os EUA respeitaram o
limite do suposto MT em relação às ilhas reivindicadas pela China, mesmo que a
CNUDM afirme, em seu artigo 60, que ilhas artificiais não possuem MT próprio,
ponto ignorado pela China. A soberania chinesa sobre a região, logicamente, é também
contestada pelos Estados Unidos; e estes, a pedido e em cooperação com seus
aliados na região, têm participado ativamente no monitoramento e discussão da
disputa.
Fontes Consultadas:
MAZZUOLI, Valério De Oliveira. Curso de
direito internacional público. 7ª ed. Brasil: RT, 2013.
REZEK, Franscisco. Direito
internacional: Curso elementar. 15ª ed. Brasil: Saraiva, 2015.
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